quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O Cinema em 2015: Destaques do Ano

Quinze filmes que surpreenderam ou trouxeram boas ideias à sétima arte em 2015.

Por Pedro Strazza.


O ano está acabando, e com ele vem as intermináveis listas, rankings e retrospectivas que se dispõem a relembrar o que aconteceu de bom e ruim nesses últimos 365 dias. E quando o assunto é cinema, essa noção polarizada sobre os eventos ocorridos na mais recente volta do planeta Terra em torno do Sol tendem a ser reforçadas, com os famosos melhores e piores filmes do ano.

No caso do O Nerd Contra Ataca, opta-se também por criar uma terceira via, que se encarregue de dar o merecido destaque a alguns dos filmes que estão no meio desse caminho. Afinal, entre o céu e o inferno existe uma verdadeira lista telefônica de obras cinematográficas, e muita destas mostraram seu valor mesmo não estando no elenco estrelado deste 2015 ao mesmo tempo tão legal e tão chato.

É com orgulho, então, que apresento-lhes a lista de Destaques do Ano 2015, que conta com nada menos que 15 filmes muito bacanas e que tem entre si a semelhança de terem marcado presença no calendário de estreias de nosso circuito comercial de exibição. Uma regra bastante simples, claro, mas capaz de englobar com satisfação quaisquer tipo de obras lançadas nesse período.

Em ordem alfabética, vamos a eles:

  • Adeus à Linguagem

Embora já tenha chocado o mundo cinematográfico incontáveis vezes com filmes que buscam questionar e desconstruir a linguagem da sétima arte e hoje em dia seja mais lembrado pelas eternas discussões "Truffaut ou Godard?" dos cinéfilos mais letrados, Jean-Luc Godard provou mais uma vez sua habilidade em se renovar e de encontrar novas maneiras de chocar seu espectador. Com Adeus à Linguagem, sua primeira experiência com o 3D, o diretor de Acossado e Alphaville leva a tecnologia a extremos fascinantes no mesmo passo que se aprofunda na relação do fazer artístico com a imagem, aqui esgotada até o talo. E se o diálogo executado parece ser extremamente complicado, o espectador mais leigo encontra algum respiro nas experiências de Godard, como a inesquecível cena de separação das duas perspectivas que formam a tridimensionalidade de sua cena.

Lento e eficaz, a estreia da peruana Joanna Lombardi em longa-metragens encontra seus melhores momentos na curiosa dinâmica que estabelece aos poucos na narrativa. Inteiro situado dentro da propriedade de uma senhora de idade prestes a se tornar bisavó, Casadentro é funcional na maneira como se aproveita da presença de quatro gerações de uma família para discutir tanto as graduais mudanças do papel da mulher na sociedade como em evidenciar o quão atribuído ainda está o gênero feminino à manutenção do lar. De quebra, Lombardi consegue encaixar aqui e ali uma análise do papel da empregada doméstica, aqui em estado permanente na sociedade.

Corrente do Mal soa a princípio como terror lúdico em essência, com suas regras inquebráveis e personagens em fuga de uma criatura aparentemente invisível. Dito isso, é surpreendente como o diretor e roteirista David Robert Mitchell tira de seu conto peculiar e sem época definida (isso ou uma utopia hipster, visto que existem celulares multitoque e personagens que adoram ver filmes antigos em suas TVs de tubo) uma análise interessante dos EUA pós-crise econômica, em eterna pagamento dos pecados cometidos no passado e ansiosa por fazer seus desejos virarem realidade a qualquer custo. Além disso, o filme é feliz em suas escolhas mais técnicas, como a fotografia aberta e de uma paleta de cores pastelizadas, bem de encontro aos gostos do estadunidense aborrecido dos subúrbios.

E tem também a trilha sonora de Disasterpeace, que com seus sintetizadores é fácil uma das melhores do ano.

Disposto a retratar o nascimento, crescimento e estabelecimento da house music no cenário eletrônico da música, Eden é uma obra que por vezes consegue transcender sua missão original para entregar algo a mais. Nas raves e baladas underground que introduz, o filme de Mia Hansen-Løve também deixa claro ao espectador o estado de espírito da geração de jovens que se enveredaram neste mundo sem contudo tornar explícito o seu moralismo sob os fatos. Em meio às dificuldades e tragédias, essa juventude inconsequente (como todas as outras, a bem da verdade) tinha como único objetivo alcançar a catarse máxima de suas sensações, por meio de batidas e gingados que hoje imperam no cenário da música pop mainstream.

No ano em que os filmes de espionagem se acumularam nas salas de cinema, chega a ser fascinante que um dos melhores exemplares do subgênero desse ano tenha sido uma comédia de escárnio puro. Dirigido por Paul Feig, A Espiã que Sabia de Menos acaba com tudo e todos, em um esforço claro de desconstruir os valores masculinos do mundo ao qual se insere. E se Jude Law e Jason Statham, arquétipos clássicos dos espiões em voga nos dias de hoje, são os alvos maiores do escrutínio realizado, Melissa McCarthy se ergue como uma heroína, rejeitada pela sociedade mas pronta para salvar o mundo de seus próprios pecados.

Road movie musical simples, Frank se destaca em seus detalhes. Ancorado por uma ótima atuação de Michael Fassbender, o protagonista e seus hábitos incomuns são desenvolvidos e explorados de pouco em pouco no filme dirigido por Lenny Abrahamson, que com muito cuidado se aprofunda na personalidade do vocalista dos Soronprfbs para construí-lo com a sensibilidade que merece. Elaborado dessa maneira, o clímax final da obra, que faz a volta por cima de Frank em clima de vitória pessoal, é fácil umas das cenas mais belas que vi no ano, levando o emocional da coisa a uma catarse tímida porém bastante recompensadora.

O que, no fim, é a alma do filme indie.

Mesmo que se renda a todos os grandes clichês e tremeliques desse imenso subgênero que se tornou o found footage, A Forca funciona na maneira como insere seu assassino no ambiente em que se passa a história. O banho de sangue proporcionado pelo fantasma de Charlie, afinal, serve como homenagem interessante às tragédias shakeasperianas imerso no slasher movie típico, resultando em uma mistura curiosa que se torna física na figura ameaçadora do corpulento espírito encapuzado. Charlie está ali para matar não somente por motivos de vingança como também para cumprir com as funções de seu papel que nunca foi interpretado até o fim, e isso é... surpreendente.

É uma questão de proporção: enquanto todo o subgênero dos filmes de super-heróis parece cada vez mais preocupado em realizar espetáculos maiores e mais complexos (vide o último Vingadores e os vindouros Batman vs Superman - A Origem da Justiça e Capitão América - Guerra Civil), a primeira incursão do Homem-Formiga nos cinemas fez o contrário. O mundo não está exatamente em perigo aqui, e o diretor Peyton Reed aproveita disso para situar um inesperado e bem vindo drama de pai e filha. Falta fôlego para assumir de fato o filme de assalto? Com certeza, mas nesse ato de diminuição existe uma importante lição ainda a ser aprendida.

Animação stop-motion francesa situada em locações reais, Minúsculos exibe uma delicadeza deliciosa. Como grande parte dos filmes que usam da técnica, o longa exibe cuidado primoroso para contar em silêncio sua fábula de amizade e cooperação entre uma formiga e uma joaninha e um conflito entre dois formigueiros. As soluções encontradas para avançar a narrativa e fazer o espectador se envolver com a história obtém resultados felizes, dando fluidez a uma história que em outras mãos provavelmente não encontraria tanta sorte.

Primeiro filme de Noah Baumbach que não necessariamente olha o ato de crescer como algo ruim (e inclusive debocha de quem pensa assim), Mistress America é outro filme que alcança bons momentos do encontro de gerações que proporciona. No caso, de duas bem próximas: Pela história de duas mulheres tornadas irmãs por acaso, o longa relaciona as "distantes" gerações Y e Z de maneira madura e sem preconceitos, mostrando que ambas as partes no fundo tem os mesmos desejos e medos. A entrada na fase adulta torna-se um meio para a jornada de marcar seu nome no mundo, tenha você nascido antes ou depois do advento das novas tecnologias.

Já faz algum tempo que Jaume Collet-Serra vem acertando a mão em filmes pequenos, de puro ludismo e com algum contexto interessante como Sem Escalas, mas é em Noite Sem Fim que o cineasta espanhol mostrou até aqui o seu melhor jogo. É neste filme de gato-e-rato pelas ruas de Nova York que ele tira uma noção de obsolência do líder patriarcal na família contemporânea, ao mesmo tempo que fornece sets de ação bem trabalhados e de imensa agilidade. A figura do homem macho continua a prevalecer  na hora de fazer a proteção de seus entes mais próximos e queridos, porém sem a mesma moral de tempos antigos - e Noite Sem Fim se aproveita bastante disso.

  • Para o Outro Lado

É deveras curioso que um filme sobre morte e luto alcance momentos genuinamente belos, principalmente quando estes parecem fazer uma celebração da vida. Em Para o Outro Lado, o diretor japonês Kiyoshi Kurosawa faz de um road movie fantástico -a história de uma mulher que acompanha o espírito do marido falecido em uma visita aos lugares que ele foi depois de abandoná-la - um conjunto de metáforas belas, que culminam em cenas tocantes como o de uma mãe que ouve a filha morta tocar piano uma última vez ou do contraste de uma casa abandonada com o seu passado tão iluminado pela presença única de um ser humano. A jornada para o litoral do título em inglês (Journey to the Shore) é na verdade uma jornada de libertação, uma que finalmente nos faça libertar das amarras do passado doloroso.

  • O Presente

Em sua estreia na direção de longa-metragens, Joel Edgerton mostra estar em pleno domínio da função com um suspense muito bem trabalhado e ambientado. Das estranhas aparições e presentes de um vizinho a um casal que se mudou recentemente para os subúrbios, O Presente evolui com velocidade para um drama de maternidade e abuso de relações, sem contudo apelar para soluções fáceis ou incoerentes. E Edgerton se beneficia de ter... bom, Joel Edgerton no papel do maníaco, que incorpora com tranquilidade os trejeitos esquisitos necessários.

Se em Casadentro a noção de mãe e filho era tido como algo geracional, em Que Horas Ela Volta? isso é tratado em um espaço de classes. Exemplo claro de schadenfreude, o filme dirigido por Anna Muylaert sabe se utilizar da comédia e do viés social para dar profundidade e emoção à história, situada em um contexto político único na História do país. E não bastasse isso, o longa também se beneficia de uma atuação sensível de Regina Casé, que incorpora com precisão esse delicado equilíbrio do filme entre humor e drama.

Ainda que a elegia com as Torres Gêmeas seja inevitável em A Travessia, a ficcionalização da performance artística empreendida por Philippe Petit entre os prédios sabe muito bem como aproveitar disso para direcioná-la a seus objetivos. O filme dirigido por Robert Zemeckis torna-se então num retrato de uma situação que evidencia o quão poderoso o ser humano pode ser em seu esforço de tornar vivo uma construção de puro aço, usando da arte como um meio interessante a esse propósito.

E para uma pessoa que tem medo de altura como eu, é inegável que o espetáculo proporcionado pela travessia em si, com seus planos de pura acrofobia, gere um bônus de pura angústia e tensão em um terceiro ato bastante eficaz.

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