sábado, 5 de maio de 2018

Crítica: Gringo - Vivo ou Morto

Preso a uma lógica contraditória, comédia de erros se perde no próprio retrato regional que realiza.

Por Pedro Strazza.

Se o sucesso de um subgênero é garantido à partir do momento em que passa a ser executado sob o procedimento mais convencional da repetição de seus gestos e signos, o screwball de humor negro já chegou à consumação final de sua trajetória dentro do cinema estadunidense. Popularizado nos anos 90 por cineastas como os irmãos Coen e Quentin Tarantino, este tipo de comédia já foi tido no passado como item de subversão, mas com o passar dos anos sedimentou-se de tal maneira no imaginário cinematográfico que aos poucos encontrou seu espaço dentro do circuito mais prestigiado do próprio sistema do qual nutria aversão. Seus realizadores mais conhecidos foram incorporados ao mainstream, e por mais que sua crueza e humor ácido não tenham sido abandonados esta produção hoje é encarada com muito mais bons olhos por parte do grande público e a crítica, que abraçaram com intensidade toda e qualquer viés de retrato social do qual o gênero aprendeu a nutrir como maior ambição.

Sob este olhar, não chega a ser uma grande surpresa que produções como Três Anúncios Para um Crime e este Gringo - Vivo ou Morto carreguem entre si uma semelhança notável e difícil de ser ignorada. Os cenários abordados podem ser distintos, mas no fundo as duas produções carregam um mesmo processo de repetição de arquétipos e estruturas típicas de um gênero muito familiar ao espectador e que é utilizado por seus diretores para tentar se estabelecer dentro de um mercado que lhe é estrangeiro. No fundo, a grande diferença é a origem destes dois cineastas e, por consequência, o cinema em que cresceram: enquanto Martin McDonagh veio da Irlanda, Nash Edgerton nasceu na Austrália.

É uma questão de regionalismo muito simples, mas que faz toda a diferença para que os dois filmes consigam soar distintos o suficiente entre si, mesmo não sendo de fato. Se McDonagh realizava o screwball a partir da violência de caráter tribal e do sarcasmo que são típicos da produção irlandesa, o longa de Edgerton tem na ironia irreverente e tipicamente australiana o seu principal combustível para se aventurar pelo subgênero, contando todos os percalços rocambolescos de sua história com altas cargas de humor negro no intuito de desarmar o peso das situações mostradas. O local e o contexto onde a trama se passa, afinal, tem nada de tranquilo, situando-se nas rixas recém-exponenciadas na fronteira do México com os Estados Unidos para narrar uma série de negociações e sequestros embolados e centrados na figura de Harold (David Oyelowo), um executivo prestes a ser demitido da empresa farmacêutica no qual trabalha que é confundido pela máfia mexicana como responsável pelas operações ilegais realizadas por seus superiores (Joel Edgerton e Charlize Theron).

A premissa sugere e tenta se fazer em cima da comédia de erros que são os múltiplos trambiques executados por todos os personagens envolvidos - que variam da dicotomia entre criminosos mexicanos e executivos americanos mesquinhos para figuras menos polarizadas como a de um mercenário em busca de redenção (Sharlto Copley) e a da namorada inocente (Amanda Seyfried) - mas conforme Edgerton vai mostrando claras dificuldades para administrar as viradas sucessivas do roteiro de Anthony Tambakis e Matthew Stone o longa acaba preso à mesma situação de inadequação e incongruência situacional de Três Anúncios, incapaz de abordar ou mesmo reconhecer o retrato que tenta construir destas relações de fronteira tão frágeis do período Trump.

Não ajuda muito também que a comédia mais irônica proposta por Gringo desarme constantemente a obra de qualquer pretensão em simultâneo a este procedimento ambicioso, uma lógica disforme cujas grandes vítimas acabam sendo as atuações do elenco. Todos os atores parecem à deriva nas caricaturas aos quais são forçados a se adequar, desde Theron e sua performance um tanto desgastada de mulher alpinista (cujas maiores habilidades envolvem, claro, a beleza e o sexo) a participações menores como a de Thandie Newton, ótima atriz reduzida aqui a um papel de esposa-troféu quase terciário. Mesmo os atores em teoria com maior espaço para desenvolver a aparente complexidade de seus personagens - como Oyelowo, Edgerton ou Copley - parecem restritos a um comentário irônico sobre relações de trabalho declarado pelo diretor, que repete chavões do meio empresarial em busca de um momento de compreensão superior que nunca chega a acontecer de fato na história.

Proporcionar o "olhar de fora" nunca deixou de ser uma operação muito bem vinda ao cinema, e há diversos casos de diretores imigrantes lendo o cenário "estrangeiro" de uma forma única e capaz de avançar o debate que comprovam o quão benéfico estas intersecções podem ser a uma produção regional. No caso específico de Gringo, o problema não está neste ato de Edgerton em tentar se adequar em terreno diferente de sua origem, mas sim no caráter vazio com o qual este busca cumprir com seu objetivo. Com todas as suas pretensões fracassadas, o filme (bem como seu realizador) termina um tanto reduzido a seu modo de operação idiossincrático, nesta tentativa um tanto constrangedora de conciliar narrativas regionais em busca de qualquer traço de originalidade para ancorar toda a sua estrutura.

Nota: 3/10

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