Falta atmosfera mais sólida para conto de terror estrelado por indiozinho de Maurício de Sousa.
Por Marina Ammar.
Se lermos a contracapa de Noite Branca, de Marcela Godoy e Renato Guedes, ou apenas a introdução escrita pelo próprio Maurício, descobrimos logo que a intenção da reimaginação do personagem é o terror. A trama, porém, introduzida com toda a tensão que se espera de tal gênero – crucial para criação da atmosfera – infelizmente logo se desvia da mesma.
Após as primeiras páginas, que mostram uma oca com inúmeros índios dormindo ser atacada por inimigos invisíveis que os arrastam para a escuridão da noite, a história se desvia para Papa-Capim, treinando combate com o amigo Cafuné. Treino este que é atrapalhado por dois fatores: Papa-Capim não consegue parar de pensar em Jurema, a indiazinha alvo de seu amor, e, em seguida, um ruído na mata. Tão curiosos quanto corajosos, Papa-Capim e Cafuné resolvem investigar e encontram um índio ferido, único sobrevivente do ataque mostrado na introdução, que os alerta sobre a “Noite Branca” do título. A narrativa progride até a aldeia, onde Papa-Capim, Cafuné e, agora com eles, Jurema esperam que o pajé ou o cacique saibam mais sobre o guerreiro. O cacique não demora a aparecer, e declara que embora as enfermidades físicas sejam curáveis, o espírito do índio está quebrado para sempre.
É nos diálogos travados entre Papa-Capim e seus amigos com o cacique - e do líder com o pajé - que se descobre que os índios mais velhos e experientes já tem conhecimento da Noite Branca, ressaltando não desejar contar para os mais novos sobre sua identidade por temer tirar-lhes o sono para sempre. E em meio desse ocultar de informações e troca de mesas que Papa-Capim é apresentado ao leitor como um rapaz corajoso, que goza da inocência provinda da juventude, preza pela amizade e o amor e com sutileza zela pelos animais e a natureza ao seu redor. Entretanto, os diálogos ou ações escolhidas para mostrar muitas dessas características – sendo a coragem a mais em foco – se fazem ou demasiadamente repentinos ou passíveis de serem interpretados de outra maneira – Papa-Capim passa grande parte do volume exalando nada mais do que um ar de insolência desnecessário tanto ao personagem quanto à narrativa.
Além disso, embora trate, dentre outras coisas, do transitar do jovem índio a guerreiro da tribo vivido por Papa-Capim, o volume se perde entre o construir dessa jornada – evidenciada pelo diálogo com o pajé sobre a diferença entre andar e caminhar - e a arquitetação da atmosfera de terror, embaralhando ambos em uma narrativa que apesar de bastante interessante deixa a desejar na caracterização de seu meio e de seu personagem, aqui principalmente consolidado por ações alheias a ele.
Apesar disso, a pesquisa a respeito da cultura em indígena fica tanto evidente quanto gostosa de se ler, trazendo novas informações e interesse por saber mais pela cultura brasileira, que é tão raramente abordada mesmo no material nacional. Isso, em união com as muitas cenas noturnas (visto que a dinâmica de gestual e silhuetas de Guedes é em absoluto fácil de acompanhar e expressiva na medida que a história necessita) e a arte geral (que traz tão bem caracterizados os traços indígenas e dos conhecidos personagens) situa a história com muita realidade no âmbito das lendas brasileiras.
Noite Branca se torna, assim, em um novo mito a ser lido, uma união da cultura pop atual com a enraizada nos costumes e tradições brasileiros, um estímulo essencial para o conhecimento da riqueza e das possibilidades das lendas nacionais.
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