domingo, 22 de janeiro de 2017

Crítica: Manchester à Beira-Mar

Kenneth Lonergan aproveita muito bem seu elenco para perpetuar filme pautado pela dor.

Por Pedro Strazza.

Embora a história só vá esclarecer o porquê do filme ser tão concentrado neste sentimento na altura da primeira hora, a fotografia de Manchester à Beira-Mar desde seu primeiro momento anuncia ao espectador que a dor funcionará como principal linha de condução aos eventos mostrados. Os planos fechados de Jody Lee Lipes, que filmam a rotina do zelador Lee Chandler (Casey Affleck) em mais um dia de trabalho entre corredores, quartos e banheiros muito estreitos, antecipam o clima quase claustrofóbico do longa de Kenneth Lonergan, cuja proposta aqui é de adentrar neste cenário de extrema solidão ao qual seu protagonista parece ter erguido para si.

Para isso, o longa se divide em dois momentos de tempo distintos. Enquanto no presente acompanha-se os movimentos de Lee na volta a sua cidade natal, Manchester-by-the-Sea, para cuidar dos preparativos do funeral de seu recém-falecido irmão Joe (Kyle Chandler) e do destino do sobrinho Patrick (Lucas Hedges), no passado o roteiro aos poucos revela os motivos que levaram o faz-tudo para longe do local, mostrando as origens das crises de relacionamento que ele teve com sua família e a ex-esposa Randi (Michelle Williams). O filme alterna entre estes dois períodos não no esforço de contrapô-los ou de evidenciar o mistério que naturalmente se faz em torno da figura de Lee, mas como forma de trabalhar a relação fraternal que é central à trama.

Pois embora Lonergan a princípio se concentre na questão do porquê do protagonista se isolar de forma tão abrupta dos amigos e familiares, seu foco está na verdade nas relações de sangue que impedem Lee de se lançar ao ostracismo ao qual se auto-impõe. Não à toa, os relacionamentos do personagem com o irmão e o sobrinho são fundamentais ao roteiro: se Joe aos poucos desaparece na narrativa pela doença e depois a morte, o destino de Patrick é o grande MacGuffin da trama e de seu "eremita", que não apenas é forçado a se reconectar com a comunidade ao qual estava inserido como também é obrigado pelo falecido a ter que dar uma base sólida ao garoto para que este possa crescer sem danos maiores.

Se Lee será capaz de superar o trauma - posteriormente revelado como o da falência familiar, gerada de maneira acidental e sinistra por suas próprias mãos - e aceitar o retorno oferecido por Joe em sua morte é a dúvida a ser carregada até o fim do longa, que ademais é bem direto na sua proposta. Lonergan é sagaz de alternar o drama de seus personagens com um humor negro de situação, aproveitando a aparente dificuldade do protagonista de se comunicar tanto para gerar risos e dar peso à história na mesma medida. A cumplicidade que sem pressa se forma entre tio e sobrinho é o elemento que dá sustentação a tudo isso, com o diretor usando a seu favor a proximidade dos processos de perda aos quais ambos se submetem sem nunca chegar a compará-los propriamente - um erro natural mas óbvio, dado que o único ponto de encontro da dor dos dois é o luto.

O que potencializa o drama de Manchester à Beira-Mar, porém, é a percepção do diretor sobre as capacidades de seu elenco e nas maneiras que ele é capaz de direcionar seus atores e atrizes a seus fins. Conforme a trama avança, o filme aos poucos dissemina a dor sentida pelo protagonista ao resto de seu mundo, perpetuando a mesma sensação de confinamento em lugares muito fechados a pessoas que passam pelo mesmo processo no intuito de evidenciar suas reações. Nesse ponto, Lonergan mostra ter em mãos um filme de atuação dos mais férteis, dando espaço para trabalhos muito contidos - Gretchen Mol e Kyle Chandler - quanto expansivos - Hedges e Williams, cuja participação final na história põe pra fora de forma explosiva todo o sofrimento levado em silêncio pelos outros - em tempos muito curtos.

E se em todo o filme de atuação há alguém que se destaque, em Manchester esta posição é obviamente ocupada por Affleck, cujo silêncio e postura mórbida não somente revelam um homem em constante lamento por seus arrependimentos como também um indivíduo condenado a carregar a imagem da tragédia em seu semblante. Quando Patrick vai de encontro ao tio para descobrir que seu pai morreu, aquele que está na entrada do ringue de hóquei não é Lee Chandler, mas o anjo da morte em carne, osso e eterno calvário.

Nota: 8/10

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