Os dez filmes do ano que deixaram boas lembranças, apesar de tudo.
Por Pedro Strazza.
Vai chegando ao fim o ano de 2017 e, com ele, vão surgindo as listas e retrospectivas que dão conta de resumir tudo o que aconteceu no ano, dominando as atenções da galera enquanto os fogos não são lançados e 2018 não se inaugura. No noticiário de cinema, isso significa infindáveis publicações com os melhores e piores filmes que passaram pelas telonas (e telinhas) nos últimos 365 dias, um desfile de produções ordenadas que vão gerar todo tipo de debate acalorado entre os cinéfilos. É um momento de reflexão e passagem importante, uma reafirmação e problematização de valores que sem dúvida impacta na forma como pensamos a "sétima arte" e como vamos encará-la no ano que está por vir.
É por isso que no O Nerd Contra-Ataca segue-se o procedimento padrão com as já tradicionais listas de Melhores e Piores do Ano, mas aqui nós também gostamos de abrir espaço a uma terceira categoria que chamamos de Destaques. Porque apesar de ser válido o esforço de agremiar as produções mais primorosas e desprezíveis do último ciclo em conjuntos próprios, nós também acreditamos que existam filmes no meio desses dois caminhos que também mereçam a atenção do espectador, seja porque eles trazem novos nomes ao cenário, tiveram participação vital nos rumos tomados no último ano ou porque apenas tragam aquele "algo a mais" preso a pequenos defeitos que os tornem incapazes de alcançar o topo da lista.
Os próximos dez filmes listados podem não ser perfeitos, geniais ou espetaculares, mas trouxeram esses valores citados acima à mesa dentro das salas de cinema. E em tempos de extremos, de "ame ou odeie" amplificado ao último nível possível de volume no coração das pessoas, essas produções ajudam a gente a colocar as coisas em perspectiva e compreender melhor os últimos meses vividos (e assistidos).
Sem maiores contribuições ou enrolações, vamos a eles:
Passou praticamente batido no circuito daqui e de lá fora, mas a adaptação do livro de memórias da jornalista Jeannette Walls foi uma dessas pequenas surpresas que o ano de 2017 reservou ao público. O eficiente melodrama é trabalhado por Destin Daniel Cretton com todas as trucagens e batidas convencionais do gênero nos dias de hoje, mas nas entrelinhas o diretor desenvolve uma narrativa de formação pautada pelo trauma que pega o seu espectador desprevenido. Ajuda também o fato de Woody Harrelson estar entregando uma grande performance (sem dúvida a melhor em um ano em que o ator ganhou os holofotes por outros trabalhos), num desses trabalhos de atuação que sustenta o filme mesmo quando este arrisca colocar tudo a perder em um final de reconciliações um tanto quanto armadas demais.
Outra produção que pegou muita gente de surpresa foi o Columbus de Kogonada, vídeo-ensaísta famoso que debutou como diretor num longa que bebe bastante do cinema de Yasujirô Ozu. Mas ainda que tenha a rigidez formal do mestre japonês como norte, o cineasta arrisca uma inversão de valores inesperada neste campo que potencializa e sustenta as estruturas mais frágeis de seu filme, especialmente a trama que sai da banalidade para atingir uma narrativa de confluência de gerações muito tocante. Vale ficar de olho no diretor nos próximos anos, muito porque nesta estreia ele estabeleceu temas e formatações muito intrigantes para seu cinema.
- Corpo Elétrico
Em um ano em que a população LGBT reivindicou o cinema para si tematicamente, o brasileiro Corpo Elétrico proporcionou um retrato emocional dos mais curiosos sobre o grupo nas camadas mais pobres do país. Muitas vezes à deriva, o filme de Marcelo Caetano busca mostrar manifestações muito fortes de individualidade desses coletivos, disfarçados à vista de todos durante o dia e que ocupam a noite como ambiente de direito. O trabalho de certa forma se relaciona bastante com o Boi Neon de Gabriel Mascaro - ainda que o eixo esteja invertido, pois se lá era o individual que se manifestava dentro do coletivo, aqui é o coletivo que se compõe como individual -, mas ele desperta simpatia própria pois seu tom vago ajuda a gerar questões difíceis sobre estas duas esferas que habita e (muitas vezes) sobrepõe.
Depois de estourar a boca do balão em 2015 com A Visita, M. Night Shyamalan voltou de vez aos holofotes com esta continuação surpresa de um seus grandes sucessos do passado. Mas até isso se revelar na história, Fragmentado já entregou uma mudança de perspectiva no cinema do diretor, que adquire aqui um olhar desencantado sobre suas eternas narrativas de fábula para afirmar o grande mal que as assola. Shyamalan também repete no longa seu fascínio pelas combinações de diferentes gêneros, pautado agora por uma narrativa de horror claustrofóbico que tira o melhor da fotografia de Mike Gioulakis e das fortes atuações de James McAvoy e Anya Taylor-Joy.
O grande (e surpreendente, se for considerar a situação) vencedor do Oscar de Melhor Filme deste ano mudou bastante coisa nos rumos da premiação mais badalada de Hollywood, mas foi por um motivo muito bonito. Com forte inspiração na narrativa do Amor à Flor da Pele de Wong Kar-Wai, o diretor Barry Jenkins fez da adaptação da peça teatral inédita de Tarell Alvin McCraney uma investigação sensorial dolorosa sobre o espectro da masculinidade na população masculina, um tríptico disposto a mostrar a influência deste suposto ideal de virilidade na formação do homem contemporâneo. Além disso, Moonlight se faz como um conto de amor e de uma descoberta de sexualidade corrompida, um tom de maldição que ajuda a tornar a produção em um belo tormento introspectivo.
Sem dúvida um dos eventos cinematográficos incontornáveis do ano, Mulher-Maravilha chega a essa lista graças ao efeito gigantesco que desencadeou no público. Mesmo que no fim Patty Jenkins perca o controle da estilização que faz do cinema de Zack Snyder e se renda sem qualquer inspiração ao banho de grandes duelos em CGI do diretor, sua introdução segura de um dos maiores super-heróis do imaginário de quadrinhos despertou um sentimento de representação muito forte no pop mainstream e principalmente no público feminino, que pode enfim se ver na telona com a Diana de Gal Gadot. Foi uma contribuição poderosa a todo o processo recente de reformulação da figura da mulher no cinema hollywoodiano de ação, além de uma medida que ajudou a configurar o ano como agora conhecemos.
- Paris Pode Esperar
Embora dentro da família Coppola quem tenha se destacado mais na mídia e no circuito de festivais em 2017 tenha sido a filha Sophia, o retorno discreto da mãe Eleanor à direção gerou um dos trabalhos mais graciosos e sensíveis deste ano. Na superfície um filme de pretensões banais, Paris Pode Esperar na verdade trabalha uma história de pequenas revoluções pessoais dentro de uma rotina já muito sedimentada e impossível de ser revirada ou alterada, inserido ainda em um ambiente de prazeres refinados porém comuns. Por meio de um trabalho sólido de Diane Lane, Coppola entrega um pequeno trabalho sublime, que se banha em texturas e cores para captar uma beleza que se manifesta perante os olhos do espectador mas também parece não ser notada o suficiente por ele.
- Perdidos em Paris
Ainda em Paris, há de se destacar também a comédia com pinceladas de musical dirigida e protagonizada por Fiona Gordon e Dominique Abel. Com um quê de Jacques Tati em sua composição, Paris Pode Esperar é um belo esforço de retomar uma certa leveza à capital francesa, ocupando espaços da cidade das luzes com humor e música para purificar os tempos duros e sombrios que assustam o país e seus residentes - incluindo aí as populações mais aterrorizadas, como os imigrantes e os idosos que servem de tema central à obra. De quebra há ainda a bela visão de Emmanuelle Riva em pleno ar de graça, claramente se divertindo em uma de suas últimas atuações.
- Roda Gigante
É pelo menos desde O Homem Irracional que Woody Allen anda dirigindo sob um olhar mais sóbrio, mas é com Roda Gigante que o famoso, produtivo e problemático cineasta faz o seu filme mais atormentado. Um tormento regido pela culpa, que sem surpresa se manifesta com força no roteiro simples de seu mais recente trabalho, contaminando todos os personagens e situações apresentadas e se direcionando invariavelmente à sua pessoa. Do menino piromaníaco ao cenário da casa que antigamente servia de casa de horrores, Allen produz um de seus trabalhos mais sombrios na projeção à própria figura, palpável na ótima direção de fotografia de Vittorio Storaro e na atuação sólida de Kate Winslet. É o seu Pele de Vênus, seu esforço de auto-condenação que não resta margem para dúvidas sobre a culpabilidade de seus atos passados (seja estes quais forem, no fim das contas); e considerando o cenário atual de constantes revelações de assediadores e estupradores em Hollywood, haja timing.
Se Roda Gigante tratou da figura do culpado, Una faz o inverso. Lidando com um drama de enfrentamento entre um pedófilo e uma de suas antigas vítimas, o longa de Benedict Andrews funciona como adaptação literal da peça "Blackbird", mas ganha fôlego real nas maneiras que encontra para refletir o conflito entre seus dois protagonistas nos espaços ocupados por eles. Embora isso se perca no clímax que escapa desta lógica interiorizada para habitar espaços mais conhecidos, esse dimensionamento dos vazios habitados pelo drama ajuda a sedimentar no filme a noção de um trauma que nunca se findará, um assombro que perseguirá sua principal personagem que agora também será sentido pelo público.
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