Filme sobre fim do jornalismo retrata transformações com olhar conservador.
Por Pedro Strazza.
É comum no jornalismo a afirmação de que a profissão está morrendo ou já morreu, vítima de uma crise que se instaura no fazer jornalístico e atinge tanto as grandes redações em caráter físico (as demissões em massa, as reduções de equipe) como o processo prático (o advento da internet e das redes sociais, a dinamização e superficialização da sociedade). Existe um grande e extenso debate sobre o tema no meio, que analisa as causas e repercussões disso no meio, mas com certeza pode-se chegar a duas conclusões lógicas e imediatas sobre ela: o jornalismo moderno, conhecido do século XX e propagandeado como ideal de profissão desde sempre, decididamente mudou neste início do XXI, e há quem lamente muito por tal transformação.
No caso de Conspiração e Poder, esse lamento é de início encarado pelo diretor e roteirista James Vanderbilt com um ar de nostalgia, abordando o exercício da profissão e suas ferramentas com todo o ar solene de quem respeita e admira aquilo tudo. A adaptação do livro de Mary Mapes sobre a investigação realizada por ela e sua equipe do 60 Minutes sobre a carreira militar do ex-presidente George W. Bush em meio às eleições presidenciais de 2004 (que concederam a reeleição ao republicano), porém, vai muito além da predisposição ao plano-detalhe no teclado da edição de vídeo e no telefone, quase todos concentrados no primeiro ato do longa.
Pois se o filme parece no começo se bastar em fazer reverência ao jornalismo moderno, aos poucos fica claro que a produção de Vanderbilt está muito mais interessada em trabalhar esse contexto de mudança na profissão do que em postá-la em um pedestal inalcançável. Esse foco do cineasta, como é típico de estreia de roteirista na posição de diretor, se faz perceptível principalmente nos diálogos exercidos por seus personagens, que em alguns momentos da narrativa denotam ou uma insatisfação com os rumos do meio - "O jornalismo de hoje é só copiar a manchete do outro" diz o coronel interpretado por Dennis Quaid em meio a uma comemoração - ou de orgulho de pertencer a um dos bastiões remanescentes desse jornalismo "tradicional" - em determinado momento, a própria protagonista Mapes (Cate Blanchett) afirma categoricamente ser "o padrão de referência" da profissão -, mas também se manifesta com sutileza nos planos, que na geometrização exploram uma separação da equipe protagonista das outras.
Esse isolamento da equipe comandada por Mapes e Dan Rather (Robert Redford), mais tarde utilizado pelo longa para aprofundar os ataques realizados à matéria produzida por eles, serve ao diretor também como a ferramenta perfeita para evidenciar a situação de acuamento que vive o jornalismo atual, tornando possível a ele passear pelo panorama geral da coisa sem contudo precisar concentrar esforços em uma ou duas. Da manipulação de poder envolvida no controle midiático ao machismo social que é passado para as redes (e rende uma ótima cena com a protagonista lendo comentários de ódio à sua pessoa na internet), Conspiração e Poder ilustra todos os problemas midiáticos e profissionais que atingem o meio com alguma sagacidade, e pinta no processo o retrato da rivalidade entre o jornalismo moderno e contemporâneo sem consagrar o primeiro em detrimento do outro. Vanderbilt é esperto em reconhecer aqui tanto a inevitabilidade da passagem do tempo como as qualidades e defeitos de ambos pelo impacto na sociedade, situando a discussão nas disputas de poder posteriores que pelo processo jornalístico em si.
Claro que o filme não deixa de mostrar certa solenidade com o jornalismo que pauta sua temática, até porque no fim seu compromisso é com essa "morte" do fazer jornalístico do qual o espectador está habituado, centrada na figura mitológica de Rather e sua derrocada moral no meio. Mas este olhar conservador sobre os fatos, de mostrar algum nível de recusa com o novo (a internet do longa ainda é só comentários de ódio, afinal), traz também um grau de aceitação sobre o desfecho inevitável de sua trajetória, em uma simultaneidade curiosa e reflexo da realidade que retrata. Se não um rito cerimonial a uma geração envelhecida e aos poucos desvanecida no passado, o enfático "Coragem" dito pelo personagem de Redford no fim de seu último programa é uma motivação a uma mais nova e que encara um cenário mais complexo para desempenhar sua função, e Vanderbilt entende isso muito bem.
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