sábado, 9 de abril de 2016

Crítica: Rua Cloverfield, 10

Continuação se consagra na consciência e equilíbrio de sua estrutura.

Por Pedro Strazza.

Dos poucos paralelos que podem ser traçados entre Cloverfield: Monstro e esta sua sequência Rua Cloverfield, 10, o que talvez melhor se sobressaia no desenrolar dos eventos do segundo é a similaridade de ambos na maneira como estabelecem o horror a ser enfrentado pelos personagens. Mesmo que sejam completamente diferentes em estrutura, narrativa e até proposta, os dois filmes tem no âmago de suas histórias a busca pela resposta de uma pergunta hipotética e também bastante realista: quando tudo for pelos ares e o mundo que conhece cair em chamas, para onde o indivíduo irá recorrer? Em qual instituição social ele irá se apoiar para manter a sua ordem intacta?

É a partir deste ponto que as duas obras tomam caminhos distintos, pois enquanto que no longa de 2008 a questão era tratada sob o ponto de vista do relacionamento - com duas pessoas procurando reunir o amigo com seu amor não consumado em meio ao caos de uma invasão avassaladora de um monstro à cidade de Nova York como forma de reparar a própria perda de seus parceiros - a continuação a trabalha pela temática familiar, ou, pelo menos, da fabricação desta em tempos de crise. A característica fundamental para o segundo Cloverfield se diferenciar do primeiro, porém, está na forma como ele se aproveita desta temática para a narrativa, desenvolvendo um simples mas difícil jogo de paranoia à partir do momento em que a protagonista Michelle (Mary Elizabeth Winstead) acorda presa em um dos quartos do bunker construído por Howard (John Goodman).

Desde sempre tão vital aos filmes de câmara do qual Rua Cloverfield, 10 pertence, essa paranoia é elaborada pelo diretor Dan Trachtenberg tanto pelo que ocorre no lado de dentro do confinamento, com a figura misteriosa do dono do bunker servindo de guia para as reviravoltas do roteiro de Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, como pelo lado de fora, à partir do momento que quebra com parte das expectativas de Michelle - e, por consequência, do espectador - sobre a farsa de toda a situação na qual ela está inserida. Esse alinhamento de incertezas entre público e protagonista sobre o ambiente, inclusive, é o que guia o longa a todo instante, e aposta nas viradas de trama como alicerce principal da narrativa.

Essa estratégia tem tudo para dar errado, até porque o mecanismo da reviravolta precisa de um pré-estabelecimento de certezas (neste caso concentrada em todo o primeiro ato) e perde o valor se aplicada seguidas vezes, mas acaba por dar certo na produção de Trachtenberg por dois motivos. O primeiro é a presença de Chazelle, bastante conhecido por seu celebrado debute como diretor em Whiplash e cuja habilidade quase natural em dinamizar roteiros encaixa muito bem aos propósitos do filme.

O segundo, e mais importante, é a consciência do diretor do delicado equilíbrio do suspense exercido aqui, e a maneira como ele a põe pra trabalhar a seu favor.

Gerado pela paranoia dupla, esse suspense ganha contornos interessantes conforme as peças são postas e o longa revela os fatos. A tensão de Rua Cloverfield, 10 funciona primordialmente nessa construção familiar imposta por Howard a Michelle e Emmett (John Gallagher Jr.) - que rende momentos interessantes quando a filha do dono do bunker é mencionada ou a fotografia de Jeff Cutter enquadra os três personagens junto das plaquinhas "Lar doce lar" espalhadas pelo ambiente -, mas ela não se restringe ao tema e nem soa atrapalhada quando se envereda por outros assuntos, como o comentário da mulher no gênero construída na relação sequestrador-sequestrado e que encontra ótimos momentos no terço final da produção.

Enquanto isso, o filme encontra outra base firme no espaço natural que fornece a seu elenco, muito maior em relação ao primeiro capítulo graças ao aspecto mais ortodoxo da produção. Ainda que não consiga exibir a mesma noção harmônica em suas conexões - são poucos os momentos em que a relação entre Howard e Michelle consegue englobar Emmett de fato -, o trio protagonista é capaz de executar seus papéis sem maiores restrições e de maneira a contribuir para o andamento do suspense, com a produção mantendo seus campos de atuação sempre livres. Quem melhor se aproveita disso, claro, é Goodman, graças ao perfil cômico e assustador de seu papel, mas Gallagher Jr. e Winstead (que aproveita maravilhosamente bem o suave arco de crescimento vivido por sua personagem) também encontram ótimos momentos na evolução da história.

É no clímax, entretanto, que Rua Cloverfield, 10 melhor demonstra sua percepção e manuseio com o equilíbrio estabelecido. Nas confirmações e negações das afirmações feitas, Trachtenberg passeia com elegância no desespero de Michelle com a consumação dos fatos, materializando as duas paranoias costuradas na narrativa de forma orgânica e capaz de tornar ambas aceitáveis a seu espectador sem que estas se anulem entre si. Este lá e cá de suspense, que vai de interior a exterior sem perder o ritmo, é junto da legitimação do caráter antológico da série a principal contribuição do diretor à franquia Cloverfield e ao gênero como um todo.

Nota: 8/10

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