Relação dos fundadores do Planet Hemp é o foco certeiro da cinebiografia da banda carioca.
Por Alexandre Dias.
Straight Outta Compton - A História do N.W.A. tem uma grande história de base, personagens reais fortes e um fundo musical riquíssimo. Por que, então, toda essa qualidade foi limitada no filme de F. Gary Gray? O erro crasso da maior parte das cinebiografias é justamente essa dificuldade de transpor um produto cultural imponente para as telonas. Ou seja, dos realizadores pensarem que a parte cinematográfica em si está em segundo plano e que o tema já é o suficiente para a formação de um longa-metragem.
O roteiro, o tom, a técnica e o trabalho dos personagens são tão importantes em um projeto assim como em qualquer outro, vide A Rede Social, em que David Fincher fez muito mais do que contar quem é Mark Zuckerberg. Os cineastas Johnny Araújo e Gustavo Bonafé entenderam isso e Legalize Já! – Amizade Nunca Morre não deve receber a alcunha genérica de cinebiografia do Planet Hemp. Há uma boa dose de personalidade, ainda que contida em alguns momentos para se adequar aos padrões comerciais.
De longe, o ponto de partida do filme foi a decisão mais acertada: focar na relação entre Marcelo D2 (Renato Goés) e Skunk (Ícaro Silva). O núcleo intimista dos primeiros integrantes da banda carioca cria margem para a elaboração de discussões sociais, culturais e políticas, pontos intrínsecos ao grupo desde o seu início, além do tranquilo desenvolvimento dos seus protagonistas, que, apesar de previsível por um lado, demonstra carisma e maturidade por outro.
Goés e Silva têm uma ótima química nos papéis dos músicos, seja na piada, na briga ou no talento. Os trejeitos que os atores atribuem aos artistas dão a impressão de improviso em determinadas ocasiões; tenha sido isso ou não, o espectador fica ávido pelo que ambos têm a dizer. Consequentemente, os outros personagens são completamente dispensáveis. As interações entre Skunk e Brennand (Ernesto Alterio) e Marcelo e Sônia (Marina Provenzzano), com raras exceções, são mecânicas para a trama, mesmo que haja uma ou outra cena nesse meio que arranque um sorriso ou um aperto no coração. Pelo foco da obra estar em outro lugar é compreensível, porém, nem por isso, deixa de ser perceptível.
O roteiro de Felipe Braga e L.G. Bayão é automático como um todo, especialmente para os fãs do Planet Hemp e aqueles já familiares com a sua trajetória. Contudo, esse direcionamento nos fundadores permitiu não só a abertura para a cinematografia de suas vidas, como de suas ideologias e artes. “Não é sobre maconha”, repete Skunk duas ou três vezes no longa. De fato, a descriminalização das drogas não é o centro dos debates nesse projeto e essa ausência é sentida um pouco, mas o encaminhamento da discussão para o tratamento da cultura no Brasil foi certeiro.
Não é uma pressão absurda nas feridas, porém é jogado um pouco de sal. Fica claro o quanto o nosso Estado não valoriza e não incentiva a música, a arte e as manifestações culturais. Pelo contrário, são vistas com olhos conservadores, dessa maneira os artistas são a linha de frente da resistência. Sem falar na leva de outros assuntos trazidos no meio da criação da banda, que envolvem racismo, desigualdade social e violência policial, por exemplo. Os percalços encontrados pela dupla, principalmente no primeiro ato, reúnem muitas dessas questões, como no momento em que Skunk é abordado pela lei ou na rotina de trabalho D2.
A fotografia acinzentada realça esse cenário brasileiro representado no Rio de Janeiro, enquanto a trilha sonora, composta pelo próprio D2, carrega o clima da produção, seja com os sucessos do Planet Hemp ou de suas influências. Há realmente um cuidado audiovisual singular em Legalize Já! e a linha tradicional que move essa obra para o mercado não diminui a cortesia com a qual ela foi concebida, a mesma que falta para com a cultura no Brasil.
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