Zack Snyder trabalha dois heróis em narrativa grandiloquente.
Por Pedro Strazza.
Duas figuras que desde sempre são consideradas como maiores representantes dos quadrinhos de super-herói, Batman e Superman são personagens que conseguiram se tornar em entidades mitológicas da cultura popular e globalizada. De origens trágicas e habilidades sobre-humanas, os dois heróis trazem no âmago de seu ser um perfil que ao mesmo tempo os aproxima (a sensação de culpa com o passado, o drama de inadequação) e distancia (a mentalidade perturbada, o dilema messiânico) de seu público, que junto de sua eterna missão com o bem acaba por elevá-los ao posto de ideais, deuses aos quais os homens buscam se espelhar para serem melhores.
É uma relação complexa esta, difícil de ser traduzida mas inevitavelmente necessária quando levada a qualquer mídia que busque retratá-los. E se sozinhos essa tarefa já é complicada, juntos ela é quase impossível de ser executada com satisfatoriedade plena no espaço de uma página ou uma tela. No caso de Batman vs Superman - A Origem da Justiça, que ainda carrega o pesado fardo de ser o primeiro no cinema a tratar dos dois em um mesmo filme, essa problemática ganha contornos interessantes nas mãos do diretor Zack Snyder, que para bem e para mal entende essa ligação deus-homem e está sempre disposto a trabalhá-las em suas narrativas com todo o tom grandiloquente que lhe é possível.
A solução encontrada por Snyder para tornar esse encontro palpável aos olhos do espectador e fácil de se lidar, aqui, é o da problematização, de colocar as duas lendas em destaque sob status de crise com o próprio eu e, consequentemente, com sua relação com o mundo. Porque apesar de ser na superfície um filme que se dedica a explorar e debater os eventos finais de destruição generalizada de O Homem de Aço, colocando em questão o papel do Superman (Henry Cavill) na sociedade, Batman vs Superman traz como principal conflito tanto a relação dos dois protagonistas quanto de seus dilemas existenciais, promovidos pela dificuldade dos dois em aceitar seu papel como ídolos do povo ao qual dedicam a proteger.
Mas se o antecessor acabava alienado na própria questão, graças ao esforço desnecessário de buscar uma ressignificação atual ao mito em foco, a sequência entende e executa o caráter atemporal de seus objetos de estudo. Das câmera lentas e planos detalhes que destacam o caráter iconográfico de seus dois protagonistas - o movimento da capa vermelha, o batrangue fincado na parede, a reencenação da morte dos pais de Bruce Wayne (Ben Affleck) - à própria estrutura narrativa, que assume para si quase uma identificação onírica com suas diversas passagens de sonhos e delírios, Snyder parece mais confortável em tratar seus deuses pelo que são, não deixando margem para dúvidas de seu caráter mitológico ainda que eles encontrem-se em dúvida sobre si mesmos. Até a conotação de Superman com Jesus, do qual o cineasta adotava como principal para O Homem de Aço, soa melhor encaixada, principalmente na Pietà desenvolvida pelo diretor lá para o fim do terceiro ato.
Qual o cerne, então, de tamanha crise pessoal dos dois heróis? O roteiro de Chris Terrio e David S. Goyer não arrisca muito nesse ponto, mantendo inalterado os arcos de redenção típicos que caracterizaram os dois personagens em outros filmes: Se Superman agoniza mais uma vez com seu lugar no mundo, típico do mito que busca a humanidade, Batman tem no trauma da morte - seja esta a dos pais ou, agora, dos funcionários - o seu principal combustível para manter-se em perpétua amargura e recusa de se assumir como ídolo. No fundo, o conflito dos dois é movido por Snyder e seus roteiristas como forma de uma busca interior de ambos em se reconhecer pelo que são, e o longa sabe elaborar isso de maneira progressiva e que chegue a um clímax bastante funcional.
Pois se Batman e Superman na história não conseguem sozinhos resolver seus dilemas, juntos eles alcançam esse objetivo por se reconhecerem na figura do outro. Nesse momento, o resgate da coincidência do nome de suas mães (Martha) como maneira de resolver a briga dos dois, que a princípio pode soar como uma resolução piegas, serve para igualar os dois mitos, seja em seus dramas ou caminhos traçados até ali. É aí que Snyder, Terrio e Goyer efetivamente abordam a temática que se propõem a realizar com eficácia soberba, materializando em cena os deuses humanos que retratam.
O filme é inteligente em tratar tamanha estrutura com a grandiloquência necessária, mas também sagaz em manter as coisas em perspectiva. Além de usar o humor para pontualmente relembrar o ridículo do que apresenta ("Eu sou amigo de seu filho"/"Reconheci pela capa"), Batman vs Superman também não esquece de estabelecer o outro lado dessa relação homem-mito, elegendo Lex Luthor (Jesse Eisenberg) como o terceiro ponto do triângulo ao qual a história se constrói. Luthor é o responsável por mover as peças do tabuleiro e a trama em si, trabalhando como o homem dedicado a derrubar os mitos e substituí-los e assumindo o contraponto necessário à narrativa, que precisa de algum equilíbrio com a realidade para funcionar.
Apesar de todo esse cenário e discussão serem elaborados por Batman vs Superman com elegância, falta ao longa um pouco mais de foco, perdida muitas vezes com imediatismos desnecessários e relacionados ao universo que Snyder e a Warner pretendem estabelecer à partir destes personagens. Mesmo que seja bem situado na narrativa e não encolha quando se torna centro das atenções, é perceptível o quanto a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) - de certa forma o mito conformado com sua posição - soa fora da narrativa, ainda mais por desempenhar uma função que a bem da verdade não consegue encaixar de fato na história e não esconde a sua real intenção.
Ainda com alguns problemas na escalada para o conflito final do longa (e que termina em uma solução pouco satisfatória em relação à proposta original), A Origem da Justiça talvez desabe conforme tente buscar se encaixar em uma estrutura maior, prendendo-se em compromissos e fan services que decididamente não tem tempo para cumprir com. Mas como encontro de dois gigantes, confronto de seres mitológicos ou, enfim, como Batman vs Superman, o longa demonstra um traquejo fascinante, manuseando duas figuras para obter entre elas um equilíbrio raro e bastante interessante.
Apesar de todo esse cenário e discussão serem elaborados por Batman vs Superman com elegância, falta ao longa um pouco mais de foco, perdida muitas vezes com imediatismos desnecessários e relacionados ao universo que Snyder e a Warner pretendem estabelecer à partir destes personagens. Mesmo que seja bem situado na narrativa e não encolha quando se torna centro das atenções, é perceptível o quanto a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) - de certa forma o mito conformado com sua posição - soa fora da narrativa, ainda mais por desempenhar uma função que a bem da verdade não consegue encaixar de fato na história e não esconde a sua real intenção.
Ainda com alguns problemas na escalada para o conflito final do longa (e que termina em uma solução pouco satisfatória em relação à proposta original), A Origem da Justiça talvez desabe conforme tente buscar se encaixar em uma estrutura maior, prendendo-se em compromissos e fan services que decididamente não tem tempo para cumprir com. Mas como encontro de dois gigantes, confronto de seres mitológicos ou, enfim, como Batman vs Superman, o longa demonstra um traquejo fascinante, manuseando duas figuras para obter entre elas um equilíbrio raro e bastante interessante.
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