Park Chan-wook traz novo olhar sobre relacionamentos lésbicos no cinema.
Por Isabela Faggiani.
Um desafio do cinema lésbico mundial é de fazer um filme que não explore a saída do armário, a auto-descoberta, a puberdade e a morte. Esses são os maiores clichês de qualquer filme que explore o relacionamento entre duas mulheres. E Park Chan-wook conseguiu se livrar de todos eles. Só por isso, A Criada já deveria ser um filme essencial no cinema lésbico.
Um desafio do cinema lésbico mundial é de fazer um filme que não explore a saída do armário, a auto-descoberta, a puberdade e a morte. Esses são os maiores clichês de qualquer filme que explore o relacionamento entre duas mulheres. E Park Chan-wook conseguiu se livrar de todos eles. Só por isso, A Criada já deveria ser um filme essencial no cinema lésbico.
A história se passa na Coreia do Sul dos anos 30 e o filme dura quase três horas. São dois fatores que podem assustar o público geral para longe das telas, mas Chan-wook conseguiu fazer um longa que te prende do primeiro ao último segundo. O filme é dividido em três atos e cada um deles está recheado de novos mistérios e descobertas que deixam o espectador querendo saber cada vez mais das vidas da rica japonesa Hideko e sua criada coreana, Sookee.
Nenhum filme é perfeito, é claro, e, enquanto A Criada foge dos maiores clichês lésbicos, cai em um outro: a fetichização do corpo feminino e do sexo lésbico. Mas, diferentemente de dezenas de outros filmes, a erotização em A Criada tem um propósito e é essencial para a história.
O trailer mostra apenas uma ínfima parte da aventura que é assistir a esse filme e a trama te surpreende a cada reviravolta (e são muitas. Eu parei de contar depois da terceira). Durante os 145 minutos de filme, é possível sentir toda sorte de emoções: da ternura à raiva ao medo.
Para começar, Sookee (Kim Tae-ri) vai à casa de Hideko (Kim Min-hee) para ser sua criada, mas na verdade ela esconde o segredo de que é uma ladra disfarçada que está armando um plano para roubar toda a fortuna da nipônica junto do igualmente mentiroso Conde Fujiwara (Jung-woo Ha). Os planos da garota ficam abalados quando ela se apaixona por sua patroa, mas o espectador nunca sabe se ela decide abandoná-los e confessar seu amor ou ignorar seus sentimentos.
O conde, inclusive, é retratado como sendo um homem mentiroso, arrogante e vaidoso. Em nenhum momento do filme o vemos fazendo algo de positivo. Todas as suas ações são calculadas para o próprio bem. As dele e as do tio de Hideko, Kouzuki (Jo Jin Woong). É de acalentar o coração de qualquer mulher lésbica ver todos os homens do filme serem retratados como pessoas ruins e não como seres bacanas que roubam a cena e que mereciam que as garotas fossem heterossexuais (ou bissexuais) para ficarem com eles, como visto por exemplo no filme de 2010 Minhas Mães e Meu Pai.
Os homens definitivamente não têm vez nessa história, cujas duas personagens principais dividem toda a glória da atenção do público. (Inclusive, Academia, dois papéis principais podem, sim, ser de duas mulheres. Não cometam mais o erro que cometeram com Carol, de colocar uma das atrizes como coadjuvante. Não há como ter parte coadjuvante em uma história centrada no casal).
Esses quatro personagens fecham a trinca principal do filme e todos eles são muito bem construídos, complexos e misteriosos até o último minuto do filme. É quase impossível adivinhar o que acontecerá durante a história. E o que prende no filme é isso: saber qual será a sucessão dos fatos e não descobrir o final por si só. Há toda uma teia de mentiras, segredos e seduções que se fazem necessárias serem descobertas pelo espectador antes de chegar no final.
Não há, por exemplo, como ignorar a obsessão de Kouzuki por seus livros e não querer saber o conteúdo deles, ou os detalhes do plano sórdido de Fujiwara e Sookee. Negligenciar a aparente inocência de Hideko e seu desejo de se matar seria quase como matar o longa em si. Inclusive, uma das cenas mais memoráveis de todo o filme é quando a nipônica tenta se enforcar na mesma árvore em que sua tia se suicidou, mas falha quando Sookee aparece para salvá-la.
A Coreia de antes da guerra é o cenário perfeito para um filme misterioso, envolto em luxúria, paixão, ódio e artimanhas. E se deliciar com cada reviravolta e revelação é uma experiência única que traz à tona a pergunta: “por que esse filme não recebeu nenhuma indicação ao Oscar?”. O roteiro, a fotografia e as atuações estão páreo a páreo com alguns dos melhores do ano.
O longa respira arte e entrega mistério envolto em eroticidade. O romance entre duas mulheres na Ásia dos anos 30 é uma história que não deveria ter sido negligenciada pela Academia ou pelo grande circuito de cinema, que parece só ter olhos para os blockbusters estadunidenses.
Como uma mulher bissexual que procura assistir a todo e qualquer filme de temática lésbica que consigo, digo que A Criada é um dos filmes mais importantes, não apenas desse gênero, mas do ano de 2016. Uma revolução para o cinema lésbico e para o cinema mundial, que deveria abrir mais as portas para filmes como esse.
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