A ponto de desabar, sequência acaba funcionando em seus pontos secundários.
Por Pedro Strazza.
Enquanto continuação, é interessante perceber a maneira como O Caçador e a Rainha de Gelo busca se distanciar visualmente do antecessor Branca de Neve e o Caçador, ainda que preserve em suas temáticas a centralidade de questões femininas. Se o longa de 2012 mostrava dedicação incomum em adaptar o célebre conto de fadas dos Irmãos Grimm ao imaginário medieval com um pé no fantástico, o segundo capítulo aqui parece inverter a ordem de importância, abraçando com maior entusiasmo na narrativa o lado mágico para deixar a realidade ao texto da trama que ao mesmo tempo serve de prelúdio e sequência ao original.
É uma diferença de tom que talvez aconteça pelo caráter claramente submisso de ambos os filmes às épocas ao qual se inserem como blockbusters - o primeiro no fim da onda de adaptações mais interessadas na estética sóbria e de viés realista, o segundo na agora emergente leva de produções mais coloridas e que voltam a assumir algum nível de despretensão -, mas ela também é determinante para auxiliar o estreante Cedric Nicolas-Troyan em seus esforços de dar autonomia à aventura protagonizada pelo antes coadjuvante Eric (Chris Hemsworth), o Caçador que serve de ponte entre os títulos das obras. Junto dos roteiristas Evan Spiliotopoulos e Craig Mazin, o diretor se empenha em deixar palpável o grau de separação que sua produção tem da anterior, mas tem à frente uma tarefa muito mais difícil e bastante incomum ao recém-formado subgênero de versões live-action de histórias infantis: criar um novo conto de fadas a partir de um já conhecido.
Se Nicolas-Troyan reconhece o peso dessa missão é o verdadeiro enigma do filme, que na construção de sua trama se complica ainda mais ao reafirmar o caráter adulto de seus temas em uma história estabelecida como para crianças. Pois se no visual e na ação o longa se faz mais leve e acessível às gerações mais jovens, O Caçador e a Rainha de Gelo traz no enredo uma variedade de temas que no fundo só são melhor compreendidos pelos mais velhos, como a maternidade (o drama da Rainha Freya, interpretada por Emily Blunt com alguma distância, em superar a morte do filho) e o casamento (a dificuldade da guerreira Sara de Jessica Chastain em voltar a amar o marido). É um paradoxo narrativo deveras esquizofrênico, lidado com nenhuma habilidade pelo roteiro e que ora ou outra funciona sem qualquer fundamento lógico, o que talvez confira algum charme à produção pela sua bizarrice nata.
O problema maior, entretanto, não é o disparate entre temática e público, mas sim a estrutura esboçada por Spiliotopoulos e Mazin para conceber a obra como conto de fadas, que não consegue encontrar em Eric o protagonista ingênuo clássico de tais histórias. A dupla experimenta na trama imbuir o Caçador de uma fé inabalável sobre a durabilidade do amor e Hemsworth disfarça imprimindo na atuação um ar mais relaxado, mas é evidente no roteiro como o personagem não carrega a vocação para liderar uma história do gênero, até porque ele traz em seu âmago uma identificação de virilidade que não conversa com tais valores característicos de inocência. Sem esse elemento central, não demora muito para toda a construção começar a ruir.
O fascinante de O Caçador e a Rainha de Gelo, porém, é que mesmo sem esse pilar tão fundamental sua estrutura não chega a desabar, graças aos pontos secundários que cria de maneira colateral na narrativa. Mesmo que não seja planejado como tal, o ar descontraído trabalhado por Nicolas-Troyan, seja no humor das duas anãs interpretadas com charme por Sheridan Smith e Alexandra Roach ou nos excessos de atuação milimetricamente planejados por Charlize Theron (ainda mais à vontade em seu retorno à rainha Ravenna), é o que no fim providencia ao filme seus melhores momentos.
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