segunda-feira, 11 de abril de 2016

Crítica: Mais Forte que Bombas

Em mosaico desencontrado, Joachim Trier retrata as dores da construção da imagem.

Por Pedro Strazza.

Mais Forte que Bombas parte de uma contradição: Logo depois de confraternizar com a esposa o nascimento do filho na maternidade, o jovem acadêmico Jonah (Jesse Eisenberg) encontra por coincidência nos corredores do mesmo hospital a ex-namorada Erin (Rachel Brosnahan), que lamenta a morte da mãe. Após receber suas condolências, ela questiona Jonah sobre o porquê dele estar no local, e ele, ao invés de revelar as boas notícias sobre sua família, mente uma resposta vaga e que subentende uma condição de saúde precária de seu cônjuge.

Questões de educação à parte, esta introdução para o terceiro longa-metragem de Joachim Trier é um prenúncio à história que se seguirá, tanto em seu caráter de confrontação quanto do próprio disfarce ao qual o roteiro se submete a princípio. Porque apesar de se estabelecer na superfície como um drama de luto, pelo acompanhamento das vidas de Jonah, seu irmão Conrad (Devin Druid) e o pai Gene (Gabriel Byrne) nos meses após a morte da mãe, esposa e fotógrafa Isabelle (Isabelle Huppert), Trier aqui está muito mais interessado na construção da imagem que cerca esses personagens, em seus esforços para manter intactas as representações que tem de si mesmos e dos próximos.

É um tema que se delineia aos poucos na narrativa da obra, elaborada na forma de um filme mosaico desencontrado para despistar o espectador desta. Nas várias mídias apresentadas - os auto-retratos, os avatares do jogo - à mudança de perspectiva realizada logo no início (e que também revela o próprio julgamento que o espectador faz em cima dos personagens), Trier trabalha com parcimônia, dedicado a estabelecer os dramas vividos por seus três protagonistas em cima de uma fatalidade (a morte súbita de Isabelle) e suas consequentes revelações - as reais circunstâncias do falecimento, o caso extraconjugal - para depois colocar em rota de crise as imagens em voga de cada um sobre os outros e si mesmo.

Tal crise, que nunca chega a ser uma desconstrução no roteiro, traz reverberações interessantes a Mais Forte que Bombas e os arcos vividos por seus personagens, que ora ou outra podem soar rasos ou clichê mas nunca se deixam afetar por isso. O choque do que a mãe era com as lembranças formadas por seus filhos e marido permite ao diretor que trabalhe a temática em um espaço no qual abrigue sua complexidade e também seu lado mais humano, e Trier o aproveita para explorá-lo sob diversos pontos de vista. O coming of age de Conrad soa tolo e as recusas de Jonah e Gene em assumir suas novas responsabilidades não escapam da infantilidade, mas apenas porque o longa os usa como base para entender as fundações dessa representação ao invés de efetivamente seguir por estas como condutor de seu retrato.

É uma decisão que custa caro, mas fornece o necessário para que o filme se sustente. Dos momentos que cria - em especial naqueles protagonizados por Conrad e ancorados por suas conversas com o irmão - Trier manifesta a relação entre indivíduo e imagem nas mais diferentes formas, conectando-a bem ao mosaico desencontrado que estrutura sua narrativa e torna ainda mais pungente a dor envolvida nesta. Isabelle, nesse contexto, serve como ponto central do processo de evidenciação, mas também passa por ele mesmo depois de morta por possuir uma identificação neste estado a ser desfeita.

Não há dúvidas que a metodologia do cineasta dinamarquês ainda precisa de refino (até porque o filme no fim não consegue chegar a algum lugar concreto), mas nesta sua terceira incursão em longas o diretor e roteirista demonstra ser capaz de tratar e combinar temas difíceis de maneira palatável ao espectador. E isso fica claro não somente no dilema principal da narrativa, mas em um secundário, quando Conrad tem sua atração platônica pela colega Melanie (Ruby Jerins) desfeita em uma mijada na rua, na madrugada de um pós-festa.

Nota: 7/10

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