Todd Haynes traça história de amor pela sutileza da imagem.
Por Pedro Strazza.
Em determinado momento do primeiro ato de Carol, a protagonista Therese (Rooney Mara) conhece em uma sala de projeção de cinema um jornalista apaixonado por filmes românticos. Após confessar já ter visto mais de cinco vezes a película que ambos assistem, ele emenda afirmando que está estudando quais são as mensagens passadas pelos personagens em seus gestos e expressões faciais, a fim de desenvolver sua teoria de que o que o ser humano não consegue manifestar em palavras ele o realiza em tais movimentos. Muito mais tarde na história, Therese avista este mesmo personagem em uma festa, sentado de frente à uma televisão e anotando sobre possivelmente um filme em companhia de uma garota que descansa a cabeça em seu ombro.
Embora seja um personagem de nula importância à trama e quase figurante na narrativa, esse jornalista consegue resumir em pouquíssimos segundos de tela o objetivo central do diretor Todd Haynes com esta adaptação do livro homônimo de Patricia Highsmith. E apesar de a princípio parecer se comportar como uma obra cinematográfica de base literária, Carol logo se desfaz dessa contratualidade subjetiva de produções do tipo para abraçar as oportunidades que o cinema lhe oferece e contar a história do romance entre a trabalhadora Therese Belivet e a rica dos subúrbios Carol Aird (Cate Blanchett).
Isso se torna palpável na maneira gradual pela qual o longa revela o que privilegia em cena. Os diálogos roteirizados por Phyllis Nagy aos poucos se tornam em um palco na narrativa, pelo qual Haynes e o diretor de fotografia Edward Lachman filmam os personagens em busca do que estes realmente sentem naquele instante. Como o jornalista do cinema, o filme trabalha com frequência na diferenciação da expressão pela fala da pelo gesto corporal, com clara preferência ao último. Pois para o diretor e à produção, o que interessa é o que está sendo dito pelo corpo, como bem esclarece o uso do plano detalhe para destacar o olhar, o manuseio de um objeto ou, em particular, no toque entre pessoas.
Mas enquanto que em outras produções do tipo esta metodologia logo desemboca no exagero, que procura expor qualquer movimento como essencial, Carol se destaca por realizar o exato movimento contrário. Aproveitando-se da postura de interiorização adotada como bons modos dos anos 50, o longa parece impor ao elenco a prática do disfarce, do movimento de esconder os sentimentos e reais intenções dos personagens nos diálogos realizados. São raros as situações da obra em que um dos personagens explode e exprime suas sensações, mas quando estes o fazem (por um acesso de choro, de ira ou de paixão) seu impacto é devastador, de maneira a reforçá-lo sem maior alarde.
Aplicados com parcimônia, estes momentos de intensidade emocional, assim como seu constante aprisionamento, também são destacados na elaboração espacial das cenas. Estruturados como uma realidade onírica pela iluminação e a estética vintage do design de produção de Judy Becker, os cenários são compostos ou em linhas e ambientes que aprisionem os personagens e os separem do resto das pessoas com que contracenam, de forma a realçar seu sufocamento emocional, ou em duas ou mais camadas, que situando a ação no mais distante deles evidencia a distância entre os indivíduos retratados.
O resultado é um conjunto de relações que nos diálogos parecer soar fria e distante, mas nas ações mínimas se revela um filme de intensidade ímpar, e grande culpa disso recai no trabalho soberbo das duas atrizes que o protagonizam. Conscientes do poder da mínima demonstração corporal na obra, Mara e Blanchett trabalham seus papéis na sutileza, privilegiando com sabedoria as rápidas e pequenas interações físicas entre Therese e Carol com olhares cúmplices e a timidez necessária. E se a primeira acerta na composição centrada no eventual arco de amadurecimento que sua protagonista experimenta na história, Blanchett faz a sua característica pose sólida e típica do indivíduo privilegiado com a atitude de alguém que está no auge da carreira e sabe muito bem disso.
Mas por que compor o filme dessa maneira, se Carol nunca chega a se interessar ou entrar de fato na questão da relação homoafetiva em um parâmetro social (a única exceção talvez seja na cena em que Carol confronta no divórcio a postura de seu marido, muito bem trabalhado por Kyle Chandler)? Para Haynes, independente da forma pela qual se manifeste, o amor funciona como uma linguagem universal, cuja concepção pode ser expressa em qualquer forma de comunicação. Ao traduzir isso através da imagem e não do diálogo, porém, o diretor evidencia na tela o amor das duas protagonistas com sensibilidade impressionante, ao mesmo tempo em que demonstra no particular a confluência de sensações diferentes que o cinema abrange e o diferencia das outras artes, traduzido em um ápice tocante de uma troca de olhares rápida, incisiva e capaz de passar toda a emoção do momento sem dizer uma palavra.
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