Mel Gibson retoma moral cristã para reafirmar valores nacionalistas.
Por Pedro Strazza.
Além de ser o primeiro filme que Mel Gibson dirige em dez anos e o responsável por conduzir o polêmico cineasta de volta ao circuito de Hollywood, Até o Último Homem é também mais um filme de guerra contemporâneo que enfoca o nacionalismo militar estadunidense em tempos de crise. Mesmo que seja uma história ambientada na Segunda Guerra Mundial, a história do soldado Desmond Doss traz à tona a crise de valores que o gênero passa nos dias de hoje tal qual os recentes Sniper Americano, 13 Horas - Os Soldados Secretos de Benghazi, Corações de Ferro e tantos outros fizeram nos últimos três anos.
Mas enquanto seus contemporâneos tratam esta temática sob a ótica da desconstrução, de forma a enfraquecer a visão nacionalista do país mesmo em tramas que a princípio elevam este espírito (uma contradição das mais curiosas, vale sempre ressaltar), Gibson opta por cortar caminho e usar da problematização para reafirmar a força destes valores. O conto de Doss, afinal, carrega esta narrativa na veia: jovem cristão adventista que se recusava a pegar em armas, ele foi o primeiro objetor de consciência na História dos Estados Unidos a ser condecorado com a Medalha de Honra do Congresso.
O longa então se estabelece em três atos bastante discerníveis um do outro: se no primeiro o espectador é apresentado a Doss (Andrew Garfield) e às origens de sua crença pacifista pela figura do pai (Hugo Weaving), típico veterano de guerra traumatizado, o segundo se pauta todo no conflito passado no campo de treinamento entre o protagonista e o Exército, restando ao último a consagração do personagem na guerra. O verdadeiro martírio passado por Desmond para servir seu país - que envolve desde uma violência na infância e entre seus colegas da infantaria até a privação de seu casamento com a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer) - é muito semelhante ao que Gibson realizou anos atrás com Jesus em A Paixão de Cristo, filme de resultados quase masoquistas frente ao sofrimento enquadrado, mas aqui a determinação do soldado em ajudar os companheiros e mesmo os inimigos ajuda a atenuar a sede por violência que é característica do cinema do diretor desde sempre.
Essa "contenção" do cineasta - que está mais para uma atenuação, pois o banho de sangue e tripas no clímax final impede o filme de chegar a esse status - também ocorre porque Até o Último Homem busca tirar da ideologia cristã e pacífica de seu protagonista um ideal que refresque as concepções de luta por um país em essência protestante. É justo esta confrontação religiosa que silenciosamente dá o tom das cenas no acampamento, onde Doss apanha muito de seus superiores para conseguir ir à guerra, e um pouco menos na batalha pela colina Hacksaw do título, cujo mapeamento visual da geografia do local revela quase um Olimpo de destruição, morte e horror a ser salvo pela crença. Gibson é esperto de manter este viés da narrativa minimizado para evitar a obra de conversão careta, mas só de estar presente ela dá às ações do protagonista e às dificuldades que ele passa uma carga dramática maior.
Mas a crença também ajuda a cegar o diretor no relato que realiza, ainda mais em uma obra cujo objetivo central é o de consagrar o indivíduo sob a imagem heroica clássica (algo confirmado sem surpresa no final documental do longa). Pois se Gibson busca retrabalhar o nacionalismo estadunidense sob uma ótica cristã, a ausência de um questionamento de valores entre seus personagens retoma os pontos negativos dos filmes de guerra dos anos 50 e 60 na mesma medida que promove seus positivos, algo que por consequência torna a produção um pouco presa demais ao passado. Isso é revelado nas concepções dos soldados ao redor do protagonista, que nunca passam por crises de consciência ou chegam ao trauma de fato - Hollywood (Luke Pegler) é o único a aspirar esta posição no meio das explosões do conflito, mas rapidamente se recupera e mostra a mesma fé pelo país. E isso inclui os japoneses, reduzidos a inimigos a serem combatidos pelas armas e, depois, pela tarefa cristã e conciliadora do médico.
O que garante ao filme o seu funcionamento mesmo é o trabalho do elenco, principalmente na entrega de Garfield para viver Doss e seu arco de sofrimento. Se em outros trabalhos Gibson se provou eficaz no erguimento solitário de mártires bem estruturados (seja o seu William Wallace de Coração Valente ou o Jesus Cristo de A Paixão de Cristo), em Até o Último Homem ele mantém esta tendência ao dar bastante foco ao trabalho de seu ator central enquanto sinaliza mudanças em seu cinema ao oferecer maior espaço aos coadjuvantes de Vince Vaughn (cujo sargento Howell emula muito bem o Sargento Hartman de Nascido Para Matar quando precisa), Sam Worthington e Luke Bracey. São três atores no geral medianos, mas que aqui estão surpreendentemente muito bem no apoio ao trabalho de Garfield, que aproveita a oportunidade e o perfil do papel para legitimar na tela o esforço descomunal tomado por Doss para superar o inferno e salvar a todos.
1 comentários :
Não sou muito fã das historias de drama, mas este filme é realmente extraordinário. Quando leio que um filme será baseado em fatos reais, automaticamente chama a minha atenção, adoro ver como os adaptam para a tela grande, acho que são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito de o filme Até o último homem não conhecia a história e realmente gostei. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia, achei um filme ideal para se divertir e descansar do louco ritmo da semana.
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