Os dez grandes erros do ano que passou.
Por Pedro Strazza.
Existem muitos fatores responsáveis por levar um filme a ser considerado ruim. Para alguns, os erros técnicos sucessivos são suficientes para tornar uma obra desprezível; para outros, o mal posicionamento da produção sobre as temáticas em que se insere são o que definem um trabalho moralmente desprezível ou valioso. Muitas pessoas acreditam que essa definição é feita sob a pesagem destas duas categorias; algumas perseguem a afirmação de que a maneira certa de fazer este julgamento está em outros campos, outras metodologias.
O debate sobre o que torna uma produção péssima, porém, está sempre presente nas discussões sobre cinema, e não é com surpresa que no fim do ano ela ganhe maior destaque graças às listas de piores e melhores do ano. Tomar uma posição sobre uma obra sempre foi e sempre será um ato de confrontação, porque é neste momento que também se toma um lado numa variedade de discussões despertadas por aquele trabalho. Você invariavelmente irá debater os valores de um filme depois de assisti-lo e determinar se gostou ou não dele; quase todas as funções do cinema (e das artes), afinal, estão inseridas nessa discussão.
E quando chega o fim do ano, esses posicionamentos retornam para nos fazer refletir os nossos próprios valores nesses atos, realizados religiosamente à cada sessão.
Esse é só um dos motivos que levam O Nerd Contra-Ataca a realizar todo ano a lista de Piores do Ano, um compilado com as dez piores produções lançadas no circuito comercial de exibição brasileiro entre os dias 1° de janeiro e 31 de dezembro de 2017. Entre os "felizardos" da edição 2017, temos quase como uma constante uma maior preponderância do ego dos envolvidos em suas produções, desde produtores que foram levados a acreditar que aquela decisão seria a melhor para suas franquias a diretores e roteiristas que se deixaram levar pelo "culto do eu" para realizar seus novos trabalhos. Seja a culpa de quem for, a verdade é que estes filmes fizeram o público agonizar nas cadeiras por nada nestes últimos 365 dias, e agora eles precisam ser devidamente exorcizados.
Sem maiores delongas, vamos a eles:
10) Boneco de Neve
É sempre uma surpresa quando um filme capitaneado por cineastas tão consagrados naufraga de maneira vexaminosa, mas em 2017 Boneco de Neve levou esta afirmação a alguns limites consideráveis. A adaptação do livro homônimo de Jo Nesbø teve todo tipo de "star power" atuando na frente e atrás das câmeras, mas o filme que saiu no fim soa como uma abordagem amadora do que se configura hoje como uma superprodução hollywoodiana. E isso não ocorre apenas pelo fato do diretor Tomas Alfredson (que há seis anos brilhava com O Espião que Sabia Demais) claramente não ter filmado todas as cenas do roteiro: junto da montadora Thelma Schoonmaker (colaboradora eterna de Martin Scorsese, que produz o longa), a direção parece se interessar única e exclusivamente no desenrolar do mistério, limando da história qualquer traço de dramaturgia que poderia salvar a produção dos próprios buracos da trama e tornando ainda mais desnecessária a presença de diversos personagens. Pode-se até encarar o todo como um desastre criativo que impulsiona as discussões sobre montagem, mas o longa não deixa de ser um erro.
9) Cães Selvagens
Paul Schrader é para sempre uma das ovelhas negras de Hollywood e isso sem dúvida ajuda o famoso cineasta a fazer seus filmes da maneira que melhor lhe convém, mas existe uma linha muito clara entre estar na sua posição e cometer uma bobagem como Cães Selvagens. Do começo ao fim um aborrecimento constante, o filme se basta de maneira infantil a suas relações de violência e temáticas de envelhecimento, incapaz de prosseguir para qualquer rumo diferente dentro dessas esferas. Nicolas Cage e Willem Dafoe fazem o máximo possível para fazer o material render, mas são esforços inúteis quando seu diretor parece ter desistido de tudo no próprio filme.
8) Ao Cair da Noite
Embora a A24 tenha se consagrado este ano com Moonlight - Sob a Luz do Luar, os detratores dos filmes do estúdio também saíram por cima graças ao que quer que tenha sido Ao Cair da Noite. Em tempos de pós-horror e da discussão sobre a validade desta abordagem, o diretor Trey Edward Shults fez o típico terror pós-apocalíptico de moral condenatória (é mais um daqueles filmes sobre "o horror que está dentro da humanidade") com literalmente TODOS os cacoetes da produção indie americana sobre o gênero, incluindo uma atmosfera "super climática" que nunca dá em algo de valor - já ouço daqui as respostas enraivecidas exclamando "Mas esse é o ponto do filme!" e não percebendo que este é o problema -, uma narrativa subjetiva cheia de símbolos vazios e temáticas de crise familiar e coming of age que são desenvolvidas da maneira mais rasteira possível. Em suma, é mais um daqueles filmes vazios que são consagrados como maravilhosos por sua dita estética arthouse.
Falando em terror arthouse vazio...
7) Mãe!
Darren Aronofsky deve ter ficado bem chateado com a torrente de críticas negativas pra cima de seu Noé, porque o seu Mãe! é quase uma resposta direta elevada à décima potência a seu trabalho anterior. Largando mão de qualquer sutileza possível, o diretor faz o que é na prática um filme sobre criação totalmente deturpado por um senso de egolatria insuportável, com direito ao cineasta traçando paralelo entre ele e Deus, trezentas mil reencenações "simbólicas" da Bíblia feitas à base de cocaína vencida e câmera na cara de Jennifer Lawrence enquanto é destratada de todas as maneiras possíveis pelos outros personagens. Aronofksy sem dúvidas mira o Polanski, mas só atinge o ridículo enquanto se satisfaz com a glorificação subjetiva da própria imagem. Alguns pontos extras por todo o caos gerado pelo filme nas redes sociais e nas rodas de discussão enquanto esteve em cartaz salvam Mãe! de estar mais pra baixo nesta lista, mas há de se convir que tem algo muito errado na forma como se faz cinema quando a única coisa que interessa ao diretor num filme é este senso de provocação imediata.
6) Suburbicon - Bem Vindos ao Paraíso
George Clooney nunca foi um grande cineasta, mas seus primeiros filmes mostravam uma aspiração promissora a alguém disposto a subir essa ladeira. Suburbicon, porém, foi um belo passo na exata direção contrária, com o famoso galã demonstrando ser incapaz de entender e lidar com a acidez do texto de um roteiro abandonando dos Coen e tomando todas as decisões erradas à partir disso. E quando eu digo erradas, é porque elas vão contra tudo o que faz os irmãos cineastas serem o que são hoje: Clooney toma qualquer humor subjetivo como escracho, pesa a mão no posicionamento político em alegorias baratas e faz de uma comédia screwball convencional um retrato de hipocrisias sociais que tem cheiro de naftalina. É tudo tão grotesco quanto a violência da história, feita sob a chave de um humor de péssimo gosto.
5) Rei Arthur - A Lenda da Espada
A que ponto chegamos com Guy Ritchie? O inglês conhecido anteriormente como "ex-marido da Madonna" até teve uns trabalhos bacanas no passado (mesmo O Agente da U.N.C.L.E. é divertido em todos os seus equívocos), mas quem quer que tenha pensado que era uma ótima ideia colocar o diretor pra reimaginar a lenda do Rei Arthur precisa com urgência repensar os seus valores. Sem surpresa alguma, A Lenda da Espada é um desfile de todos os cacos do cinema de Ritchie empregados da pior maneira possível, tornando o célebre protagonista num ladrão boxeador(?) que precisa enfrentar vilões dignos de um game medieval de porrada de quinta categoria em um filme pautado por um frenesi nunca justificado. É um exercício de deturpação feito sem qualquer justificativa maior e que com certeza beira ao horror.
4) O Chamado 3
Ainda em reimaginações pra lá de equivocadas, temos o impressionante monte de fezes que é a terceira (e, se depender da bilheteria, última) incursão da versão estadunidense de O Chamado. Nas mãos do espanhol F. Javier Gutiérrez, O Chamado 3 é uma coleção de escolhas equivocadas e correções de mitologia que não fazem o menor sentido, além de um desfile de momentos de vergonha alheia que parecem saídos do inferno. Se nem na hora de fazer o exploitation da franquia e transportar a cena assinatura da série - isto é, Samara saindo da televisão - para dentro de um avião o terceiro capítulo consegue acertar, imagina no resto.
3) Passageiros
Abrindo os trabalhos do pódio do desastre temos o inacreditável Passageiros, uma das grandes produções tóxicas que circularam pelos cinemas brasileiros em 2017. Uma renegação completa da ficção-científica, o filme escrito por Jon Spaihts e dirigido por Morten Tyldum é daquelas histórias de amor absurdas de tão mal colocadas, colocando uma relação problemática e abusiva como algo normal. Tudo isso dentro de um futuro lindo e confortável, cujas perfeições estéticas e que beiram ao sonho molhado de designers soam como a cortina de fumaça ideal para suavizar o verdadeiro pesadelo em execução aqui. Sem dúvida a grana mais fácil da carreira de Andy Garcia.
2) A Múmia
O Rei Arthur de Guy Ritchie e O Chamado 3 de F. Javier Gutiérrez foram esforços de reimaginação terríveis, mas ficaram comendo poeira quando comparados ao desastre que foi a nova versão de A Múmia, também conhecida como (se tudo der certo) o responsável pelo assassinato precoce do Dark Universe planejado pela Universal. Filme de produtor sem qualquer resquício de imaginação, a segunda reinvenção de um dos grandes monstros do estúdio não consegue funcionar como filme de ação, horror ou comédia, mas mesmo assim tenta ser os três enquanto busca emplacar Tom Cruise como uma super criatura e Russell Crowe como um Nick Fury doidinho dos monstros. O longa de Alex Kurtzman é capaz até de desperdiçar as oportunidades oferecidas na mudança de gênero da múmia, aprisionando Sofia Boutella dentro de um personagem condenado a ser coadjuvante da própria história. Ninguém mereceu isso.
Mas um filme conseguiu ser pior.
1) Beleza Oculta
Porque não é todo dia que a gente vê a estrutura dos dramas edificantes de Frank Capra ser corrompida por completo. É uma façanha e tanto a que o diretor David Frankel e o roteirista Allan Loeb alcançam sem perceber: não só Beleza Oculta é um filme cruel em todos os aspectos possíveis, mas ele também consegue se passar como um filme de moral revigorante. Se o protagonista vivido por Will Smith passa por um drama de luto evidente, isso não impede que seus colegas de trabalho o derrubem da própria empresa num "ato de bondade" e aprendam uma lição valiosa às suas vidas no processo - uma, claro, que não seja "o dinheiro é maior que a amizade". É uma auto-ajuda provinda do pior dos infernos, feita para aterrorizar os espectadores sem que eles percebam - um efeito que, sob certo ângulo, prova mais uma vez o quão certeiro eram as afirmações de John Carpenter em Eles Vivem.
E se o filme consegue herdar este nível de comparação ao terror de uma distopia de um filme de Carpenter, é sinal de que muitas poucas coisas podem ser piores que ele.
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