sábado, 26 de novembro de 2016

Crítica: A Chegada

Villeneuve aposta no emocional em ficção-científica intimista.

Por Pedro Strazza.

É muito por causa do gênero ao qual ambas as produções se inserem, mas é inevitável comparar A Chegada - o novo longa do canadense Denis Villeneuve - com o Interestelar de Christopher Nolan. Os dois filmes, afinal, são a primeira incursão pela ficção-científica de dois cineastas acostumados com a materialidade da realidade (Os Suspeitos, Incêndios, a trilogia O Cavaleiro das Trevas) e as tramas labirínticas dos dilemas psicológicos (O Homem Duplicado, A Origem), que usam tramas aparentemente complexas para disfarçar estruturas lúdicas bastante simples. Villeneuve e Nolan são diretores apreciados pelo público e a crítica por saberem transitar muito bem entre esferas de narrativa básicas e intrincadas, mas também coletam posições contrárias às suas obras por não mostrarem o mesmo talento na hora de trabalhar o lado emocional da coisa.

O curioso é que é justo na ficção-científica - gênero habituado a trabalhar as emoções humanas da forma mais racional possível - que os dois vejam seu cinema entrar em um ponto semelhante de crise. Pois o foco inesperado que ambos os diretores dão a uma trama sentimental e na maneira como eles optam por trabalhar seus temas a partir desta base, tanto em seus erros quanto em seus acertos, é a maior semelhança que os dois trabalhos compartilham.

Escrito por Eric Heisserer, o filme acompanha a chegada de doze espaçonaves alienígenas a diversos pontos da Terra e as reações de diversos governos e indivíduos frente a este evento extraordinário. A protagonista da história é a doutora Louise Banks (Amy Adams), linguista que é chamada pelos militares estadunidenses para junto do físico Ian Donnelly (Jeremy Renner) tentar decifrar a linguagem e se comunicar com os alienígenas que habitam o estranho casulo localizado na região central do país. Quanto mais eles demoram para quebrar o código, porém, mais tensas ficam as relações entre as nações sobre a questão.

Não convém aqui dissecar a estrutura do longa e o formato ao qual a narrativa aos poucos adquire porque a grande surpresa da obra está justo nestas, mas é válido dizer que como ficção-científica A Chegada é um bom drama intimista. O arco de luto ao qual a personagem de Adams é submetida é o maior ponto de interesse do diretor no filme, com o resto da produção dedicado a alimentar e avançar no desenvolvimento de suas angústias.

Essa afirmação, entretanto, soa quase paradoxal ao gênero, que prescinde os conflitos interiores do indivíduo não para torná-los ainda mais interiorizados, mas sim de extrapolá-los ao campo do dilema existencial coletivo. É aí que Villeneuve se aproxima de Nolan: assim como Interestelar, A Chegada tem em mãos uma trama de relações ao qual busca firmar na ficção-científica, mas não exatamente almeja usá-la a seu favor, relegando-a no processo à função de um mecanismo que movimenta a história. Se a odisseia espacial de Matthew McConaughey aproveitava o lado racional apenas para chegar a um propósito fantasioso que não compreendia o lado lógico (é bom recordar, toda a situação no buraco negro se apoia no sentimentalismo barato), a história de Banks flerta a todo instante com o cenário político e o mistério em cima dos alienígenas para no fim somente usá-los para mover a trama. À obra só interessa mesmo a parte interior, a emoção em seu estado mais primário.

É um viés que se percebe aos poucos no roteiro, mas que ocorre justo nos momentos onde o longa mais tem chances de decolar e não o faz. Cenas como do clímax ou do primeiro encontro de Banks e Donnelly com os extraterrestres - a narrativa vai em uma escalada para privilegiar essa situação e no fim a suprime sem grandes retornos, algo infelizmente repetido em todos os momentos de contato da dupla com os aliens - e elementos como discursos políticos e últimas palavras antes da morte - usados mais para alimentar alguma tensão ocasional - servem como reforço da dedicação exclusiva do filme com a situação emocional de sua protagonista, que nunca chega a ser extravasada ou contamina o ambiente ao seu redor.

E esse sentimentalismo, no fim, também é usado por Villeneuve como artifício. Pois A Chegada, afinal, também é mais um filme do diretor em que a trama é mero dispositivo lúdico e onde a reviravolta é a grande arma para arrebatar o espectador. Mas se em outros trabalhos essa estrutura tinha uma justificativa (mesmo Sicario conseguia encaixar isso em seus sets de suspense), aqui ela apenas esvazia a proposta da história e torna seu lado emocional mais brega - um fim curiosamente parecido com o da ficção-científica de Nolan.

Nota: 5/10

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