sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Crítica: A Forma da Água

Guillermo del Toro vai aos Estados Unidos da Guerra Fria para mais um desfile de referências.

Por Pedro Strazza.

Embora só agora tenha se manifestado como tendência nas temporadas de premiações, não é de hoje que a indústria cinematográfica estadunidense vê a própria História como meio para a glorificação de sua existência. Nascida no espetáculo e criada sob uma classe de prestígio, Hollywood é desde os anos 50 um local consagrado na forte reputação da "terra onde os sonhos se realizam", uma espécie de Disneylândia da realidade que é capaz de transformar o cidadão comum em uma celebridade multimilionária com um estalar de dedos. Sob certo ângulo, o cinema hollywoodiano é um prosseguimento da lógica das promessas de riqueza da expansão para o Oeste (que não por um acaso foi tornado em um de seus cenários clássicos): se você está infeliz com sua vida, este lugar mágico sem dúvida há de solucionar todos os seus problemas.

É claro que esta noção não demora a se comprovar tão falsa quantos os cenários dos sets dos estúdios, e é em cima deste choque de expectativas que grande parte da produção atual voltada ao tema funciona. Os novos (e celebrados) produtos pautados na visão sobre a indústria do entretenimento, porém, se diferem de seus antecessores por trazerem um ponto de vista exterior a todas as engrenagens da máquina e reconhecerem em parte os atrativos do cinema hollywoodiano, feitos por cineastas que de um jeito ou de outro observam este problemático oásis do lado de fora. Se antes este tipo de obra era concebido por diretores com décadas de trabalho nos estúdios - o que gerava por sua vez todo tipo de comentário ácido, desde Crepúsculo dos Deuses à Pânico 3 - a nova onda ainda é relativamente jovem dentro de Hollywood e prefere muito mais abordar as contradições desta indústria da arte.

Isso acaba valendo também para produções mais distantes do subgênero como A Forma da Água, filme de Guillermo del Toro que se princípio parece desvinculada do tema logo mostra-se bastante afiliada a ele. O longa, centrado numa história de amor entre uma jovem faxineira muda (Sally Hawkins) e uma criatura aquática aos moldes do Monstro da Lagoa Negra de 1954 (Doug Jones),  não se ambienta na Los Angeles dos anos 60, mas carrega esta disparidade entre sonho e real impresso em cada penduricalho do cenário retrô de sua Baltimore e serve de temática central ao conto de horror trajado de romance aqui disposto.

O que o cineasta mexicano busca encenar no longa não deixa de ser mais uma de suas paradas fabulescas e reverencialistas, no qual ele desfila toda a sua paixão por um gênero e múltiplos filmes inseridos nestes. Tal qual os antecessores Círculo de Fogo e A Colina Escarlate, A Forma da Água se aproveita muito do alto orçamento para se banhar em todo o tipo de referência do diretor, que desta vez foca suas atenções sobre o glamour da Hollywood clássica e os terrores de monstro norte-americanos tradicionais. O curioso da produção em relação a este aspecto é a frontalidade com a qual del Toro assume suas paixões desta vez, uma espécie de exagero estilístico que chega ao cúmulo de colocar um cenário em cima de um cinema e parar a narrativa para reproduzir números musicais.

Se esta decisão pelo pictórico por um lado intensifica a propensão plástica do cinema do mexicano (uma noção que só se fortalece no casamento sempre equilibrado entre efeitos digitais e práticos da filmografia do cineasta), ela também ajuda a produção a elevar o seu jogo de contradições ao nível do devaneio. Estabelecido no contexto da crise da normalidade dos subúrbios americanos, o longa contradiz constantemente estes esforços da padronização perante a lógica de seus personagens, que de diferentes formas são reduzidos pelo próprio cenário onde tentam se inscrever, desde a protagonista muda de Hawkins aos arcos dos coadjuvantes representantes de minorias vividos por Octavia Spencer e Richard Jenkins - mesmo o vilão interpretado por Michael Shannon tem seu mal justificado pela pressão do sistema sob sua identidade tradicional.

O que A Forma da Água busca neste sentido é um contraste da propaganda do american way of life com a realidade da Guerra Fria, um ambiente que por um lado queria a aniquilação da "ameaça comunista" e por outro era muito restrito nas imposições familiares que impunha sobre seus cidadãos. Alinhado a esta narrativa de exageros, esta proposta termina sendo movida por impulsos emocionais no filme, que se em alguns momentos sabe como direcionar estas batidas a seu favor (a relação entre os personagens de Hawkins e Jenkins, por exemplo, rende uma dramaturgia forte) em outros mostra-se um tanto quanto perdido - em especial em relação a toda a paranoia do período, oscilando entre contexto e mecanismo de roteiro sem nunca se decidir.

É uma pena, então, que del Toro termine rendido à própria nostalgia de sua obra, pois ainda que estes conflitos do emocional sejam responsáveis pelos melhores momentos do longa eles são responsáveis por levá-lo a uma trilha sentimentalista capaz de fazer a produção tropeçar repetidas vezes no próprio raciocínio. No fim, este olhar "de fora" que o diretor traz ao filme soa como uma ampla apologia inocente a Hollywood no reconhecimento de seus problemas mas no contínuo (e insistente) fascínio por sua "magia", tal qual a criatura que a certa altura da trama é encontrada no cinema hipnotizado com a tela gigante da sala e as histórias contadas nela.

Nota: 7/10

1 comentários :

A historia está bem estruturada, o final é o melhor. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes de ficção acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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