Filme francês reúne a luta contra a homofobia com o empoderamento através da arte.
Por Letícia Dauer.
Um jovem ruivo de olhos claros com traços femininos se analisa em frente ao espelho, penteia as sobrancelhas com uma pequena escova e dá um suspiro, antes de fazer um breve alongamento. Com o peso de uma vida nas costas, Martin Clement (Finnegan Oldfield), nascido Marvin Bijou, parece se preparar para correr uma maratona e realmente está. Em um teatro lotado, ele apresenta um monólogo sobre sua difícil e sofrida infância.
Marvin, o novo filme de Anne Fontaine - que também dirigiu Coco antes de Chanel - discute as nuances da homofobia a partir da história do pequeno Marvin, criado dentro de uma conservadora comunidade no interior da França. A narrativa não é cronológica e linear, por isso é construída alternando períodos da infância e da juventude do protagonista, quando estudava em um conservatório de teatro.
No decorrer da infância, Marvin sofreu múltiplas violências por diferentes instituições. Tanto na escola quanto em casa, sentia-se como um verdadeiro forasteiro e fugitivo. No ambiente escolar, já era rotina ser perseguido e agredido por colegas por mais que tentasse ser invisível. Enquanto no seio familiar, nunca encontrou de fato um lar. Os pais negligenciavam, ou talvez apenas ignorassem por vergonha e ignorância, a homofobia que o filho sofria.
O pai Dany (Grégory Gadebois), no longa metragem, representa o desejo de seguir a norma, nesse caso a heteronormatividade, e banir aquele que é considerado diferente como o filho. A completa solidão e falta de identificação com o meio em que vive induzem Marvin a tentar se normatizar; ele até se relaciona com uma garota durante a puberdade. Como Marvin tem traços e comportamentos julgados femininos, ele também tenta performar a masculinidade para ser aceito pela comunidade.
Na sociedade patriarcal, a masculinidade é inerente a violência que é uma demonstração de poder, por isso mesmo sendo vítima de violência, Marvin passa a reproduzi-la em menor escala contra outra minoria, as mulheres. Apresentando um comportamento bruto, por exemplo, há uma cena em que Marvin, enquanto bebe cerveja, xinga uma vizinha de “gorda” e “vagabunda” por reclamar da algazarra que ele e os amigos estão fazendo em frente a sua casa.
Durante o processo de aceitação de sua orientação sexual, o teatro é o grande instrumento usado para externar seu sofrimento e para se redescobrir. Essa jornada só é possível com a ajuda de três mentores: a diretora do ensino médio Madeleine Clément (Catherine Mouchet) que lhe apresenta o teatro, o artista homossexual Abel Pinto (Vincent Macaigne) que é modelo e inspiração e a atriz Isabelle Huppert e lhe ajuda a concretizar a peça.
O roteiro de Pierre Trividic e Anne Fontaine explora com êxito as dificuldades em se desconstruir a homofobia e a intersecção com outras opressões. Apesar da família de Marvin viver sob uma cultura conservadora e ignorante, o enredo não peca pelo viés naturalista e apresenta certo otimismo. Dany, no final, consegue reconhecer a identidade do filho e chega a questioná-lo se um dia irá se casar.
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