Blake Lively é perseguida por tubarão em filme de perturbações.
Por Pedro Strazza.
O espectador mais desavisado e que vai ver Águas Rasas à espera de um típico exemplar de shark porn - esse subgênero popularizado com o Tubarão de Steven Spielberg nos anos 70 e que ora ou outra ensaia uma tentativa de retorno - deve sair confuso da sessão, estranhando o fato de simultaneamente ter suas vontades saciadas e frustradas. Se o suspense estrelado por Blake Lively parece seguir as convenções do nicho em grande parte do tempo, ele também busca conceitos que soam muito distintos da lógica "turista indefeso enfrenta tubarão branco", o qual resulta num choque difícil de ser explicado.
Esse choque, a bem da verdade, só é complexo enquanto encarado como tal, pois essa aparente disparidade no longa dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra se faz melhor resolvida como uma medida conciliadora entre duas partes dissonantes no gênero dos filmes de sobrevivência.
A trama simples do roteiro de Anthony Jaswinski, que segue uma surfista (Lively) presa em um recife de uma praia escondida no México por causa de um tubarão que a cerca, brinca afinal com dois extremos. De um lado, temos o inerente viés lúdico de tais produções, considerado "raso" e que tem no horror e nos testes de vida e morte da protagonista seu principal canal para o entretenimento. Do outro, o viés mais profundo e reflexivo ao qual esse tipo de filme tem se prostrado em tempos recentes (O Regresso, Gravidade, Até o Fim, 127 Horas, entre tantos outros exemplos), cujas temáticas complexas e de reflexo com a própria realidade - representados na história pelo trauma da personagem com a morte da mãe e por algumas referências à dificuldade de comunicar-se, seja pelas múltiplas telas das videoconferências ou nas conversas que misturam inglês e espanhol - sustentam tais obras em estruturas mais pretensiosas e alegorias simples enfeitadas de grandiosas.
O que Águas Rasas concebe dentro de sua proposta de suspense, entretanto, não é optar por uma das alternativas, mas sim a de buscar um meio-termo entre as duas. Diretor que em seus últimos trabalhos tem testado limites de tramas batidas (o mistério em ambiente claustrofóbico de Sem Escalas, o gato e rato de Noite Sem Fim), Collet-Serra alia aqui os clichês básicos do terror com tubarão ao drama interiorizado dos longas de sobrevivência, em uma narrativa que acima de tudo quer potencializar o gênero em seus propósitos e questionar a própria visão do espectador sobre este.
Assim, enquanto se dá espaço ao arco de provações da protagonista pela superação de uma tragédia por metáforas que já saem assumidas do princípio em sua cafonice (e além de servir de "Wilson" ao trabalho de Lively, a gaivota de asa machucada até que funciona bem como alívio cômico e de tensão), o filme, principalmente no início para estabelecer dinâmicas, também explora a todo momento os limites de seu lado mais pornográfico, seja nas belas curvas da atriz principal, na violência de suas situações (que a câmera não teme desviar o olhar, como no corpo cortado ao meio ou na cena da sutura com brincos) ou mesmo no cenário exótico e turístico. Nesse meio tempo, os sets de suspense e ação com o tubarão também encontram soluções inventivas para sair do costumeiro (a situação das balas do sinalizador e do uso do nível da água para esconder as vítimas são particularmente intensas), e Lively os aproveita muito bem na composição de uma atuação que equilibra urgência e desespero nas medidas corretas.
Um equilíbrio que reverbera para todo o restante do filme, felizmente. Pois se Águas Rasas é eficaz na tensão oriunda do embate de sua protagonista com uma força da natureza, um tubarão assassino que oscila entre estar e não estar visível, ele também consegue perturbar o espectador em sua relação com o gênero, na posição que toma perante seus clichês e convenções. Um tormento que dentro da proposta das obras de Collet-Serra é muito bem vindo.
0 comentários :
Postar um comentário