Remake estadunidense é bonito por fora, mas tem o interior vazio.
Por Pedro Strazza.
Toda refilmagem passa inevitavelmente por um processo de reformulação de sentidos que ora ou outra irá desfazer o propósito do original para imbuir a trama de novos significados, independente do grau de fidelidade ao qual a produção busque com o antecessor. No caso de A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell, é evidente do início qual é o tom de solenidade com o qual o longa se dirige à animação japonesa de 1995 em que se baseia, tendo o visual do filme de Mamoru Oshii (este por sua vez a adaptação do mangá de mesmo nome de Masamune Shirow) quase como um ponto de referência intocável, a ser atualizado somente pelos efeitos digitais de ponta.
Mas se na imagem o longa dirigido por Rupert Sanders está bastante decidido sobre o tipo de adaptação que quer ser, mostrando uma preocupação bastante evidente de se portar como uma reprodução fiel e não antiquada do original, no conteúdo a produção estadunidense se dissolve em um vazio de intenções tão efêmero quanto a metáfora do "fantasma na concha" que dá nome à obra em inglês. Isso porque Sanders parece querer evitar ao máximo o desafio de tradução ao qual sua obra passa na travessia de um imaginário oriental ao ocidental, preferindo englobar com exclusividade o clima soturno do sci-fi policial de Oshii que tentar abordar o caos temático de reflexões sobre a condição existencial em que esta narrativa se insere.
Isso começa a ficar mais claro quando o longa começa a criar maior distância da animação e efetivamente trilhar caminho próprio. Se o roteiro escrito por Jamie Moss e William Wheeler simplifica a jornada de Major (Scarlett Johansson) à procura de respostas ao estado de um sub-Robocop de tom comedido, é porque a produção em si não possui qualquer ambição com os temas da animação que seja maior que o básico e está atrás aqui somente do ideal visual concebido por esta. Não à toa, o filme segue a cartilha dos remakes hollywoodianos recentes de tratar situações marcantes do original (os dedos robóticos ramificados em mais dedos, a "fabricação" da Major, as lutas e o mergulho na água, o combate da protagonista com o robô aracnídeo no final) como reles paradas nostálgicas obrigatórias, não importando seu significado ou contribuição real à trama.
Esta decisão de seguir um tom mas não um conteúdo logo transforma o filme em um pastiche de referências sem maior inspiração, que consegue até encontrar sobriedade(!) nos designs coloridos de néon do cenário futurístico. Nem mesmo a presença de Takeshi Kitano no elenco - um verdadeiro showman no Japão que como ator tende a proporcionar a caricatura e a postura mais séria em perfeita sincronia na atuação - consegue trazer um respiro a este novo Ghost in the Shell, que soa inerte nas suas tentativas de repetir os atrativos da animação sem de fato se arriscar a se enveredar por eles.
Este erro de concepção (e de falta de percepção) de certa forma aproxima A Vigilante do Amanhã da refilmagem de Robocop, outra produção que além de tratar do eterno enfrentamento entre homem e máquina sob limites mais tênues também se fazia como uma versão compacta e sem margem para riscos da original. A comparação, porém, não vem para bem, pois enquanto o longa de José Padilha tinha pelo menos na atualização da trama e no advento de dilemas contemporâneos um escape para suas inevitáveis limitações, o remake de Sanders soa como um produto deslocado, incapaz de tanto dar vazão às questões que tenta promover quanto de aproveitar o potencial de Johansson como atriz de ação, usando-a em cenas que ressaltam ainda mais o sentimento geral de repetição e aborrecimento proporcionados pelo filme.
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