domingo, 24 de julho de 2016

Crítica: A Lenda de Tarzan

Longa retoma origem pulp de Tarzan, mas esquece o viés anacrônico.

Por Pedro Strazza.

É um aspecto comum dos filmes de ação protagonizados por heróis masculinos e musculosos a necessidade constante de reiterar na tela a virilidade de tais homens, verdadeiros machos alfa que com seus feitos salvam o mundo das maiores atrocidades. Essa insistência pode vir de muitas formas (o torso nu é frequente), mas sempre aparece na história para reafirmar o óbvio: tal homem é o cara, ele se difere dos outros, seu perfil é único, sua musculatura é imponente, ele é um colosso provindo da natureza. E apesar de geralmente serem bastante efetivas na entrega da mensagem, tais declarações não deixam de expor uma certa fragilidade emocional, uma fratura nas "armaduras" desses semi-deuses que anuncia em alto bom som a débil fraqueza de precisar manter evidente sua pose.

Em A Lenda de Tarzan, essa rachadura se torna um rombo. Sequência da história conhecida e escrita por Edgar Rice Burroughs, o filme refaz esse processo de afirmação sob um destaque incomum, indo do tradicional aumento progressivo de cenas que exibam o peito e abdômen do ator sueco Alexander Skarsgard na narrativa a momentos dignos do bizarro como o "canto de acasalamento" que o protagonista reproduz para chamar sua esposa Jane (Margot Robbie) ao sexo.

Essas situações, alinhadas a outros pontos característicos de tal reiteração, vem para reforçar o grande plano do diretor David Yates e seus roteiristas Adam Cozad e Craig Brewer de tentar reconduzir o personagem às suas origens pulp, revistas baratas e muito populares no passado que tinham no mistério e exótico seu principal atrativo. Assim, retoma-se na tela os ideais viris típicos de tal literatura para continuar a trajetória de Tarzan (Skarsgard), que agora vive na Londres dos anos 1880 desfrutando de seu título de Lorde Greystoke. Convidado pelo rei da Bélgica para um tour pelas colônias africanas da nação, terra onde cresceu, ele logo se vê no meio de uma armadilha, que o envolve em ter de resgatar sua querida Jane das mãos do vilão León Rom (Christoph Waltz) e salvar a África escravizada dos belgas.

Em conformidade com as fundações de sua adaptação, Yates filma a África sob um ar soturno e ao mesmo tempo extravagante, trabalhando o continente sob os mesmos estereótipos de antigamente para situar os duelos de homem contra a natureza e sociedade que envolvem Tarzan. O herói criado por Burroughs volta aqui a lutar com animais selvagens - dessa vez, gorilas do coletivo que cuidou dele quando criança - apenas para mais uma vez entrar em acordo com estes antes de entrar em combate com a civilização, retratada como a antítese do homem da natureza, culpada de emasculá-lo de toda a sua grandeza. Nesse campo, a posição de Rom oferece a Waltz oportunidades interessantes de trabalhar seu novo antagonista, já que este traz no perfil essa busca do homem moderno por formas de provar sua virilidade por meio do controle da natureza que o cria - e o ator consegue algumas vezes passar essa impressão, principalmente no jantar com Jane e no uso de seu terço como arma.

O que Yates, os roteiristas e a produção não entendem, porém, é que tais valores estão hoje mais do que nunca ultrapassados, e este traço anacrônico concebido no retorno às origens leva A Lenda de Tarzan a um ponto de crise não planejado em sua estrutura. Idolatrado por seus feitos (o personagem de Samuel L. Jackson está ali para lembrar o protagonista e o espectador disso várias e várias vezes), Tarzan acaba submetido no filme a uma verdadeira crise do macho alfa, já que encontra-se castrado de sua virilidade pela civilização e seus costumes, e para contornar isso precisa voltar a entrar em contato com a selva do qual tanto se formava como ícone. Confrontar tribos inimigas, acertar as contas com a "família" e resgatar a mocinha se tornam então em provações, em maneiras de voltar ao antigo status pelos canais de uma natureza cuja primitividade parece oferecer soluções a todos os problemas - Um arco clássico no passado, mas no presente tão ridículo quanto as motivações do líder tribal Mbonga (Djimon Hounsou) para detestar o herói.

Dessa forma, aliado ao pouco espaço dado por Yates ao contexto sócio-político da trama (reduzida a meros mecanismos de roteiro), o longa fica preso no passado que tenta tanto recriar, incapaz de se utilizar dos valores ao qual tanto preza para trazer seu personagem principal ao momento presente. Entre observações ao visual ("seu bigode está desalinhado" diz Jane a León para desestabilizá-lo) e assobios que chamem ao acasalamento, tudo que A Lenda de Tarzan faz evocar é essa imensa delicadeza da imagem de tais heróis másculos do passado.

Nota: 4/10

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