Política americana, novela mexicana, fórmula reiniciada.
Por Pedro Strazza.
Conforme o tempo passa e novas temporadas se somam às já existentes, fica cada vez mais claro que House of Cards se tornou uma série incapaz de traçar novos caminhos para a jornada de seu protagonista. Afinal, após chegar ao topo da pirâmide do poder da nação mais poderosa do mundo em meras duas temporadas, o vilanesco e corrupto político Frank Underwood (Kevin Spacey) parece não assumir de fato o poder para si e exercê-lo ao bel prazer para se preocupar com a questão de como mantê-lo, e o seriado soa como se estivesse dando voltas em um círculo eterno.
Só isso para explicar as decisões tomadas pelo showrunner Beau Willimon (que inclusive está de saída do programa) e seu time de roteiristas nesta quarta temporada, que antes de mais nada trata de reiniciar a fórmula criada no distante primeiro ano em chave muito mais caricatural do que antes. Como bem diz o próprio presidente Underwood em dado momento destes novos treze episódios, a política deixou de ser teatro para se tornar em puro entretenimento, e a série trata de seguir tal lema pela repetição de raciocínios anteriores. Próximo passo natural na estrutura do seriado, a problematização do poder em seu exercício é mais uma vez ignorada, em prol do retorno da temática da busca por este, mais imediata, atraente e dessa vez literal graças às eleições presidenciais.
Isso fica bastante claro nesta temporada pelos próprios esforços dos roteiristas em substituir as peças originais do seriado e ao mesmo tempo manter aquecida as engrenagens que tornam House of Cards no programa querido pelos fãs. Das disputas políticas ao triângulo amoroso, passando pelo impacto das ações dos poderosos no indivíduo comum - dessa vez o jornalista Tom Hammerschimdt (Boris McGiver) -, todas as estruturas são mantidas de alguma forma, sem receber qualquer acréscimo que dure mais de três episódios. O que soa de diferente no quarto ano mesmo são as constantes resvaladas - mas nunca abordadas de forma concreta - da história em temas socialmente relevantes, como o preconceito racial, o machismo inerente da sociedade e a rivalidade entre a elite e o povo (materializada no trabalho de Ellen Burstyn como Elizabeth Hale, a mãe de Claire), e a própria Claire, que é promovida de fato ao posto de protagonista e aqui em destaque por ter o maior arco de personagem - apesar de no fundo ser apenas mais um de provação ao marido.
Mas como realizar tal tarefa e impedir que a trama esfrie numa estratégia tão sem sal? Para a série, vale a tática da reviravolta, ferramenta recorrente do formato e nestes treze episódios utilizada tantas vezes a ponto do programa lembrar a dinâmica de uma típica novela mexicana, ainda mais com a crise no casamento dos Underwood na primeira metade da temporada e os delírios que tomam Frank após sua hospitalização (e que nada funcionam para os intentos do seriado, visto a inegável disparidade com sua proposta "realista"). Tentativa de assassinato, golpe político, sequestro e consequente negociação... os plot-twists são variados e de diferentes tamanhos, prontos para acontecer com frequência vigorosa e manter o público interessado na sucessão exaustiva de eventos.
O que salva House of Cards do desastre que (por enquanto) se forma no horizonte, porém, não é a necessidade constante de uma nova guinada, mas a eficiência dos roteiristas nestas trocas de peças no tabuleiro político. Pois se personagens como o chefe de segurança Edward Meechum (Nathan Darrow) - que há tempos dá sinais de ser mero acúmulo narrativo - tem seu papel minimizado ou limado em definitivo, a trama ganha acréscimos tão funcionais como o escritor Thomas Yates (Paul Sparks), apresentado no terceiro ano e com maior espaço neste quarto, ou a consultora política Leann Harvey (Neve Campbell), que oferece uma gama maior de possibilidades ao futuro da série mesmo não sendo aproveitada no momento.
Neste campo de substituições pontuais, a mais simbólica de todas talvez esteja representada em Will Conway (Joel Kinnaman), jovem candidato republicano à presidência e maior antagonista dos Underwoods na metade final da temporada. Figura de reposição ao presidente russo Petrov (Lars Mikkelsen) - que mantém o posto de melhor coadjuvante por ser o único a tentar projetar o tema do programa para frente -, ele a esposa Hannah (Dominique McElligott) servem de contraponto interessante aos protagonistas, tanto em sua proposta de serem versões Millennials do casal, dispostos a documentar cada instante de suas vidas nas redes sociais e assim ganhar a tão cobiçada simpatia do povo, como na inversão de valores na comparação de perfil dos dois candidatos - Will servindo como um republicano aos moldes do democrata John F. Kennedy, Frank um democrata de feições e atos similares ao do republicano Nixon. Os melhores momentos desta temporada, respectivamente a "reunião" para decidir o que fazer com uma facção terrorista e o penúltimo episódio inteiro, só acontecem graças a suas presenças.
Mas por mais bem feito que sejam, essas trocas não escondem do espectador o caráter rotativo que tomou a série de sobressalto. Enquanto ruma para o que parece ser uma grande crítica à guerra ao terror de outros governos (principalmente ao do mandato Bush, responsável pela criação do termo), House of Cards parece decidida neste quarto ano a abandonar de vez a realidade fantasiosa e a crítica política calcada na atualidade para mergulhar de vez no novelesco, de maneira tão caricatural quanto a elasticidade e a maquiagem no rosto de Kevin Spacey e a assepsia de seus cenários permite. Se o seriado não sair da inércia temática logo, entretanto, tal decisão pode vir a ser bastante danosa a seus próprios caminhos.
Neste campo de substituições pontuais, a mais simbólica de todas talvez esteja representada em Will Conway (Joel Kinnaman), jovem candidato republicano à presidência e maior antagonista dos Underwoods na metade final da temporada. Figura de reposição ao presidente russo Petrov (Lars Mikkelsen) - que mantém o posto de melhor coadjuvante por ser o único a tentar projetar o tema do programa para frente -, ele a esposa Hannah (Dominique McElligott) servem de contraponto interessante aos protagonistas, tanto em sua proposta de serem versões Millennials do casal, dispostos a documentar cada instante de suas vidas nas redes sociais e assim ganhar a tão cobiçada simpatia do povo, como na inversão de valores na comparação de perfil dos dois candidatos - Will servindo como um republicano aos moldes do democrata John F. Kennedy, Frank um democrata de feições e atos similares ao do republicano Nixon. Os melhores momentos desta temporada, respectivamente a "reunião" para decidir o que fazer com uma facção terrorista e o penúltimo episódio inteiro, só acontecem graças a suas presenças.
Mas por mais bem feito que sejam, essas trocas não escondem do espectador o caráter rotativo que tomou a série de sobressalto. Enquanto ruma para o que parece ser uma grande crítica à guerra ao terror de outros governos (principalmente ao do mandato Bush, responsável pela criação do termo), House of Cards parece decidida neste quarto ano a abandonar de vez a realidade fantasiosa e a crítica política calcada na atualidade para mergulhar de vez no novelesco, de maneira tão caricatural quanto a elasticidade e a maquiagem no rosto de Kevin Spacey e a assepsia de seus cenários permite. Se o seriado não sair da inércia temática logo, entretanto, tal decisão pode vir a ser bastante danosa a seus próprios caminhos.
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