domingo, 1 de maio de 2016

Crítica: O Dono do Jogo

Ed Zwick muda o equilíbrio de seu cinema para trabalhar protagonista problemático.

Por Pedro Strazza.

Em sua carreira como diretor, é visível como Edward Zwick estabeleceu e aprimora constantemente uma dinâmica sensível entre indivíduo e realidade ao qual este se insere. Do vendedor farmacêutico que populariza o Viagra em Amor e Outras Drogas à jornada de um pescador para reencontrar seu filho em meio à Guerra Civil de Serra Leoa em Diamante de Sangue, o cineasta tem demonstrado em seus projetos mais recentes um interesse maior de entender como o ser humano e o ambiente em que vive se relacionam e influenciam um ao outro, algo que se repete em O Dono do Jogo de maneira bastante metodológica.

Roteirizado por Steven Knight, a cinebiografia do campeão mundial de xadrez Bobby Fischer (Tobey Maguire) usa muito do cenário da Guerra Fria para recontar nas telas os eventos que levaram o enxadrista a conquistar a honraria máxima do meio em 1972, disputado contra o russo Boris Spassky (Liev Schreiber), então detentor do título, em uma série de 24 partidas. Nascido em uma família de comunistas e genial no esporte desde os seis anos, Fischer é atormentado por uma paranoia de que está sendo perseguido pela União Soviética, o que o torna num tormento constante para seu advogado e agente Paul Marshall (Michael Stuhlbarg) e o companheiro de time Bill Lombardy (Peter Sarsgaard).

Fica claro do início, então, como Zwick irá se comportar na produção no que consta à maneira pela qual o ambiente influencia o protagonista da vez, que tem seus tiques, apreensões e delírios incorporados pelo olhar quase sempre vidrado de Maguire. O clima de insegurança da época serve bem ao diretor para criar o mito da celebridade em torno da figura de Fischer, cujo aprimorado intelecto para o xadrez confunde-se com o gênio instável de estrela mesmo antes de se tornar um grande jogador. No longa, é perceptível como o enxadrista parece estar fadado desde pequeno a ser consumido pela paranoia da Guerra Fria, seja nos planos que põem o espectador na posição de vigília ou na cena no qual o personagem, ainda criança, está na janela de casa atento a qualquer carro que possa estar querendo bisbilhotar a reunião organizada por sua mãe (Robin Weigert).

Mas se o panorama muda Bobby Fischer, o contrário parece não acontecer na narrativa do filme, que se mostra bastante confortável em manter essa unilateralidade. Tornado símbolo no combate ao comunismo pelo governo Nixon, os efeitos das ações de Fischer em sua escalada para a consagração como melhor enxadrista do mundo são mostradas em noticiários antigos e imagens de arquivo (algumas manipuladas para encaixar a imagem de Maguire), como se pertencessem a uma realidade distante da do longa e, por consequência, da vivida pelo protagonista e seus coadjuvantes.

Nesses momentos, é como se o diretor buscasse sublinhar um dos lados de uma equação para focar-se exclusivamente no outro, atrás de uma simplificação da abordagem que realiza em cima de seu elemento central. O que o diretor não percebe, entretanto, é que o equilíbrio do longa só existe graças a essa confluência, permitindo-o criar símbolos institucionais em cima das figuras de Marshall (o capital) e Lombardy (a Igreja, a fé no sistema) sem ao mesmo tempo destituí-los de uma humanidade plausível.

Zwick talvez encontre nessa mudança de eixo uma forma de renovar seu estilo, melhor preservando o mistério (e fascínio) em torno do seu objeto de estudo ao invés de já esclarecê-lo para encaixá-lo depois no panorama, mas não percebe que essa decisão afeta a harmonia daquilo que é vital a suas obras. Tal qual os movimentos de xadrez no filme, O Dono do Jogo atrai o espectador pelo seu enigma, mas não encontra uma solução para dar charme à posterior revelação.

Nota: 6/10

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