domingo, 11 de fevereiro de 2018

Crítica: Cinquenta Tons de Liberdade

Entregue aos dilemas do matrimônio, terceiro episódio assume o viés de produção B mas mantém-se apegada aos problemas de sempre.

Por Pedro Strazza.

Nascido na polêmica e criado na banalidade, a franquia Cinquenta Tons teve uma trajetória um tanto quanto insossa na sua previsibilidade. A adaptação dos livros da escritora E.L. James eram desde o seu anúncio contaminados pelo caráter extremamente problemático do conteúdo das obras, que de fanfics eróticas de Crepúsculo se tornaram em um fenômeno best seller no mundo literário, nutridos do relacionamento abusivo sofrido por Anastasia Steele nas mãos do milionário Christian Grey. Quem acabou com a bomba-relógio nas mãos foi o primeiro filme, cuja inabilidade para lidar com tamanhas questões de problematização levaram a série a uma remodelação criativa completa e ao caminho (talvez esperado) da ridicularização, um rumo tomado como tendência narrativa pelo segundo episódio.

O curioso dessa medida, porém, foi a disposição do diretor James Foley e do roteirista Niall Leonard para adotar este ridículo como DNA da franquia. Se Cinquenta Tons de Cinza foi duramente criticado pela péssima qualidade de seu material, os cineastas tornaram as continuações Cinquenta Tons Mais Escuros e este Cinquenta Tons de Liberdade em obras conduzidas pelo mal gosto, assumindo a precariedade dramatúrgica como blindagem e guiando o relacionamento abusivo de seus protagonistas sob a embalagem de um produto B de "alta" "qualidade", agora um conto de fadas de um amor sadomasoquista com estética de produto televisivo. Neste sentido, as duas sequências se comportam como um díptico bastante desconjuntado dentro da trilogia, um imperado por estas propensões recém-adquiridas de encarar o verdadeiro novelão do roteiro sob o olhar honesto de produção softcore de TV a cabo e cujo grande ponto de transformação reside no casamento de Anastasia (Dakota Johnson) e Christian (Jamie Dornan).

Ainda que seja restrito aos limites da sanidade (ou do senso de "correto" de seus produtores), é por este ângulo de "pornô para patrícios" que o terceiro episódio parece ter impulsionado todo o drama em torno do relacionamento dos dois personagens. Despido dos choques de primeiro impacto e ressignificação dos anteriores, Cinquenta Tons de Liberdade parece enfim estar livre para abraçar a sua vertente B e executar sua história de dominações moralmente questionáveis e falsas libertações com a propriedade purista de um entretenimento de baixo escalão. E o tema é bastante apropriado considerando o público pagante: o casamento, este eterno signo do fim do amor.

A posição central que o matrimônio assume na história não deixa de ser adequada à franquia, que pautada do início pelas "leis" (haja aspas para definir isso) de submissão das relações amorosas estava fadada a encarar esta instituição como o palco final do que é uma grande crise de relacionamento. As forças de atração e repulsão que movem Anastasia em direção a Christian, antes voltadas exclusivamente à violência de seus impulsos sexuais, são transferidas aqui para dentro das dinâmicas de um casal recém-casado, tratando o sexo "selvagem" como alegoria maior para o caminho cheio de choques do amor após sua oficialização. Se a paixão fervente dos protagonistas começa intensa, emendando uma montagem musical atrás da outra - devem acontecer umas cinco no primeiro ato - para repassar com velocidade sua lua-de-mel, a narrativa desenvolvida por Foley aos poucos entrega a vida do casal de volta ao cotidiano e, com ele, os problemas da vida comum - e por "vida comum" há de se entender "dramas de gente rica".

Não existe maior temor a qualquer relação amorosa padronizada, afinal, que o conforto do matrimônio e a revelação da permanência de hábitos idiossincráticos individuais que ameaçam a unidade do casamento, e com Christian e Anastasia isto não será diferente. O lado divertido desta inevitável DR conjugal, porém, é a maneira como Cinquenta Tons de Liberdade busca materializar isso das formas mais lúdicas dentro de sua abordagem dominada pelo mal gosto: se os dois personagens brigam, a tentativa fracassada da esposa em animar o marido no banho sinaliza o afastamento; quando uma "interesseira" é afastada à força por Anastasia, uma perseguição de carros de luxo há de culminar em transa; após um pesadelo, nada melhor que um sexo com sorvete - uma cena, bom demarcar, dentro de uma fuga para as montanhas afim de "reavivar o romance". O ápice desta lógica é a subtrama criminal, que não só parece muitas vezes estar à parte de tudo na trama como vem para servir de clímax à aceitação de Christian do fim de sua "selvageria carnal" por conta do advento de um... bebê.

Se fosse realizado apenas sobre estes grandes choques conjugais trajados de thriller B, Cinquenta Tons de Liberdade talvez conseguisse se elevar ao entretenimento baixo ao qual tanto aspira. O que o priva de alcançar tamanha meta é que, ao invés de se focar no casal em caráter igualitário, este último episódio no fundo ainda mantém como temática maior a tal desconstrução do "monstro interior" de Christian assistida por Anastasia, que por conta deste processo passa por uma jornada de "libertação sexual" - incluindo aí o desfecho da saga - em nada verdadeira. Não deixa de ser o signo maior do conjunto de sinais de mal gosto espalhados por Foley ao longo da trama, mas entre montagens pop, relações sexuais melosas banhadas pelo luar e revelações de nomes à altura de sua cafonice (a mãe de Christian se chama Ella?Sério?), este talvez seja o mais insosso por conta de seu caráter restritivo.

Nota: 4/10

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