Remake atualiza enredo para consagrar feminino como ícone.
Por Pedro Strazza.
Em sua filmografia recente, Paul Feig vem se destacando por criar comédias que, além de trazerem protagonistas femininas, concebem situações capazes de promover a identificação entre mulheres de diferentes perfis para, depois, as uni-las em meio às dificuldades passadas. Missão Madrinha de Casamento e A Espiã que Sabia de Menos, seus longas de maior sucesso até o momento, são dotados de uma carga feminista bastante interessante, e sua direção tende a um teste de limites que tire comédia disso. Com Caça-Fantasmas, reboot da celebrada comédia de 1984 estrelada por Bill Murray e Harold Ramis, esse "maneirismo" de Feig ganha algumas mudanças, mas não por isso o diretor perde sua qualidade - muito pelo contrário, ele tem seu cinema potencializado a novos caminhos.
São mudanças que se percebem na atualização que Feig e sua co-roteirista Katie Dippold buscam nesta reapresentação da franquia, apesar de a dupla manter em voga o arco de personagem típico dos filmes do cineasta. Substituindo o quarteto masculino por um feminino (Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Leslie Jones e Kate McKinnon, todas reveladas no programa humorístico SNL), o novo Caça-Fantasmas deixa de lado o senso caótico com os estratos sociais e o abismo entre a elite e o povo para tratar do choque contemporâneo de gêneros, um enfrentamento constante do feminismo com os setores mais conservadores da sociedade. O único ponto de convergência entre original e remake, aqui, é a observação crítica e extremamente bem humorada de tais conflitos, com uma inclinação notável a equilibrar a balança.
No caso da nova versão, esse conflito se estabelece bastante na iconografia de seus personagens e elementos. Mas ao contrário de outros recentes novos capítulos a franquias antigas, que usam disso pelo viés da nostalgia de maneira escancarada e seguem pelo caminho mais fácil e já conhecido do público (Jurassic World, Star Wars - O Despertar da Força, O Exterminador do Futuro - Gênesis, Independence Day - O Ressurgimento), o filme, ainda que continue essa tradição de reverenciar com alguma efusividade o passado - as pontas e referências ao elenco original são muito bem alinhadas às necessidades do roteiro, mas às vezes não deixam de soar gratuitas em seu destaque - prefere trabalhar tal valor imagético pelo exercício da desconstrução, bastante utilizado dentro do gênero da comédia.
Dessa forma, Feig tem em mãos um cenário conhecido e ao mesmo tempo não explorado: Suas protagonistas de novo encaram ambientes que não as reconhecem e que tentam as separar a todo custo, mas sua resolução não se dá por meio do choque de tipos - não há um desentendimento entre as partes envolvidas, afinal. Partindo de perfis visuais universais, Erin Gilbert (Wiig), Abby Yates (McCarthy), Patty Tolan (Jones) e Jillian Holtzmann (McKinnon) seguem unidas em uma jornada de consagração como ícones, heróis femininos em um mundo dominado por homens arrogantes, que no longa são retratados ou de grandes imbecis, a exemplo do prefeito interpretado por Andy Garcia e o hilário assistente da equipe Kevin (Chris Hemsworth, cada vez melhor em papéis cômicos), ou homens assustadores, como o professor Filmore (Charles Dance) e o vilão Rowan North (Neil Casey). Este último inclusive possui todas as características conhecidas do conhecido machão moderno e antagonista ao gênero oposto: fraco, infantil e, como a trama bem define em certo momento, com cara de quem fica em casa o dia inteiro na internet.
O humor do filme surge, então, desses inevitáveis confrontos do cenário. Ao contrário dos outros trabalhos, Feig não mantém um ritmo frenético constante de gags ou leva seus personagens a extremos (a escatologia é controlada), mas direciona seus conceitos de comédia à essa afirmação de gênero da equipe do qual elas obtém a glória. Enquanto dá espaço ao elenco e trabalha com piadas físicas (o laser no saco do inimigo é um belo de um ápice dentro dessa linha), ele também se arrisca na ação, orquestrando planos que escondam (com sucesso ou não) sua inexperiência com o gênero ao materializar o empoderamento de suas protagonistas - não à toa, o longa duas vezes realiza um recuo de câmera que apresenta o momento em que o grupo liga suas armas, uma imagem que sozinha demonstra o poder contido dentro das quatro mulheres.
A força de Caça-Fantasmas mora justamente nesse processo. Pela imagem que coloca suas protagonistas em posições heroicas e a centralidade da temática feminista, Feig e seu quarteto promovem uma obra inspiradora, que tem em seus alicerces a valorização de ideais atuais e fundamentais a uma sociedade em plena transformação. O filme a bem da verdade funciona pela admiração, e a comprovação máxima de sua eficácia é o momento no terceiro ato em que Holtzmann - talvez um dos elementos mais importantes sob esse ângulo - enfrenta sozinha e com um par de pistolas criadas por ela um grupo de fantasmas, derrotando-os um a um com as poses e a imponência das quais tem direito e com naturalidade reivindica para si. O filme de 1984 não poderia estar mais distante e orgulhoso.
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