sábado, 31 de outubro de 2015

Crítica: Rastro de Maldade

Faroeste de horror desconstrói ideais do Velho-Oeste pela violência e comédia.

Por Pedro Strazza.

Em primeira análise, chega a ser curioso que Rastro de Maldade estreie no 2015 do ápice do feminismo e da problematização da real igualdade de gêneros. O filme, que no primeiro ato já admite de maneira indireta a vontade de fazer um faroeste "à moda antiga", refaz a provação de virilidade típica dos clássicos, incluindo clichês como o da donzela em perigo e dos indígenas vilanescos, na trajetória traçada por seus cavaleiros em sua jornada de resgate que em teoria legitimaria sua masculinidade e superioridade perante a natureza.

Mas tais quais os eventos mostrados mais para frente na história, aqui nem tudo é exatamente o que parece.

Escrito e dirigido pelo estreante em longas S. Craig Zahler, a trama acompanha quatro homens de uma cidade localizada na fronteira dos Estados Unidos que saem para salvar a mulher do aleijado fazendeiro Arthur O'Dwyer (Patrick Wilson) de um grupo de índios "trogloditas". Entre eles, além do marido, temos o xerife Franklin Hunt (Kurt Russell), o pistoleiro engomadinho John Brooder (Matthew Fox) e o delegado suplente Chicory (Richard Jenkins), todos silenciosamente buscando tirar da missão uma prova subentendida de sua eficácia no mundo violento ao seu redor - e já muito bem estabelecido na violenta e crua sequência de abertura da obra.

Esta demonstração empreendida pelos quatro homens é desenvolvida por Zahler de forma discreta nas mais de duas horas de duração do filme, em atos pequenos mas bastante evidentes. Da verdadeira via crucis empreendida pelo fazendeiro - claro protagonista central nessa provação, vale acrescentar - em andar quilômetros a pé mesmo sem condições ao aparente desprezo do pistoleiro com relação à mulher ("os homens que se casam são mais fracos"), existe em Rastro de Maldade um viés ultrapassado dos protagonistas em testar o ideal de macho alfa que há dentro deles, cada um com uma motivação diferente e de acordo com seu estereótipo.

Mas o que torna o filme de fato interessante ocorre a partir do momento em que o grupo se aproxima de seu destino, pois apesar de certa maneira realizar essa virilidade de seus personagens ele também não esconde o ridículo da situação. Entra aí o lado de horror da história, que pelas mãos dos velozes índios canibais (representados aqui como verdadeiras forças maléficas da natureza, com seus gritos guturais e animalescos) começa a dar cabo dos ideais de superioridade de cada um, em cenas de puro gore e humilhação. Nesse momento, Zahler também não esconde seu escárnio com os próprios personagens, como comprova o "Vocês são idiotas?!" proferido pela esposa de O'Dwyer, ao saber que o marido aleijado está vindo ao seu resgate, e a progressiva revelação da falta de adequação do envelhecido delegado suplente para a tarefa, interpretado muito bem por Jenkins com discretos e bem pontuados toques de humor.

Embora se demore nessa virada de roteiro e até chegar nele soe como um eficiente porém obsoleto exemplar de gênero, Rastro de Maldade funciona por contestar essa masculinização subentendida do faroeste por meio de uma combinação com o terror de sobrevivência. O fim simbólico de tais convicções, presente no encerramento do filme, vem tanto de maneira honrada quanto última tirada do diretor com a imbecilidade do que retrata, já que a morte honrada não é a mais confortável de todas por somente "vingar os mortos", como um desesperado xerife diz em determinada altura da viagem.

Nota: 8/10

4 comentários :

Que viés de análise nada a ver... A pessoa incluir machismo e feminismo num filme desses... Afffff.

Olha, dá pra incluir sim camarada. As mulheres cegas e aleijadas no final demonstram que o homem quer ser a força e as estupra infinitamente. É uma maneira de dizer que a mulher não serve pra nada para estes e muitos homens que não estão nem perto de serem selvagens. Fica ai a dica de analogia pra vc.

Uau! Surpreendendo inesperadamente, este faroeste possui as trivialidades cotidianas deste gênero mais novas paragens, roteiro, fotografia, as quais no todo agrada em cheio aos que gostam dos tiros mas àqueles também obcecados por um pouco de terror. Muito bom! Quase um 10!

Sempre tem os chatos moralistas. Gente chega de feminismo e machismo. Assistam o filme.

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