Filme de contradições encontra no lado humano a resposta para suas questões envolvendo a imagem.
Por Pedro Strazza.
Em um dos momentos finais de Cameraperson, a diretora Kirsten Johnson retorna a um dos locais de gravações de um dos documentários que trabalhou com o propósito de mostrar a uma família que fotografou cinco anos antes o resultado final do projeto. Depois de exibidas as cenas, ela diz ao grupo por meio de uma tradutora que se sentiu emocionada com as cenas cotidianas que filmou no período, carregando memórias bonitas mesmo que estas fossem compostas no geral de relatos sobre assassinatos e tragédias.
Essa situação, uma das várias reunidas para compor o filme, traz um pouco do jogo de contradições que permeia a produção, verdadeiro mosaico de imagens coletadas por Johnson em quase duas décadas de trabalho como documentarista. Trabalhando em obras como Fahrenheit 9/11 e Citizenfour, a cineasta realiza essa composição para compreender um pouco mais de sua própria profissão, buscando desvendar o encanto criado nela em tais situações.
É claro que o projeto passa por motivações muito individualistas (essas são imagens que fascinam a realizadora e não necessariamente o espectador), mas Cameraperson acaba funcionando pelo jogo de opostos mencionado acima. As relações entre duplos como vida e morte, objeto e observador e tragédia e beleza soam muito difusas a princípio, porém com o tempo ganham nas mãos de Johnson uma coerência que tem na imagem seu norte.
Isso ocorre porque o filme consegue transitar muito bem entre a esfera mais analítica e quase metalingüística do documentário – a cena da limpeza do vidro do carro talvez seja o ápice disso – com o relato pessoal da cineasta, que ocorre principalmente nos momentos que passam por sua vida familiar e a relação com a falecida mãe, mas também encontram espaço em situações como a de sua emoção com o relato de um entrevistado que perdeu o olho mesmo sem compreender sua língua de origem. Johnson procura aqui um significado oculto para suas imagens por meio da correlação, de conexões capazes de ressaltar a complexidade que enxerga nestas.
A proposta rende alguns resultados bonitos, mas não pelas vias que Johnson acredita estar trilhando. Se na desconstrução das imagens o longa soa artificial – a destruição de um pen drive qualquer em um local desconhecido ou a fabricação de uma cena não causam o impacto desejado –, nos momentos que mostram intimidade ele ganha força, seja da diretora ou dos retratados. Cenas como a de um boxeador estadunidense revoltado por perder uma luta ou de uma parteira nigeriana que trabalha para manter vivo um recém-nascido – além da relação da realizadora com a mãe em seus últimos momentos de vida - geram comoção não somente porque trazem relações fundamentais de vida, mas porque evidenciam de forma discreta o lado mais belo e emocional da imagem, algo que chega ao clímax quando a própria cineasta reconhece esse processo na situação citada no primeiro parágrafo.
É isso que materializa a tentativa de Johnson de no fim se aproximar de seus objetos de estudo, criando intimidade e legitimando sua maior emotividade com o que aborda. O que ela não percebe nessa trajetória – e também torna Cameraperson um projeto muito bem sucedido, na verdade – é que o público também percorre esse caminho, sendo capaz de aproveitar melhor essa relação de maneiras ainda muito misteriosas a ela e qualquer documentarista.E a bem da verdade esse é um mistério cujo segredo merece ser preservado.
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