Chico Buarque ganha filme de muitas reverências e pouca substância.
Por Pedro Strazza.
Existe em Chico - Artista Brasileiro uma certa regularidade no uso de cenas que mostrem o músico e escritor Chico Buarque sentado diante de seu computador, pensativo sobre a obra que está compondo ou escrevendo. Esse tipo de cena, frequentemente utilizado como forma de mostrar sem muito alarde o "gênio em ação", serve aqui para destacar o caráter de ídolo que o artista assume no filme e em sua vida nos dias de hoje, fruto de uma extensa carreira de grandes frutos nos mais diversos campos.
Mostrar Chico tantas vezes em tal posição, entretanto, serve também para ilustrar o tipo de figura que o diretor Miguel Faria Jr. busca fazer de seu retratado. Combinando em uma montagem dinâmica e eficaz imagens de época, entrevistas com o protagonista e números musicais realizados pelos mais variados convidados, o filme quer glorificar o ídolo construído em cima do artista sem levar em conta o homem por trás de todo o processo.
Esta é uma atitude nobre se considerarmos o objeto em análise, mas que prova ser pouco eficaz como documentário. Pois enquanto o longa realiza esse ato de reverência máxima ele também procura fazer pouco de episódios que poriam em perspectiva a humanidade por vezes falha do personagem: sublimam-se casos como a polêmica vitória da canção Sábia no III Festival Internacional da Canção e os motivos que ocasionariam o divórcio com a atriz Marieta Severo (pouco mencionada mesmo tendo sido casada com Chico por quase 40 anos, vale acrescentar), e abre-se espaço para momentos do cantor com a família e sua busca por um suposto irmão alemão, que encontra seu fim ao primeiro sinal de conflito com a figura do músico.
Enquanto isso, Faria Jr. faz a festa com a imagem de Chico. As entrevistas, que dão conta de retratar sua genialidade como compositor, dramaturgo e militante contra a ditadura, procuram tirar do filho do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda um herói nacional, um símbolo representado na máxima do subtítulo Artista Brasileiro. E quando o entrevistado tem problemas, eles são "demônios internos" - que, claro, não são explorados ou sequer questionados pelo diretor.
Em determinada altura, Chico admite para a câmera a necessidade de criar uma máscara e ser outra pessoa na hora de entrar no palco e encarar o público de seus shows. É uma atitude que acaba por resumir sem querer o filme e seu engrandecido personagem, junto dos belos espetáculos musicais que reforçam o teor peculiar de "especial de fim de ano Roberto Carlos" da obra. Quem sai ganhando no fim é o próprio Chico Buarque, agora protagonista de um espetáculo dedicado a si mesmo.
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