quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Crítica: Resident Evil 6 - O Capítulo Final

"Último" capítulo alimenta narrativa de ação com drama e horror.

Por Pedro Strazza.

Franquia que já passou por todo tipo de transformação interna para paradoxalmente nunca perder a identidade, Resident Evil foi desde o primeiro capítulo fundamentado sob o conceito da simulação. A cruzada de Alice (Milla Jovovich) contra a corporação Umbrella e o apocalipse global mantém do princípio, afinal, a questão do enfrentamento entre o que é natural e fabricado, presos dentro dos verdadeiros labirintos de rato que o diretor e roteirista Paul W.S. Anderson construiu e aprimorou ao longo de quase quinze anos.

O cineasta, vale apontar, sem dúvida tornou a adaptação da série de games homônimos muito intrínseca ao seu nome ao longo do tempo, usando da premissa de infecção zumbi como mera formalidade para aprimorar e desenvolver seu cinema a cada novo capítulo, seja no comando (ele dirigiu quatro dos seis longas) ou somente na escrita (todos os filmes recebem sua assinatura no roteiro). E isto fica bastante claro no sexto e por enquanto derradeiro capítulo da franquia, que não apenas mantém o curso daquilo que Anderson vem apresentando nos últimos anos como também resgata temas, ambientações e até mesmo valores do primeiro filme.

Resident Evil 6 - O Capítulo Final é, afinal, um ápice dentro dos ambientes totalmente controlados onde o cineasta atua com regularidade. Um ápice muito diferente do que foi visto no antecessor, Retribuição (que por levar ao limite o jogo de simulação da série e de seu diretor continua sendo o melhor filme de Resident Evil), mas que preserva a ambição crescente da marca. Nos esforços derradeiros de Alice e seus aliados para evitar o apocalipse final, Anderson multiplica as cenas de corredor tradicionais e retoma o horror como um de seus elementos principais, partindo de cenários muito abertos para aos poucos afunilar seus personagens e o espectador em espaços cada vez mais claustrofóbicos.

Tudo isso envolto na narrativa guiada pela ação que há tempos já é característica dos filmes de seu diretor, que nunca se importou muito com o lado dramatúrgico de suas obras enquanto elaborava seus conflitos pelo confronto físico. Aqui, esta máxima prossegue combinada agora ao terror: por meio de uma montagem arrojada e acelerada, o longa mantém a adrenalina constante em seus sets de ação, traduzindo enfrentamentos entre protagonistas e antagonistas em tiros e pancadaria. Os inúmeros cortes na grande maioria das vezes dão conta de expor a cena e a localização de seus elementos sem fazer o espectador se embaralhar, ainda que uma ou outra vez essa insanidade na movimentação gere fadiga.

O curioso deste sexto capítulo, porém, é o maior interesse sobre o arco de sua protagonista dentro de toda a simulação ao qual ela se insere. Seja pela própria concepção do longa como "o último capítulo" (o título bem indica) ou porque o diretor parece enfim interessado em dar algum sentido à insana jornada da franquia, Resident Evil 6 carrega um flerte com o drama que potencializa sua temática como um todo. Além das respostas que se dão à eterna busca de Alice por sua identidade inverterem por completo as concepções de realidade e fabricação da série, a presença de símbolos e temas religiosos na narrativa - que em alguns momentos transforma o percurso do grupo de sobreviventes pelos corredores em uma espécie de Inferno de Dante horizontal, ainda que o palco final da história, a Colmeia, seja vertical - dá à trama um viés interiorizado inesperado, expressado nas inúmeras e previsíveis reviravoltas do terceiro ato. 

Anderson mantém isso ancorado na ação e no movimento, claro, mas só desta participação dos elementos dramatúrgicos existir - mesmo que seja um pouco inconstante, dado que o viés religioso do roteiro não é lá tão aproveitável como sugere - tornam seu campo virtual e povoado por duplos muito mais palpável e enlouquecedor. Quem denota isso são Alice e o vilanesco Dr. Isaacs (Iain Glen), cujas "imperfeições" corporais e respectivas procuras sangrentas pelo original do outro afim de destruí-lo resultam na inversão mais fascinante promovida por este Capítulo Final e a própria franquia no geral: a perfeição como mal contagioso e o defeituoso como meta a ser alcançada. E se há algo que Anderson faz de chamativo para mexer neste balanço é o de localizar o embate destas duas forças em uma simulação que está sempre repondo e destruindo ambas as partes.

Nota: 7/10

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