Daniel Craig e Sam Mendes encerram sua passagem por James Bond com um filme de poucos atrativos.
Por Pedro Strazza.
Essa decepção em parte evoca também tanto a fase da franquia à qual a canção pertence - e que se encaminha para seu encerramento - quanto ao longa que presta serviço. Protagonizada por Daniel Craig, a quadrilogia de filmes de 007 iniciada por Casino Royale, continuada por Quantum of Solace e Operação Skyfall e encerrada agora por 007 Contra Spectre começou com a tarefa de dar ao espião inglês criado na literatura por Ian Fleming uma origem digna de sua passagem pelas telonas, com direito a arco de formação e passado trágico. Mas quando deveria abandonar a estrutura de tais histórias e assumir o manto do ídolo viril de um grande subgênero (coisa que ele sempre foi e sempre será na sétima arte, pelo menos), o James Bond de Craig apenas recuou, constrangido de desempenhar tal função.
É justamente esse receio que entre outras coisas torna 007 Contra Spectre um filme tão difícil de se encarar a princípio. Continuação direta e espiritual de seu antecessor pelo retorno de Sam Mendes à direção e bastante focado na tarefa de conectar todos os quatro episódios de início de carreira e formação do agente interpretado por Craig, o longa esquece de realizar todos os meandros e retoques escapistas característicos da franquia, e entrega uma obra que além de irregular se torna um aborrecimento constante.
Isso já fica evidente no longo plano-sequência que dá o pontapé inicial ao filme, produzida durante uma parada do Dia dos Mortos no México ensaiada para o longa. Embora seja muitíssimo bem executado e impressione o espectador pela grandiosidade e complexidade, a cena não desperta qualquer sensação fora o do encanto pela dificuldade técnica de realizá-la, soando em muitos momentos fria e distante. É como se Mendes não se interessasse pela questão de gênero cinematográfico, que sempre foi característica das aventuras do agente britânico, e a realizasse de maneira burocrática, confirmando essa tendência depois nas cenas de ação silenciosas e apressadas - até mesmo o capanga de unhas metálicas interpretado por Dave Bautista é subaproveitado, desperdiçando seu potencial em cenas de luta que nunca se aproveitam de fato da figura ameaçadora do ator.
No que o diretor se interessa, então? Em Spectre, ele usa mais uma vez a figura de 007 para situar sua temática de eterno conflito entre o velho e o novo, repetindo quase que na íntegra a discussão proposta em Skyfall. Os vilões mais uma vez usam da "ameaçadora" hiperconectividade para atingir seus planos (dessa vez não explicados), os heróis de novo recorrem a ferramentas antigas para combatê-los, a figura de autoridade máxima outra vez vai a campo, denota-se a distância entre os dois tempos novamente por um relacionamento pregresso entre protagonista e antagonista... a grande diferença em relação ao capítulo anterior é que dessa vez Mendes não usa de Bond como uma representação tão literal do passado glorioso, e nem o desloca a um papel coadjuvante para dar ênfase a M (Ralph Fiennes) - mais uma vez ressaltado pelo cineasta, em seu estranho e surpreendente fascínio pelo comandante do projeto 00.
É na mitologia, porém, que o filme encontra sua perdição. Extremamente interessados na brincadeira de reunir todos os quatro capítulos da fase de Daniel Craig e de reapresentar na franquia a clássica organização criminosa do título, Mendes e os roteiristas John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth tornam o viés canônico central à narrativa, mas ignoram que esse lado é algo a ser desenvolvido pelas laterais. O resultado é previsível: além de se alongar em diálogos expositivos cansados, o longa busca estabelecer uma ligação entre Bond e o vilão Franz Oberhauser (Christoph Waltz, bastante contido para evitar comparações com seu extrovertido Hans Landa de Bastardos Inglórios) que não gera grandes retornos para a narrativa, em parte por causa de sua falta de inspiração
O que incomoda mesmo neste 24° capítulo é entretanto a dificuldade de se aceitar. Apesar de dar todos os sinais de querer se enveredar pelo James Bond mais clássico, com direito a um humor mais solto e bugigangas mais mágicas de Q (Ben Whishaw), o longa parece também querer repudiar esse lado lúdico de seu personagem, adotando um tom de drama que nada tem a ver com essas histórias. E é esse misto de seriedade com descontração que faz mal à história, chegando a um ápice no clímax que une desajeitado a dramaticidade característica dos últimos capítulos (o conflito psicológico, o passado fantasmagórico) com a mirabolância conhecida dos filmes protagonizados por Roger Moore (a rede, o labirinto de corredores em si).
Assim, entre Bond-girls de mera função condutiva - e em tempos de crescimento das lutas feministas, é chocante ver as personagens de Léa Seydoux e Monica Bellucci ficarem sem qualquer função - e a fotografia de Hoyte Van Hoytema que discretamente cria tentáculos nos cenários, 007 Contra Spectre marca o fim do período de Craig interpretando personagem com todas as características que permearam seus filmes. Sofrido, melancólico e de eterno luto por sua amada Vesper, o agente desta era começou disposto a reinventar um personagem de longo histórico, mas terminou indeciso entre mudar de vez os maneirismos do personagem ou voltar às raízes e fazer o filme de gênero. Acima de tudo, o Bond de Daniel Craig será para sempre lembrado como enrustido.
0 comentários :
Postar um comentário