Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.
Por Marina Ammar.
As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.
As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.
Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.
Plumba (Volumes 1 e 2), de Thiago Lehmann e Luiza McAllister
De Thiago Lehmann e Luiza McAllister, Plumba conta a história da personagem do título, uma jovem e fofa garota de cabelos rosa que só possuí um objetivo em mente: adquirir “dinheiros” suficientes para comprar o machado Armagedon 3K. Assim, ela parte em uma sucessão de missões, sendo paga pelos habitantes de seu mundo para realizar tarefas que vão desde recolher ovos fantasmas até organizar a mochila de um guerreiro de pouca inteligência.
Recheado de referências à cultura geek em geral, principalmente videogames, Plumba é uma obra bem-humorada, de expressões e cores comunicativas e divertidas. A arte do casal Lehmann e McAllister pinta um mundo tão plausível em sua fantasia quanto no momento das referências, e não falha em arrancar risadas em qualquer destes aspectos.
Ela falha, porém, na diagramação. A sucessão de cores, quadros e balões se atropela seguidamente por toda a história, atrapalhando algumas vezes não somente o sentido de leitura como a absorção da narrativa, quase transformando o que deveria ser uma aventura contínua em piadas separadas – outro pecado da narrativa, que embora seja decididamente uma comédia, parece não saber onde parar.
Ainda assim, Plumba permanece forte. Com uma protagonista cativante, mundo colorido e referências certeiras, é uma leitura divertida – e rápida – para qualquer leitor, seja ele fã ou não de games.
Para conhecer os autores:
Pretérito Mais que Perfeito, de Otoniel Oliveira e grupo do estúdio Iluminuras
Vale começar dizendo que Pretérito Mais que Perfeito não foi feito para ser lido em pausas. O volume é uma atemporal viagem no tempo, orquestrada com maestria e um cuidado que inclui códigos QR no começo de cada capítulo com a trilha sonora do capítulo a ser lido, aprofundando a experiência que merece o tempo que levar para ser lida.
O protagonista da narrativa de Otoniel Oliveira não é uma pessoa, nem muitas pessoas. É uma praça em Belém e seu banco, que observam, inertes às mutações ao redor de si e nas pessoas, seja por suas questões interpessoais ou em seus pensamentos. Começado em 1869 e terminado em 2032, Pretérito nos leva através de narrativas intimistas que contam a história do mundo se transformando ao redor. Os capítulos não levam mais do que quatro páginas em seu máximo – e isso basta. “Quando mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas”, o volume começa.
Narrado com estilos artísticos inspirados pelos quadrinhos e arte das décadas protagonizadas, Pretérito serve ao leitor como uma máquina do tempo da literatura, uma viagem breve e transformadora que, apesar de focada em um pequeno banco de Belém, poderia nos contar de qualquer lugar do mundo. É uma narrativa sobre a reação humana à própria história – e se pensada apenas como uma homenagem à Belém ela é uma obra tão bonita quanto.
Narrado com estilos artísticos inspirados pelos quadrinhos e arte das décadas protagonizadas, Pretérito serve ao leitor como uma máquina do tempo da literatura, uma viagem breve e transformadora que, apesar de focada em um pequeno banco de Belém, poderia nos contar de qualquer lugar do mundo. É uma narrativa sobre a reação humana à própria história – e se pensada apenas como uma homenagem à Belém ela é uma obra tão bonita quanto.
De arte tão maravilhosa quanto a viagem oferecida, a obra de Oliveira é uma delicada ode ao Brasil em que vivemos, à unidade das pessoas e a dicotomia de seus ideais e, principalmente, à repetição da história em si mesma.
Para conhecer os autores:
Quando a Noite Fecha os Olhos, de André Diniz e Mario Cau
Camilo não consegue ver o Sol. Durante todo o volume, com maestria em equilibrar o roteiro - que sugere que é sempre dia - e a arte - que desenha o céu noturno como único de Camilo - o leitor é obrigado a viver na realidade do protagonista, que já não consegue ver a alegria ao seu redor por não ter sobrado nenhuma dentro de si.
Tudo no mundo, ao sair, irrita. Camilo está interessado no próprio silêncio, que no entanto é povoado de vozes de seu inconsciente, assombrando-o eternamente em relação ao passado e da aceitação de quem é.
Em uma de suas saídas, ele encontra Daniel, um ex de dois anos atrás, agora com outro homem e uma criança adotada, feliz. Chove apenas no mundo de Camilo, seus sentimentos sempre ilustrados por uma meteorologia interna. Pouco depois de retornar à casa, ele recebe um telefonema: morreu um tipo querido.
Camilo vence a vontade de não comparecer ao funeral realizado em sua cidade natal em memória do tio, mas seus medos se confirmam ao chegar: lá estão os pais, ignorando sua existência por conta da sexualidade. O pai, agressivo e acusando Camilo de trazer-lhe vergonha, e a mãe, omissa em defender o filho diante do ódio da figura paterna.
Camilo se vê, porém, cansado da eterna noite de sua existência, e em uma onda de força, exige o perdão dos pais pelo tratamento recebido e o sofrimento inferido a si por ser quem é. Ao fim, consegue apenas o da mãe, mas basta.
O volume termina com Camilo em um encontro com Gil, um colega de trabalho em quem estava interessado, mas não possuía coragem de se aproximar. E agora finalmente é dia.
A combinação do roteiro de André Diniz, pungente e direto, com a arte de sentimentos metafóricos de Mario Cau, faz de Quando a Noite Fecha os Olhos uma história de impacto imediato no leitor; a tristeza é reconhecível, a cumplicidade é gerada a partir da compreensão dolorosa da dor interna do personagem e apesar da história centrada na rejeição pela sexualidade não ser de todos ela cria uma conexão à partir da reação gerada em Camilo pela falta de apoio dos pais para consigo e dele em si mesmo. Retratando muito bem tanto o conflito de sociedade e sexualidade quanto um retrato de depressão, Quando a Noite Fecha os Olhos é uma obra de leitura rápida e duração permanente, que promete que existe a compreensão dessa tristeza e a aceitação necessária dentro de cada um e mostra que todo Sol pode nascer mais uma vez.
Para conhecer os autores:
Relicário, de Dharilya Sales e Pedro Leonelli
Um envelope de essências humanas; Relicário é uma obra que reúne dois volumes, um de Pedro Leonelli e outro de Dharilya Sales.
Em A Lojinha Mágica de Medos, Sales abre sua história com uma pergunta simples, apresentando em seguida sua protagonista: Brianna, a proprietária da loja de medos. Ela sai uma noite para capturar um fantasma sob a explicação de que almas mortas representam desejos não realizados, algo que gera muito medo e, por isso, valem muito a pena no mercado.
Brianna acaba por capturar uma jovem fantasma que apesar de prisioneira não parece ter uma noção prolongada dessa condição e só deseja tornar-se amiga da proprietária. Depois que Brianna consegue vencer o protetor dos espíritos e retornar à loja com a fantasminha capturada, a história mostra um pouco de suas interações e como sobre a fantasminha traz para Brianna o choque de sua realidade – ela trocou seus sonhos pela loja de medos, pois possuía vergonha do que sonhava, algo que a história chama de “medo de ser feliz.”
Em poucas páginas, em um traço que mistura o agradável com o macabro, Sales narra com cumplicidade simples as complicações da vida adulta e as desistências às vezes necessárias para fugir de medos maiores do que nós, propondo que no local da fuga haja resistência.
Apesar da premissa interessante e desenho que cria um equilíbrio entre o mangá e o estilo gótico suavizado, Sales não consegue manter a seriedade da narrativa não em tema, mas nos diálogos, que navegam de frases aparentemente soltas a tentativas de efeito sentimental e reações repentinas, além de personagens que surgem e desaparecem depressa demais na tentativa de introduzir novos pontos.
Mesmo assim, A Lojinha Mágica de Segredos permanece fiel à sua mensagem, e apesar das falhas não falta ao leitor no momento de lembrá-lo que sempre há tempo para sonhar a felicidade.
Já a história contada por Leonelli, intitulada Sobre Desejos e Destinos, começa com o nascimento de um deus capaz de realizar qualquer desejo. Ele narra a ligação entre desejos e destinos, e que cada desejo leva à algum lugar.
Cegada por este poder, o destino da humanidade acaba sendo a destruição, e a história tem como cenário o planeta Terra após o fim de todos os recursos causados pela ambição dos sonhos humanos. Sobre essa Terra vaga uma fada, que buscando o amor em seu único dia de vida encontra apenas o deus, agora sem desejos para realizar e incapacitado de realizar o dela pois nada sobrou na Terra.
Mas ele promete ajudá-la. Vagando juntos, a dupla encontra o último ser humano da terra, um senhor de quatro braços (dois deles próteses metálicas) que deseja ao deus que o mundo seja reconstruído. O deus explica a ele que só pode realizar desejos se pago com tempo de vida, mas o senhor está velho demais para pagar pelo que deseja. Tomado pela cólera de ter sido enganado pelo deus de aparentes infinitas possibilidades, o velho tenta matá-lo, mas é impedido pela fada.
Mas ele promete ajudá-la. Vagando juntos, a dupla encontra o último ser humano da terra, um senhor de quatro braços (dois deles próteses metálicas) que deseja ao deus que o mundo seja reconstruído. O deus explica a ele que só pode realizar desejos se pago com tempo de vida, mas o senhor está velho demais para pagar pelo que deseja. Tomado pela cólera de ter sido enganado pelo deus de aparentes infinitas possibilidades, o velho tenta matá-lo, mas é impedido pela fada.
Os acontecimentos todos ocorrem no mesmo dia, sendo que já é noite no momento da batalha e a fada, portanto, está para morrer. Percebendo que o amor encontrado está na curta relação construída com o deus, ela parte junto dele para a eternidade, onde esse relacionamento poderá ser desenvolvido.
No geral, Sobre Desejos e Destinos deixa a desejar justamente pelo que poderia ser. O traço de Leonelli, aliado apenas à tons de marrom e uma diagramação que altera a narrativa quadro a quadro com repentinas ilustrações que lembram painéis antigos, dá ao volume o tom de lenda perdida que seria perfeito se não pelo próprio tom da narrativa e personalidade das personagens envolvidas. Devidamente presas às suas tarefas, buscas e princípios pessoais, como seria em uma lenda, as personagens chocam-se entre si por serem todas de um dinamismo imparável, saltando sem descanso entre falas e explicações. Não há tempo para absorção na curta lenda de Leonelli, que merecia um compasso mais lento para que cada valor e momento narrativo pudesse ser apreciado. Além disso, a linguagem deveras informal dos personagens, aliada à expressões cartunescas em momentos de seriedade, quebra de forma tão chocante a narrativa lendária que se torna complicado de estabelecer uma conexão com o que ocorre, mesmo diante batalhas e valores tão humanos.
Mas apesar de deixar muito a desejar nesse sentido Sobre Desejos e Destinos ainda passa sua mensagem, certamente não falhando no estilo artístico que o caracteriza.
Para conhecer os autores:
Amanita (zine), de Dharilya Sales
Amanita é uma curtíssima narrativa sobre os refúgios da
alma, onde se encontra o conforto e a coragem para se continuar realizando
desejos. Em poucas páginas, Dharilya cria um cenário e uma dupla de personagens
simpáticos que lembram ao leitor de sua capacidade.
Curto como o é, o próprio zine pode ser considerado uma pausa
para a regeneração, tendo no agora o momento de continuar. Um ótimo bônus para um
volume como Relicário.
Remy, de Diogo Bercito e Julia Bax
Escrita por Diogo Bercito e ilustrada por Julia Bax, Remy é a história de Remy, um garoto com bronquite que vive a lutar contra a doença e vê sua vida como um espectro limitado do que poderia ser devido aos pulmões falhos.
Até morrer, morrer de cansaço da bronquite.
Na morte, Remy afinal arranca a doença do peito, um gato que arranhou-o por dentro durante seus 17 anos de vida. A discussão de culpas – Remy, pela doença; o Gato, por habitar pulmões inflamados – é rápida. Afinal, existem questões mais importantes a serem resolvidas: o que há após a morte? O que fazer? É possível voltar?
Ao longo da caminhada pelo infinito do pós-vida, Remy troca diálogos com o Gato a respeito de suas perguntas, visões da vida que perdeu e dúvidas que surgem diante daquilo que encontram. O Gato, dito (por si mesmo) de inteligência superior à do rapaz, responde com filosofias diversas, respostas nunca diretas mas sempre certeiras. No fim, os dois descobrem que não se pode fugir da morte, mas que além de uma passagem existem muitas outras, uma vez que se aceita as condições de sua própria existência, ilustrada aqui pelo Gato voltando aos pulmões de Remy a pedido do garoto e com ambos partindo para a aventura seguinte.
Remy ainda pergunta se será feliz. O gato não responde. Nem a história.
Repleta de respostas interessantes para questões essenciais, Remy é uma curta narrativa filosófica sobre como o ser humano interpreta e tira proveito de sua própria existência, independente de suas circunstâncias. Se Remy e o Gato já são cativantes em suas palavras, a arte de Bax os torna ainda mais vivos, enquadrando os elementos e expressões que melhor combinam não com o que é dito, mas com os sentimentos que surgem diante de tais palavras. Remy é portanto uma parceria de resultado fenomenal, uma leitura que pode ser repetida assim que termina, merecedora da atenção de qualquer leito. Isso, claro, se houver fôlego.
Para conhecer a autora:
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