Frank Miller retoma história com velhos e novos valores.
Por Pedro Strazza.
Há um quê de paradoxal na maneira pela qual Frank Miller e seu co-roteirista Brian Azzarello trabalham as imagens de seus heróis na primeira edição deste Cavaleiro das Trevas III - A Raça Superior. Se por um lado a dupla dedica este capítulo inaugural a reapresentar suas peças centrais no tabuleiro como ídolos adormecidos - de forma literal no caso de Superman, encontrado congelado e sentado em seu trono na Fortaleza da Solidão por sua filha com a Mulher-Maravilha, Lara -, é sensível na HQ um ar de completa desesperança quanto à presença destes, subentendida em pequenas coisas como a postura cansada da comissária Yindel quando de frente a um maciço bat-sinal.
É deste sentimento confuso da sociedade perante tais figuras, praticamente consagradas como mitológicas neste e nos outros dois Cavaleiro das Trevas, que Miller parece retomar aqui com maior contenção, mas ainda inclinado a continuar o mesmo debate com igual intensidade. Porque se, a princípio, A Raça Superior tem a propensão de reduzir o espectro e focar as atenções apenas no trio principal de super-heróis e suas relações mais imediatas (apesar de maneira não excludente, como bem prova a história secundária protagonizada pelo Átomo), é evidente que a série quer se mostrar progressiva no desenvolvimento das figuras centrais de seu palco.
Ainda não dá para saber como o quadrinho irá encaminhar essa discussão só por esse primeiro capítulo, é óbvio, mas os roteiristas já dão vislumbres da forma pela qual irão trabalhar o tema. Pelo traço de um Andy Kubert que começa a dar passos na tentativa de incorporar o estilo da arte mais direta de Miller e auxiliado por Klaus Janson no cumprimento desta tarefa, a primeira edição tem bastante interesse de reestabelecer ao leitor os espaços em que estes personagens atuam, da Gotham City banhada pelo vermelho sangrento a uma Fortaleza da Solidão que lembra um santuário perdido (além de abandonado, dessa vez). O truque é manter em perspectiva o caráter de formação que eles imprimem a estes ambientes, e a passagem pelo cenário selvagem ao qual a Mulher-Maravilha está inserida, incluindo seu confronto com um gigantesco minotauro, serve muito bem para pontuar isso.
A série Cavaleiro das Trevas, entretanto, não vive somente dessas características atemporais como também se alimenta do que é contemporâneo à sua criação, e nesse início do terceiro episódio o quadrinho permanece empenhado em manter-se conectado com sua realidade cronológica. Da presença do apresentador Jon Stewart às inserções de mensagens de texto no início da edição, fica claro que Miller tem a intenção de manter o quarto poder na pauta de sua história e de tratar de suas transformações desde sua última incursão por esse universo, em 2002. Resta se perguntar se o tema manterá o mesmo papel das outras vezes e, se não, qual será sua nova situação neste panorama.
Mas o mais curioso deste primeiro capítulo ainda continua a ser esse clima de desesperança no qual a história parece de início estar se equilibrando em cima. Se nas outras duas ocasiões esse elemento era apenas consequência do que Miller trabalhava, em A Raça Superior está implícito de que será ela que dará o tom à cadeia de eventos e à abordagem do autor, do começo (disfarçado de motivação no agourento "Uma boa morte? Isso não existe!" e combinado à visão de um glorificado uniforme do Batman) ao fim (a última frase e seu significado único e imediato). Há a dúvida se isso parte de uma evolução natural da trama ou da influência dos tempos que vivemos no raciocínio do autor, mas ela definitivamente está lá como motor central da vez.
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