Com dificuldades para lidar com grande elenco, relato ganha fôlego somente nos minutos finais.
Por Pedro Strazza.
Filmes de sobrevivência são conhecidos por conseguirem aproximar com maior facilidade o espectador de seus protagonistas, numa lógica batida de que o sofrimento passado pelo personagem pode ser repercutido para quem o assiste desde que este tenha a oportunidade de conhecer e entender suas motivações e desejos. O emocional, falando-se em obras deste nicho, é um pilar bastante importante a ser respeitado por quem busca se aventurar neste tipo de trama, independente de suas intenções com o projeto.
No caso de Evereste, porém, tal característica vital parece ter se perdido ao longo da produção, que reproduz na tela os acontecimentos da tragédia ocorrida sobre três expedições ao pico mais alto do mundo em maio de 1996, quando foram pegas por uma fortíssima tempestade de neve enquanto escalavam a montanha. Preocupado demais com o plano geral da história, o longa dirigido pelo islandês Baltasar Kormákur esquece de dedicar tempo aos alpinistas e às pessoas envolvidas na situação, e no fim acaba por pagar um preço alto.
Já se percebe os equívocos cometidos pelo filme no primeiro ato, momento em que apresenta ao público os personagens que irão acompanhar pelas próximas duas horas. Além de indeciso na questão do protagonismo de cena - dividido entre os papéis de Jason Clarke e Josh Brolin, a dúvida ainda perdura durante todo o percurso da escalada - Kormákur e os roteiristas William Nicholson e Simon Beaufoy dão claros sinais de não conseguirem lidar com o vasto e rico elenco em mãos (é muito estranho ver nomes como Michael Kelly, John Hawkes, Emily Watson, Keira Knightley, Robin Wright e Jake Gyllenhaal em posições coadjuvantes para baixo na história), criando um constante desequilíbrio de tempo entre eles e incapazes de desenvolvê-los o suficiente. Isso mais tarde se torna prejudicial à curva de destruição pelo qual os alpinistas passam na montanha, sendo que até algumas das mortes passam batidas pela ausência de um mínimo fator emocional.
Se a má elaboração das peças prejudica o processo, o pouco aproveitamento do tabuleiro acentua ainda mais os problemas. Na fotografia escura e de muitos planos aéreos de Salvatore Totino, o Evereste do filme é reduzido a um espectador do desmoronamento humano ao invés de ser explorado como real ameaça, banalizado pelos avanços do turismo agressivo em suas inclinações e regiões congeladas. "O Evereste é uma criatura completamente diferente" diz de início o líder de uma das expedições, mas no fundo o que parece realmente assustar os mais experientes em escalar a montanha é o número de clientes e grupos dispostos a encarar tal tarefa.
Apesar de problemático para os objetivos do longa na questão de gênero, esse viés do excesso de consumo como grande responsável pela tragédia funciona com algum sucesso no esforço de garantir ao terceiro ato o peso dramático necessário às consequências sofridas pelas vítimas. Nesse momento, Kormákur se aproveita bastante dos efeitos da estadia prolongada dos sobreviventes em uma região inabitável e da morte dolorosa dos últimos falecidos para enfim provocar no espectador alguma emoção pelos personagens. Um esforço quase hercúleo e pouco disfarçado, pois além de demorado essa vinda vem em tons pesadamente melodramáticos.
O problema é que enquanto o desfecho não chega Evereste se encontra inoperante, com dificuldades para encontrar tarefas para desempenhar na narrativa. O marasmo de sua jornada de poucas ações torna dessa maneira pouco recompensador os fins dados aos seus múltiplos personagens, que destituídos de propósito maior são mais vítimas da narrativa que da montanha em si.
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