Continuação não arrisca e repete história original.
Por Pedro Strazza.
A moral familiar sempre esteve presente em algum nível nas produções da Pixar. Desde o início com Toy Story e Vida de Inseto, o estúdio não esconde que seus filmes, cuja inventividade na contextualização de suas histórias constituem em seu principal atrativo, tem na desagregação seu ponto de partida e na união familiar o seu final feliz, seja por um brinquedo que teme o abandono e termina unido ao motivo de tal anseio ou na formiga que precisa sair de casa e enfrentar o mundo para salvar a colônia que o repele. Essa é a estrutura tradicional de suas obras, em parte uma das grandes responsáveis pelo seu sucesso e consagração com o público.
Em tempos recentes, porém, tal lógica criativa parece desarrumada, afetando sensivelmente o balanço de suas produções mais novas. Talvez à exceção de Divertida Mente (que tem muito a agradecer ao maior aprofundamento psicológico de seus realizadores na trama), os últimos seis filmes do estúdio soam perdidos entre anseios do mercado (Carros 2, Universidade Monstros) e um esgotamento sensível da moral, posta em primeiro e único plano no roteiro de trabalhos como Valente, O Bom Dinossauro e agora de Procurando Dory.
É Procurando Dory inclusive que melhor representa esse momento atual da Pixar ao proporcionar nas telas o casamento das duas causas para seus problemas. Ao mesmo tempo que cumpre com metas econômicas (é uma sequência pedida pelo público há quase 13 anos!), a continuação de Procurando Nemo também prossegue o rumo criativo atual da produtora ao fazer de novo da unidade familiar o motor que avance sua trama - dessa vez, na literal busca por ela.
Passado um ano depois dos eventos do original, o longa escrito por Andrew Stanton, Victoria Strouse e Bob Peterson centraliza suas atenções na antes coadjuvante Dory (Ellen DeGeneres), a adorável e esquecida peixe que agora busca reencontrar seus pais. Ainda que inverta o protagonismo do trio principal - Nemo (Hayden Rolence) e Marlin (Albert Brooks) é que estão atrás da cirurgiã-paleta -, faça flashbacks e envolva um grupo completamente diferente de personagens e espaços, a história da sequência repete no fundo a mesma estrutura do filme de 2003, buscando proporcionar o maior conforto possível ao espectador fã da franquia.
A estratégia segue com o padrão atual das continuações de obras mais velhas, dessa vez com ainda menos espaço para arriscar: Dory, Nemo e Marlin não sofrem alterações substanciais na jornada que seguem, e tampouco parecem aprender alguma grande lição no processo. Essa decisão pelo familiar na narrativa, auxiliada pelo maior interesse do diretor Stanton em destacar a recriação em animação dos cenários marinhos e do aquário (que por sua vez não encantam tanto quanto os de O Bom Dinossauro), seda e restringe a produção de grandes emoções que não seja a nostalgia.
Cabe então aos coadjuvantes exercer as funções vitais do roteiro, carregando com dificuldades o peso de uma responsabilidade ao qual não lhes deveria pertencer. Não à toa, portanto, que o polvo Hank (Ed O'Neill, ator conhecido pelos papéis de patriarca na televisão) ocupe na história uma centralidade inesperada ao ter o desenvolvimento mais claro na narrativa - justamente o arco de socialização, clássico em filmes sobre família - e alívios cômicos como a baleia-branca Bailey (Ty Burrell), a tubarão baleia Destiny (Kaitlin Olson) e as focas Fluke (Idris Elba) e Rudder (Dominic West) acabem atraindo maior atenção que o normal. Mesmo o clímax, que atinge o ápice na queda abstrata de um caminhão no mar, se faz por elementos secundários e como Stanton os usa para criar humor.
Essas medidas funcionam de certa forma para reparar parte dos problemas, até porque as novidades bastam com seu caráter de inédito ao espectador. Elas não impedem, porém, que Procurando Dory se torne em uma experiência superficial e controlada: é agradável rever personagens e situações familiares, mas tão logo termine o filme estas se dissolvem tão rápido na memória quanto comida de peixe em um aquário - um espaço que não por acaso é cenário da continuação.
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