Terceiro ano se divide entre duas vertentes e diminui força da série
Por Pedro Strazza
Com o formato americano de se fazer série - normalmente 24 episódios de no máximo 50 minutos - dominando a televisão e seu público, é admirável que um seriado inglês como Sherlock tenha angariado uma audiência tão grande a ponto de ser eleito o programa televisivo do gênero com maior público da BBC em dez anos. Adotando a incomum programação de temporadas espaçadas com três episódios de até 1h30 de duração cada, a série embarcou, em 2010, na difícil tarefa de trazer o detetive mais famoso de todos os tempos para os dias atuais sem desrespeitar a obra clássica de Sir Arthur Conan Doyle - e acertou com tudo esse objetivo.
Ao longo de suas duas primeiras temporadas, Sherlock soube muito bem atualizar seus personagens, aproveitando-se de uma edição afiada e de um elenco bastante funcional, e chegou a um ápice poderoso no season-finale de seu segundo ano. Afinal, o episódio da "morte" de Sherlock Holmes, The Reichenbach Fall, mostrou todo o potencial dos roteiristas Mark Gatiss, Steven Moffat e Stephen Thompson, que deixaram um gancho perfeito para a terceira temporada, bastante aguardada pelo público desde então.
A altíssima expectativa dos fãs foi o maior dos problemas da série nesta terceira passagem pela televisão, pois os problemas para a equipe criativa eram vários: Como manter o nível da série? Como fazer uma temporada tão boa quanto a segunda? Como superar um episódio tão poderoso? E, pior, como explicar a sobrevida de Sherlock Holmes após seu suicídio heroico?
Um começo mediano
[A partir daqui, SPOILERS sobre a terceira temporada de Sherlock]
Essa última, pelo menos, foi bem encaminhada já em The Empty Hearse, o capítulo inaugural dessa nova temporada. Preferindo não mostrar o que realmente aconteceu, o trio de roteiristas soube muito bem brincar com o evento, fazendo de vários personagens uma espécie de avatar do público na história, questionando a todo momento o que aconteceu de fato naquele momento. Até os fãs estão bem representados ali, na forma de um fã-clube do detetive bastante intrigado com seu falecimento. Além disso, o episódio acerta ao explorar as reações de diversos amigos de Sherlock (Benedict Cumberbatch) a seu retorno - Principalmente John Watson (Martin Freeman), o fiel companheiro que agora está prestes a se casar com a bela Mary (Amanda Abbington).
O maior foco nos acontecimentos da temporada passada, entretanto, custaram a The Empty Hearse uma história mais interessante, o que prejudicou seriamente o início do terceiro ano - e o roteiro de Mark Gatiss. É facilmente perceptível, em vários momentos do episódio, o quão indeciso está o diretor Jeremy Lovering em fixar sua atenção ou no relacionamento de Sherlock com Watson e outros ou no "caso da semana", que envolve aqui uma rede de terrorismo em Londres. E como ele não se decide, os dois lados do roteiro caem no ridículo em questão de segundos. O clímax do capítulo é o maior exemplo dessa falha, pois ele é literalmente pausado em prol de um interlúdio desnecessário.
Pausa para as bodas
Em todas as temporadas de Sherlock, o segundo episódio se apresenta quase que completamente desconexo dos eventos de uma suposta "história principal". E no terceiro ano isso não é diferente, pois The Sign of Three deixa de lado um pequeno gancho do primeiro episódio para mostrar o casamento de John e Mary Watson, além de suas preparações.
Ao contrário de The Empty Hearse, a trama deste segundo capítulo - desenvolvida agora por Thompson - já é bastante focada no lado mais interpessoal da série, pois é nele que o espectador tem a oportunidade de assistir como Sherlock enxerga seu melhor amigo ao ser escolhido por Watson para ser o padrinho do casório. Essa análise do detetive se faz através de pequenas histórias contadas por ele durante seu discurso na festa, sob uma tônica mais cômica - incluindo aí uma vergonhosa bebedeira.
Nesse ponto, as atuações se fazem amplamente necessárias, e o elenco novamente faz um bom trabalho (assim como em todo o resto da temporada). Além de Cumberbatch e Freeman, a dupla protagonista, as personagens de Una Stubbs (a simpática Ms. Hudson) e Amanda Abbington se destacam aqui com maior relevância. Esta última, inclusive, consegue em vários momentos se destacar em sua estréia na série, principalmente no terceiro episódio, onde é amplamente exigida.
Mas de novo o capítulo precisa de um caso, e eis que o maior defeito de The Sign of Three aparece. Mesmo não sendo necessário, Thompson resolve unir todos os contos ditos por Sherlock e transformar aquilo tudo em um complô para matar um amigo oficial de Watson no casamento, forçando assim o limite do bom-senso e quebrando o clima mais leve do roteiro.
Tensão e resoluções mal-feitas
Nada, porém, era mais esperado da temporada do que o seu season-finale. Dessa vez, a audiência aguardava mais uma vez dos criadores um encerramento tão brilhante como os do primeiro e segundo anos, além de um novo gancho poderoso para a quarta temporada. Só que havia um pequeno problema: Moriarty (Andrew Scott), o grande nêmesis de Sherlock Holmes, tinha se suicidado no último episódio da segunda temporada, e portanto faltava um inimigo poderoso a ser combatido.
A solução dada por Moffat foi criar em His Last Vow um antagonista completamente diferente do enlouquecido professor, mas com o mesmo - ou até maior - nível de perigo. Assim, entra em cena o diabólico e frio empresário Charles Magnussen (Lars Mikkelsen, espetacular), um homem detentor de inúmeros segredos das mais variadas figuras-chave do poder mundial e que usa destes para chantageá-las, capaz até de incutir medo em Sherlock - e de longe a melhor novidade da temporada.
Paralelamente a esse inimigo, o roteiro também desenvolve com competência a revelação do passado de Mary e as consequências disso para o casal. Moffat soube tratar da situação de conflito entre os dois sem muitos clichês, elaborando ainda mais uma análise do emocional de John. A melhor cena da temporada, inclusive, sai desse plot, no momento em que Sherlock leva um tiro de Mary e usa rapidamente de seu cérebro para sobreviver da melhor maneira possível à bala e seu impacto - auxiliado mais uma vez da maravilhosa edição e fotografia da produção.
Essas duas situações, porém, perdem força na reta final do episódio, que começa a se atrapalhar em várias reviravoltas e acaba tornando as duas linhas narrativas irrelevantes para a continuidade da série. Além do reatamento óbvio do casal, Moffat tira de Magnussen qualquer periculosidade ao mostrar que o vilão não possuía nenhum documento real que comprova-se seus segredos, e todo a apresentação de um novo antagonista para o seriado é jogado fora - Não é à toa, então, que Sherlock o tenha matado.
Bastante diferente das outras temporadas, o terceiro ano acabou se perdendo ao se dividir entre o foco emocional novo e o aventuresco tradicional da série, e não privilegiar apenas uma dessas. O retorno de Moriarty e a chegada do bebê do casal Watson talvez possa mudar esse panorama recém-adquirido, mas só acontecerão na vindoura quarta temporada. Sherlock está sim em seu auge comercial, mas de qualidade deixou muita a desejar dessa vez.
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