quarta-feira, 21 de maio de 2014

Crítica: Praia do Futuro

Karim Aïnouz estuda a vida e a adaptação à mudança

Por Pedro Strazza

Como tantas outras pessoas, Donato (Wagner Moura) é um homem que vive feliz sua rotina. Salva-vidas na Praia do Futuro, o cearense tem na família - principalmente com o irmão Ayrton (Savio Ygor Ramos/Jesuíta Barbosa) -, no trabalho e no mar o ideal de conforto e felicidade, e conquanto estas três bases não sofram modificações seu dia-a-dia não se alterará. Mas a vida de Donato, assim como a de qualquer outro indivíduo, mudará, e ele terá de lidar com isso à sua maneira.
Praia do Futuro, quinto longa-metragem de Karim Aïnouz como diretor, é um filme que toca exatamente neste assunto. Condição inerente à vivência do ser humano, a mudança ocorre em momentos geralmente não esperados e de maneiras misteriosas, fazendo com que a pessoa só perceba que ela ocorreu após muito tempo. Para Donato, a mudança acontece quando não consegue salvar alguém do mar pela primeira vez em sua vida, o que desencadeia, por sua vez, em uma sequência de eventos que o levará a morar na Alemanha com o namorado Konrad (Clemens Schick).
Essa drástica alteração traz inicialmente ao protagonista uma clara sensação de desconforto. Longe do mar e de sua família e amigos, Donato fica dividido entre a saudade e a paixão, gerando em seu interior uma angústia e depressão profundas e cada vez piores enquanto não se decidir. Atacado tanto pelo medo de abandonar seu romance quanto pela culpa de não voltar, ele resolve então permanecer ao lado de Konrad, optando por começar uma nova vida na Europa. Neste processo, porém, o ex-salva-vidas abandona o passado, e este virá exigir explicações mais tarde sob a forma do agora jovem Ayrton, irado pelo esquecimento do irmão em relação à família e ele.
Estruturado em três capítulos de conexões temporais não explicitadas e situado em eventos que se desenrolam por quase dez anos, Praia do Futuro usa da jornada pessoal de seu protagonista em direção à conciliação e de sua relação com outras duas pessoas próximas a ele para abordar essa relação que o ser humano tem com a vida e suas mudanças. Ayrton e Konrad representam aqui respectivamente o passado e o futuro, e cabe ao homem (Donato) escolher a qual dos dois caminhos seguir.
Para fazer com que o espectador compreenda melhor esta grande alegoria sobre o ser humano, Aïnouz se utiliza de várias ferramentas visuais e narrativas. Da estrutura do roteiro (os capítulos são indicadores primordiais da continuidade da história e, portanto, da vida dos personagens) à fotografia contrastante (quente e calorosa no Ceará, fria e hostil em Berlim), a produção é cuidadosa para recriar no público a sensação de deslocamento que Donato vive por não conseguir fazer nada pelo seu passado e, consequentemente, não progredir sua vida como deveria.
De protagonista complexo e roteiro bem desenvolvido, Praia do Futuro promove uma interessante reflexão sobre o mudar e suas complicações. Como a experiência de adaptação de Donato muito bem sugere na produção, não se pode atrelar a vida ao passado nem abandonar esta por completo. É preciso achar o meio termo, e continuar se adaptando conforme as mudanças vem à tona.

Nota: 8/10

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