Assombrada pelo primeiro ano, série tem dificuldades para continuar a própria história.
Por Pedro Strazza.
É uma mudança sutil, mas bastante vital para todo o modo de funcionamento da série nesse segundo ano, que de início tem em mãos a difícil tarefa de continuar o raciocínio da primeira temporada sem grande parte de suas peças. Com o império secreto de Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) derrubado e no momento fora de combate, os showrunners Doug Petrie e Marco Ramirez - que entram no lugar deixado por Steven DeKnight e o criador Drew Goddard - precisavam cercar a história de Matt Murdock (Charlie Cox) de novos elementos para ao mesmo tempo manter o seriado em destaque e continuar seu debate em cima da figura heroica e em formação do Demolidor.
Entram em cena então as figuras de Frank Castle (Jon Bernthal), o futuro Justiceiro, e Elektra Natchios (Elodie Yung), responsáveis por "elevarem o nível" e "deixarem as coisas mais pesadas" em Hell's Kitchen, como a série bem explicita em alguns diálogos (como os acima) e cenas de seus primeiros quatro episódios, buscando dar cabo de tal meta no restante da temporada. O uso da violência gráfica na narrativa, inclusive, é muito mais exagerado nesse segundo ano, adquirindo um viés quase sádico conforme o seriado se dedica a expor gargantas cortadas e corpos saraivados de tiros (algumas vezes de maneira bem ridícula, como nos slow motions do ataque à reunião de mafiosos irlandeses no primeiro capítulo) sem qualquer motivo maior além de, junto da fotografia ainda mais escura, deixar claro o maior peso de sua história - que, pela aparente lógica de Petrie e Ramirez, traz maior interesse ao programa.
Mas se na primeira temporada Fisk era trabalhado pelos roteiristas de forma a alimentar o conflito de visões sobre o que seria melhor para a cidade onde se passa a história, aqui é notável a hesitação dos mesmos em realizar um processo similar com esses dois novos elementos. Ainda que ora ou outra sejam voltados para sua relação com Murdock, Frank e Elektra nesses treze novos episódios trilham caminhos próprios e quase sem qualquer relação com os da série, muito mais dedicada em estabelecer os caminhos deles que alinhá-los com os seus. O resultado, previsível, é um esvaziamento de conteúdo em Demolidor, que termina preso em arcos pouco ou nada relacionados com sua temática principal.
E como um macaco de circo com dois pratos nas mãos, o seriado dança para entreter, recorrendo a diversos gêneros televisivos para ocupar o vão criado em seu interior. Do drama de tribunal aos épicos de predestinação, a série vai à base da tentativa e erro, testando formatos que possam ou não se encaixar em seus personagens e na história, que oscila constantemente entre a investigação do assassinato da família de Castle e a trama de conspiração envolvendo o Tentáculo. Dessas estruturas, a que talvez melhor funcione acontece no quinto e sexto episódios, quando os roteiristas compõem um triângulo amoroso entre Elektra, Murdock e Karen Page (Deborah Ann Woll) para evocar um pouco do debate sobre justiça para ricos e pobres realizado na primeira temporada, e consegue no processo equilibrar melhor os dois arcos atuais.
O maior problema deste segundo ano, porém, é que tudo é feito pensando apenas no futuro, sem conseguir tirar qualquer proveito das situações elaboradas. Personagens confrontam a relação, são abandonados na narrativa - ou ignorados por completo, como Foggy Nelson (Elden Henson) - e enveredam em monólogos cansados, enquanto a trama da temporada em si dá a impressão de dar voltas e voltas para no fim chegar a lugar nenhum e, paradoxalmente, deixar preparado os alicerces dos próximos capítulos. No fundo, o grande peso que Petrie e Ramirez vendem com tanto esforço soa quase tão falso quanto o plano-sequência do terceiro episódio.
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