Montagem cinematográfica se perde nos anseios da própria proposta.
Por Pedro Strazza.
É meio inevitável que do princípio Macbeth - Ambição e Guerra seja comparado à versão de Hamlet dirigida por Franco Zeffirelli. Além de transporem na íntegra o texto de William Shakespeare para o cinema, as duas produções prezam pela reverência às obras do dramaturgo inglês, em um misto de celebração à atemporalidade de suas peças e de uma tentativa de engrandecimento à figura dos atores escolhidos para viver esses eternos personagens.
O que diferencia os dois filmes, porém, é que enquanto Zeffirelli mostrava-se disposto a preservar os valores teatrais de Hamlet, tornando visível no lado técnico o lado de fábula da tragédia sem descambar para o caricato (os figurinos luxuoso mas sem exageros, a fotografia sem grandes experimentações) em uma curiosa demonstração de sobriedade, o Macbeth do australiano Justin Kurzel abre maiores concessões. O diretor abusa da estilização na imagem e no som, disposto a tornar a história sobre corrupção do poder em uma experiência sensorial das mais angustiantes.
De início, é uma estratégia que parece funcionar. Da trilha sonora à base de tambores de Jed Kurzel (irmão de Justin) à fotografia que não se intimida em assumir o filtro de Instagram, o longa consegue no começo circundar a encenação da tragédia em algo menos pautado pelo texto e mais pelas ações. Mas aqui e ali, em câmera lentas ou aceleradas, que o filme começa a demonstrar o desgaste de sua proposta.
Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é que os excessos de Kurzel não conseguem se conectar com a sua necessidade de ambientar a trama em um espectro realista, clara como água nas decisões de figurino e design de produção. A ação brutal dos poucos conflitos mostrados, por exemplo, perde toda a crueza intendida nos closes de câmera e slow motions, que visam uma maior plasticidade dos conflitos. É o tipo de choque não planejado que atrapalha a desenvoltura gráfica da obra e, no fim, a faz naufragar.
O outro problema é que a proposta de Ambição e Guerra se perde no encaixe com o material original, que não por acaso funciona primordialmente pela força de suas palavras. As vontades artísticas de Kurzel em nada contribuem para tornar o discurso da obra sobre o poder em algo mais substancial comparada a seu uso solitário, e a bem da verdade desviam o foco desse lado tão importante à peça. Em consequência, embora façam o esforço extra de proferir o texto de Shakespeare com o zelo dos atores consagrado que são, as performances de Michael Fassbender e Marion Cotillard se perdem em meio às trucagens técnicas do longa no mesmo passo que Sean Harris e (principalmente) Elizabeth Debicki são desperdiçados no elenco coadjuvante.
No fundo, esta versão de Macbeth vem para provar o quão importante é que se dê protagonismo para os diálogos das peças de Shakeaspeare em tais montagens cinematográficas. Os arroubos de Kurzel, além de se tornarem progressivamente em exibicionismo puro, acabam por servir mais para evidenciar os pontos superficiais mais ultrapassados da obra, como a configuração das personagens femininas em mero troféu ou tentação, e menos como forma de glorificar os seus valores, de mostrar o porquê deles serem tão eternos assim.
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