Nossos comentários sobre algumas das estreias das últimas semanas.
Por Pedro Strazza.
- Antes que Tudo Desapareça
Os filmes de Kiyoshi Kurosawa quase sempre partem de um entendimento muito sóbrio e desgostoso da humanidade, então chega a ser uma surpresa quando alguma de suas obras busca o exato contrário. Este é o caso de Antes que Tudo Desapareça, sua produção mais recente que surge como um olhar analítico bem-humorado de algumas das deficiências mais graves do psicológico social e que resulta em uma mensagem de otimismo muito distinta na carreira do cineasta japonês.
Tudo isso acontece com base em outro de seus exercícios de mesclagem de gêneros, com o diretor estabelecendo-se de início na ficção-científica para depois ir arriscando trazer elementos da comédia e - mais timidamente - da ação. A trama, que acompanha um pequeno grupo de alienígenas em sua missão de apreender o máximo de conhecimento sobre os humanos antes de uma grande invasão à Terra, pode ser muito direta em sua abordagem e jogo de simbolismos (toda vez que os aliens sugam os valores que procuram de suas "vítimas", elas começam a agir desprovidas do peso emocional daquele conceito), uma frontalidade que nem sempre Kurosawa é capaz de abarcar como deveria e que acaba desprovendo a narrativa de um formalismo melhor apurado ou talvez prestigiado. É uma explicação, pelo menos, para a sensação de cafonice que permeia grande parte das escolhas tomadas pelo filme, seja no roteiro que se resolve em mais um final pautado sobre o "poder do amor" ou na estética sem graça, uma característica que soa tão anômala ao cineasta mesmo ele não sendo famoso por isso.
Há muito do que gostar em meio a todos estes entraves, porém. Ao contrário de O Segredo da Câmara Escura - uma aventura atrapalhada do diretor pelas estruturas do horror do cinema francês - Antes que Tudo Desapareça encontra força nos momentos que mostra a operação dos aliens, seja pelo valor imediato da comédia (a cena do chefe virando criança depois de "perder" o conceito de trabalho é hilária) ou na carga emocional que traz nesta busca pela real identidade da condição humana. Fica o lamento, porém, da ausência do uso desta objetividade usada por Kurosawa para fortalecer a coesão geral do filme e impulsionar esta mensagem final na intersecção de gêneros.
- Com Amor, Simon
Representação é um valor do cinema que nos dias de hoje se tornou mais do que fundamental, mas ao mesmo tempo em que há muito a se explorar e se beneficiar de suas vantagens o tema também oferece uma gama própria de desafios criativos que podem se converter em problemas narrativos. Não é de propósito, mas Com Amor, Simon acaba por ilustrar muito bem esta questão. De certa forma a primeira grande comédia romântica adolescente de estúdio que tem um personagem gay como protagonista, o filme de Greg Berlanti sabe como se aproveitar do ato representativo que serve para impulsionar sua trama de coming of age açucarada, mas a partir do ponto em que precisa lidar com questões um pouco mais complexas ele parece se perder em uma espiral de resoluções apressadas e que tentam não prejudicar sua estrutura central, representada na investigação de Simon (Nick Robinson) para descobrir seu correspondente virtual anônimo.
Antes de mais nada, é válido apontar que todo este arco principal de auto-afirmação da própria identidade traçado pelo garoto na história funciona em seus fins de relação com o espectador, mesmo que limitado em todas as convenções normativas ao qual se submete - estamos falando de um protagonista que começa a história ganhando um carro de presente, afinal. O que não funciona, pelo menos não como deveria, é tudo que cerca este desenvolvimento de Simon: com a exceção dos pais (que estão envolvidos em caráter direto a esta "saída do armário"), todos os personagens coadjuvantes tem sua participação neste processo reduzida ao essencial do ponto de vista central, uma medida que quebra com o esforço do filme de mostrar o quão natural é se descobrir gay dentro da sociedade. Do menino que descobre o segredo de Simon e passa a chantageá-lo à melhor amiga que nutre por ele uma paixão secreta, todas estas relações são trabalhadas de forma a antes aumentar o peso dramático da situação que contribuírem para uma maior complexidade emocional em torno do protagonista dentro do núcleo que habita, uma noção que se sente mais quando o longa tenta sem sucesso fazer o personagem principal reconhecer o dilema de outro - seja este o da amiga de pais divorciados ou mesmo da que nutre uma paixão secreta por ele.
Talvez pela afinidade da própria temática, os problemas narrativos de Com Amor, Simon acabam criando um diálogo até que muito evidente com Me Chame Pelo Seu Nome, outro coming of age de forte atração ao público que fez passagem recente pelo circuito comercial brasileiro e também encontrava seus maiores entraves nos círculos externos a seus protagonistas. Mas enquanto que o filme de Luca Guadagnino era capaz de tornar o caráter vago de seus coadjuvantes em ferramenta para sua proposta sensorial, o apoio da direção de Berlanti no texto torna seu longa refém da própria narrativa, incapaz de resolver seus tropeços, um resultado estranho se considerar que a origem do diretor está ligada ao público adolescente graças às séries que toca no the CW.
- De Encontro com a Vida
A premissa de De Encontro com a Vida é simples: o alemão de pais imigrantes Saliya (Kostja Ullmann) tem como sonho perseguir a carreira de hotelaria, mas por conta de um doença genética acaba perdendo 95% da visão no fim de sua época no colégio. O jovem, porém, não deixa de acreditar que é possível trabalhar no ramo e resolve esconder sua cegueira para poder estagiar em um prestigiado hotel de Munique para provar que sua condição não lhe serve de obstáculo.
É à partir desta busca por adequação que o longa do alemão Marc Rothemund se envereda por uma narrativa típica das comédias românticas mais leves, uma que não só busca tornar mais fácil a história difícil e baseada em fatos reais como também torna a jornada do protagonista pelos diferentes ambientes de aprendizado do hotel em grandes fases de um videogame onde o principal objetivo é se formar no curso de aprendiz. Cada novo espaço apresentado ao espectador possui um desafio diferente ao personagem, um que diretor se aproveita da deficiência de seu personagem para compor uma dinâmica narrativa sensorial, permeada (ou talvez contaminada, aos olhos dos mais céticos) pelo bom humor e o tom leve e adocicado do gênero ao qual pertence.
Neste sentido, De Encontro com a Vida cria uma identidade que é um tanto diferente em relação ao oscarizado Estrelas Além do Tempo, outra produção recente cuja história real também tinha como fim esta jornada de provação dentro do bom mocismo e das estruturas meritocráticas da sociedade, um paralelo que logo deve vir à mente do espectador mais atento. Apesar de ambos os filmes terem no drama edificante ingênuo sua meta final de existência (muito por conta da dívida que nutrem com suas contrapartes da realidade), a comédia alemã se distancia do longa dirigido por Theodore Melfi por assumir o lado lúdico como modo de operação puro, um olhar que o isenta parcialmente de suas responsabilidades mais enfadonhas. Por outro lado, esta decisão criativa não funciona tão bem com os momentos mais dramáticos do filme, em especial no terceiro ato quando a produção precisa intensificar o drama para criar suspense e acaba perdendo o tom no processo.
É à partir desta busca por adequação que o longa do alemão Marc Rothemund se envereda por uma narrativa típica das comédias românticas mais leves, uma que não só busca tornar mais fácil a história difícil e baseada em fatos reais como também torna a jornada do protagonista pelos diferentes ambientes de aprendizado do hotel em grandes fases de um videogame onde o principal objetivo é se formar no curso de aprendiz. Cada novo espaço apresentado ao espectador possui um desafio diferente ao personagem, um que diretor se aproveita da deficiência de seu personagem para compor uma dinâmica narrativa sensorial, permeada (ou talvez contaminada, aos olhos dos mais céticos) pelo bom humor e o tom leve e adocicado do gênero ao qual pertence.
Neste sentido, De Encontro com a Vida cria uma identidade que é um tanto diferente em relação ao oscarizado Estrelas Além do Tempo, outra produção recente cuja história real também tinha como fim esta jornada de provação dentro do bom mocismo e das estruturas meritocráticas da sociedade, um paralelo que logo deve vir à mente do espectador mais atento. Apesar de ambos os filmes terem no drama edificante ingênuo sua meta final de existência (muito por conta da dívida que nutrem com suas contrapartes da realidade), a comédia alemã se distancia do longa dirigido por Theodore Melfi por assumir o lado lúdico como modo de operação puro, um olhar que o isenta parcialmente de suas responsabilidades mais enfadonhas. Por outro lado, esta decisão criativa não funciona tão bem com os momentos mais dramáticos do filme, em especial no terceiro ato quando a produção precisa intensificar o drama para criar suspense e acaba perdendo o tom no processo.
- O Dia Depois
O cinema de Hong Sang-Soo nunca foi um pautado exclusivamente no tom leve apesar de manter o humor presente em suas narrativas, mas suas últimas comédias passam por um tom mais grave que é difícil não sentir. Se em Na Praia à Noite Sozinha o cineasta sul-coreano tirava de sua passagem recente pelos tabloides nacionais o motor de sua trama ácida, O Dia Depois encontra momentos dramáticos ainda mais intensos para contar a história de uma mulher (Kim Min-Hee) que começa a trabalhar em uma editora apenas para se ver acusada de ser amante do chefe (Kwon Hae-Hyo) logo no primeiro dia de expediente.
Ainda que as duas produções sejam muito próximas em termos de estruturas narrativas, o elemento que une os dois filmes de fato é desconstrução do cineasta enquanto autor masculino, uma que em Na Praia... é conduzido sob as vias da chacota mais ferrenha e no O Dia Depois assume o peso moral da responsabilidade que ele assume (ou deveria assumir, pelo menos) nos efeitos de suas decisões nas relações amorosas. Esta é uma gigantesca pulverização da figura do macho escroto que só ganha em humor por conta da auto-consciência de Sang-Soo neste processo (ele é o principal afetado nestas dinâmicas de seus longas), mas aqui a presença do drama funciona muito porque ela só aumenta esta perspectiva entre criador e criatura e se vê potencializada naturalmente pela costumeira direção talentosa do cineasta - sua encenação pautada por longas cenas guiadas por zooms momentâneos é tão ideal para organizar o drama quanto o é nas comédias.
Talvez seja por conta deste aumento maior do escopo de seu jogo que o diretor opte por terminar o filme desta vez forçando uma conciliação entre as partes envolvidas. A decisão soa (e é) uma grande quebra de tudo que vinha sendo desenvolvido até ali e contraria até os caminhos narrativos de Na Praia..., mas para Sang-Soo o alento de que estas relações prejudicadas pela postura superior do autor possam ser reparadas com pedidos de desculpas sinceros deve ser suficiente para apaziguá-lo momentaneamente de qualquer culpa interior que sinta, mesmo ele sabendo não ser verdade.
Ainda que as duas produções sejam muito próximas em termos de estruturas narrativas, o elemento que une os dois filmes de fato é desconstrução do cineasta enquanto autor masculino, uma que em Na Praia... é conduzido sob as vias da chacota mais ferrenha e no O Dia Depois assume o peso moral da responsabilidade que ele assume (ou deveria assumir, pelo menos) nos efeitos de suas decisões nas relações amorosas. Esta é uma gigantesca pulverização da figura do macho escroto que só ganha em humor por conta da auto-consciência de Sang-Soo neste processo (ele é o principal afetado nestas dinâmicas de seus longas), mas aqui a presença do drama funciona muito porque ela só aumenta esta perspectiva entre criador e criatura e se vê potencializada naturalmente pela costumeira direção talentosa do cineasta - sua encenação pautada por longas cenas guiadas por zooms momentâneos é tão ideal para organizar o drama quanto o é nas comédias.
Talvez seja por conta deste aumento maior do escopo de seu jogo que o diretor opte por terminar o filme desta vez forçando uma conciliação entre as partes envolvidas. A decisão soa (e é) uma grande quebra de tudo que vinha sendo desenvolvido até ali e contraria até os caminhos narrativos de Na Praia..., mas para Sang-Soo o alento de que estas relações prejudicadas pela postura superior do autor possam ser reparadas com pedidos de desculpas sinceros deve ser suficiente para apaziguá-lo momentaneamente de qualquer culpa interior que sinta, mesmo ele sabendo não ser verdade.
- Ella e John
Ella e John surge de uma proposta um tanto tola - ela é mais uma história de idosos contemplando o fim da vida a seu modo particular - mas logo nos primeiros momentos o filme busca instaurar um viés de análise que parece anular por um instante esta impressão inicial. É logo na sua abertura que o longa do italiano Paolo Virzì mostra um subúrbio com sinais de apoio ao futuro presidente americano Donald Trump, uma sensação inicial de mal estar que tentará servir de assombro à viagem de carro empreendida pelo casal Spencer - vividos por Helen Mirren e Donald Sutherland com a pose de democratas mais ou menos liberais.
Virzì não renega nem por um instante a posição de "olhar exterior" ao cenário americano, promovendo o contraste da beleza pastel das locações passadas por seus protagonistas com a crueza presente nos mesmos e o clima agitado passado pelo país naquele momento, mas ao mesmo tempo o diretor não é capaz de promover efetivamente esta narrativa dentro de seu próprio filme, o que por sua vez gera um tom geral de promessas vazias bem evidente na produção. Se a jornada final dos dois idosos antes de serem separados pelos filhos acena para uma abordagem de contexto histórico a princípio, no fim este subtexto é abandonado em prol de mais uma trama de acerto de contas emocional, um melodrama onde a morte funciona no intuito de acelerar enfrentamentos há tanto tempo postergados.
Não é algo que chega a prejudicar Mirren e Sutherland, porém. Enquanto o filme ruma ao enfadonho, os dois atores fazem o máximo para tornar seus papéis dignos de nota, tentando elevar o material simples a um campo mais profundo de dramaturgia e evitando a acentuação pura e simples das deficiências como caminho de interpretação de seus personagens. O resultado obtido por eles é digno no que toca os protagonistas, ainda que não seja suficiente para salvar o longa de si mesmo.
Virzì não renega nem por um instante a posição de "olhar exterior" ao cenário americano, promovendo o contraste da beleza pastel das locações passadas por seus protagonistas com a crueza presente nos mesmos e o clima agitado passado pelo país naquele momento, mas ao mesmo tempo o diretor não é capaz de promover efetivamente esta narrativa dentro de seu próprio filme, o que por sua vez gera um tom geral de promessas vazias bem evidente na produção. Se a jornada final dos dois idosos antes de serem separados pelos filhos acena para uma abordagem de contexto histórico a princípio, no fim este subtexto é abandonado em prol de mais uma trama de acerto de contas emocional, um melodrama onde a morte funciona no intuito de acelerar enfrentamentos há tanto tempo postergados.
Não é algo que chega a prejudicar Mirren e Sutherland, porém. Enquanto o filme ruma ao enfadonho, os dois atores fazem o máximo para tornar seus papéis dignos de nota, tentando elevar o material simples a um campo mais profundo de dramaturgia e evitando a acentuação pura e simples das deficiências como caminho de interpretação de seus personagens. O resultado obtido por eles é digno no que toca os protagonistas, ainda que não seja suficiente para salvar o longa de si mesmo.
- Submersão
A trajetória recente de Wim Wenders é marcada por mais baixos que altos, com seus últimos documentários orbitando a esfera da pura reverência (a exemplo de O Sal da Terra) e suas ficções buscando uma experimentação de resultados bastante conformados com sua falta de ineditismo, como Tudo Vai Dar Certo bem atesta. Submersão, seu novo drama protagonizado por Alicia Vikander e James McAvoy, faz pouco para melhorar este esquema de produção atual do diretor alemão, ainda que no fundo ele parta de uma proposta de renovação de seu cinema por uma estrutura mais básica.
O longa, afinal, é estruturado à partir de um romance cuja tragédia é ancorada na premissa de duas tramas inconciliáveis, com tanto o personagem de McAvoy quanto o de Vikander sofrendo com uma síndrome de isolamento por conta da dedicação exclusiva dada a suas carreiras intensas - ele sendo um espião, ela como pesquisadora da vida marinha do fundo do oceano. Esta "submersão" do título, oriunda da claustrofobia cada vez maior e sentida pelos dois amantes, é conduzida por Wenders de forma a emular os grandes temas que circundam os personagens e alinhar causas ecológicas com humanistas, mas este procedimento aos poucos se perde em um desinteresse palpável do cineasta pela narrativa que constrói.
A sensação de piloto automático é óbvia desde o começo mas só vai beirar ao insuportável no final, quando fica claro que o cineasta não encontrou o que esperava no livro escrito por J.M. Ledgard e passa a recontar sua história pelas vias do melodrama mais rasteiro. Sua narrativa é permeada de debates rasos e sofrimento calculado para não incomodar ninguém, uma dinâmica que só ressalta o nível do jogo falso e trajado de grandes questões que parece ter contaminado a ponto de fatalidade (e do esquecimento) a carreira de Wenders nestes últimos anos.
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