Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.
Por Marina Ammar.
As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.
As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.
As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.
Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.
Nerunda: Quando os Pássaros Voam (Volumes 1 e 2), de Antonio Cardoso e Rê Márcia
Com arte e roteiro de Antonio Cardoso e cores de Rê Márcia, Nerunda conta a história de todo um povo assolado por uma praga conhecida (agora mais forte do que nunca), deuses esquecidos e de uma dupla de irmãos, Kaliu e Kaluu, que partem juntos em busca de um pássaro em um rito de passagem.
Os dois primeiros volumes da história de Cardoso pouco são mais do que introdutórios. Curtos em sua divisão, eles servem para apresentar os cenários, os personagens e as circunstâncias iniciais de algo maior e que ainda está por vir. Mesmo com esse conhecimento, porém, fica latente a falta de alguma compreensão sobre o caráter ou motivação das personagens mais presentes.
Pouco se pode dizer da direção que Nerunda irá tomar, mas é certo é que a união da arte e palavras de Cardoso - itens complementares em seu tom sombrio - com as cores de Márcia dão a Nerunda o tom perfeito para que sua história seja contada, e o mundo aos poucos construído por Cardoso guarda segredos que o leitor desejará descobrir. Resta a vontade para que a obra, assim como seus moradores, seja escrita de forma a ser compreendida.
Para conhecer os autores:
Nostaltung, de Rodrigo Urbano e Carol Mello
Nove páginas. Esse é o tanto que foi preciso para percorrer a narrativa de Nostaltung, uma curta e desesperada crônica sobre três protagonistas com apenas uma característica em comum: embarcar no último ônibus espacial para escapar de uma Terra sem mais recursos. Eles não são amigos. Brigam pela sobrevivência e a única informação necessária para sobreviver: onde está Nostaltung, o ônibus espacial?
Com o traço de Rodrigo Urbano e as cores chapadas de Carol Mello – que quase lembram a arte de Geof Darrow em uma versão mais limpa para a vista, mas no mesmo tom de um cyberpunk sujo – Nostaltung funciona em suas páginas curtas. Só há o instinto e a violência necessários para viver, e no instante em que é revelado uma informação mínima sobre um dos protagonistas este é removido da história, tornando veemente o fato de que nesta introdução tudo deve permanecer nas sombras.
Nostaltung apenas deixa a desejar nos cenários: apesar da maior parte da ação ocorrer dentro de um apartamento arruinado e carente de objetos, as panorâmicas que abrem a história, mostrando uma cidade cinzenta, destoam do design dinâmico de personagens e do mundo imaginado para a trama sugerida.
Ainda assim, Nostaltung permanece como um curto experimento de premissa interessante e personagens de origens instigantes e que partilham de um objetivo simples, deixando a curiosidade de que a que ponto estes estão dispostos a chegar para alcançá-lo.
Para conhecer os autores:
O Blefe do Homem Morto, de Gustavo Nascimento e Will
Com roteiro de Gustavo Nascimento e arte de Will, O Blefe do Homem Morto se apresenta como uma história inédita de Sherlock Holmes, mas já falha em um primeiro ponto: em nenhum momento a narrativa se faz sentir como um mistério.
A trama é simples: um homem, Mr. Kisner, foi assassinado. Resta à Holmes e Watson descobrir quem é o autor do crime. Ao fim de uma série de pistas apresentadas apressadamente, sem pausas e incapazes de tornar a narrativa engajadora – as respostas são dadas ao leitor durante diálogos que só são salvos do marasmo pela arte dinâmica de Will – descobre-se que o morto na realidade era o vizinho, Mr. Heyworth, assassinado durante uma briga com Kisner porque ele era amante de sua mulher, Mrs. Heyworth.
Há pouco mais que possa ser dito. Os personagens - inclusive Holmes e Watson - servem seus papéis em moldes rígidos e o mistério é apresentado de maneira confusa, por meio de uma dicotomia que tenta ser resolvida na mais apressada sucessão de explicações e que sem dificuldade alguma é encontrada pelos protagonistas. Simples, ele não é apresentado de forma a ser absorvido como uma dificuldade. O que salva aqui é a arte de Will, cujas cores de personalidade forte são o suficiente para ilustrar a trama sem construção de uma maneira divertida, mas que infelizmente não salva Sherlock de um blefe sem resultados.
Para conhecer os autores:
Os Contos do Planta n° 1, de Gustavo Ravaglio
O Planta Nº1 narra uma curta aventura do Planta, um ramo senciente com um corpo bípede construído por um cientista louva-deus. Com um traço que cruza Mike Mignola com algo próprio e dinâmico, Gustavo Ravaglio narra um conto no qual o protagonista adentra a Floresta Antiga em busca de seu amigo cachorro, Biche-Biche, que desapareceu depois de adentrar o perigoso local.
De linguagem e mensagem simples, a primeira aventura do Planta segue a fórmula de uma fábula clássica, apresentando seu herói, suas principais características, a missão a ser enfrentada e a moral da história. Aqui só falha na última: ela fica pouco clara, perdida em meio a uma fórmula paralela da curta narrativa de crônica fantástica que não necessariamente precisa de uma moral.
Além disso, apesar da arte caprichada e de tônica perfeita para a narrativa, o trabalho tipográfico e balonagem fogem do que se espera para certas cenas ou personagens, quebrando a narrativa visual com os balões em um tom seco que se une ao fundo, comprometendo tanto a leitura quanto o trabalho artístico do painel.
Mesmo assim, a primeira aventura do Planta permanece uma obra firme em sua tônica geral e principalmente na criatividade de seus cenários e temas. De um primeiro volume, só se pode esperar por ainda mais.
The Few and the Cursed (Volumes 1 e 2), de Felipe Cagno e Fabiano Neves
The Few and the Cursed conta a história de uma misteriosa protagonista ruiva de nome ainda não revelado, chamada aqui apenas de Ruiva, Moça ou R. Escrita por Felipe Cagno e ilustrada por Fabiano Neves, a aventura inicial de R chama-se Os Corvos de Mana’olana.
R vaga por desertos que um dia foram estradas (ou oceanos inteiros) em busca de trabalho. É uma caçadora de maldições, especialista em exterminar a escuridão na terra surgida dos humanos. “A única escuridão do mundo é aquela que trazemos conosco”, explica, ao entregar para o prefeito de uma cidade a cabeça de um homem, e não da serpente gigante que fora encarregada de caçar – a serpente era o homem, transformado. Depois dessa missão, R ganha a pista sobre corvos enormes com corpo de gente que matam adultos e raptam crianças para nunca mais serem vistas e parte para a nova missão. Primeiro atrás de Jebediah, um homem que também parece estar caçando os corvos, formando uma dupla pela necessidade – ele precisa de ajuda, e ela de um guia – para prosseguir com a busca.
É triste dizer que nos dois volumes mal aparecem os corvos. Mas para compensar, Cagno utiliza de um ritmo desapressado e da arte nítida de tons sombrios de Neves para construir o mundo de R, desde a areia na qual ela pisa até o último fio de seus cabelos ruivos, tornando palatável a mortalidade e a aridez que cercam The Few and the Cursed. O problema se dá apenas nos diálogos, que parecem tão fortemente desejar que nada seja revelado ainda, e na intensidade do perigo, que grande parte das falas de qualquer personagem parece ser dedicada apenas a frases de efeito, algo que com velocidade torna a leitura cansativa e os personagens rasos - eles prometem ser mais do que é mostrado.
Há pouco o que dizer de volumes que são, em suma, uma coletânea de memórias de missões passadas e os presságios malignos que anunciam a seguinte, mas é certo que Cagno promete com seu mundo amaldiçoado. Resta somente explicações e mais aventuras – além da oportunidade de diálogos de maior naturalidade.
Para conhecer os autores:
Patas Sujas (Volumes 1 e 2), de Cris Peter, SulaMoon e Érica Awano
No primeiro volume de Patas Sujas, Cris Peter apresenta Na’az Ni, uma moça albina deixada por seu povo para morrer congelada por conta de sua aparência e fragilidade. Ela é resgatada, porém, por um trio de pessoas pertencente à Aldeia dos Excluídos, um vilarejo onde moram somente pessoas expulsas de suas tribos de origem devido à alguma diferença característica. Lá, Na’az Ni vai aprender a lidar com a tristeza trazida por ser condenada à morte por sua aparência diferente, contando com a ajuda de uma criatura dócil chamada Meem.
Já o volume dois segue Zam, rei do povo Abelhas depois da rainha, sua mãe, falecer. Em um povo onde as mulheres são a mentes e os homens os braços, Zam tenta equilibrar dentro de si o luto, as responsabilidades recém adquiridas, a necessidade por encontrar uma esposa para si – as Abelhas precisam de uma rainha – e a vontade de permanecer no campo de batalha como um zangão. A primeira decisão que toma é de continuar liderando o mapeamento dos arredores de sua tribo, ordens da falecida mãe, e ao fim do volume ele acaba encontrando a Aldeia dos Excluídos.
Apesar de serem dois volumes, ambos possuem o mesmo ar introdutório. As artes de Érica Awano e SulaMoon conversam bem entre si, sendo o maior problema das duas o traço repleto de detalhes mostrado em um preto e branco sem luz ou sombra bem definidas, tornando a leitura cansativa visualmente e deixando um grande vazio em certos quadros.
A narrativa de Peter deixa curiosidade pelo que ocorrerá na história fantástica, apresentando bem Na’az Ni, Zam, seus conflitos pessoais e as poucas regras conhecidas do mundo no qual estão inseridos, com a infelicidade de usar muitos dos personagens secundários como veículos de diálogos expositórios, que variam em sua capacidade de mesclar-se com a história.
Em suma, Patas Sujas em seus dois primeiros volumes conta muito pouco do que pode vir a ser, mas apresenta premissas que prometem se mescladas na mesma narrativa, com personagens de designs e conflitos instigantes o suficiente para manter o leitor engajado. Resta torcer para que tal engajamento dure por futuros volumes.
Para conhecer as autoras:
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