A metamorfose humana em meio ao combate à AIDS
Por Pedro Strazza
Ron Woodroof (Matthew McConaughey) era uma dessas pessoas ignorantes sobre esse assunto. Morador do interior do sul dos Estados Unidos, este eletricista redneck preconceituoso, misógino e trapaceiro vivia seus dias na base da bebida, das drogas e do sexo desenfreado até ser diagnosticado, em 1985, com o vírus HIV e receber a notícia de que tem apenas 30 dias de vida. Inicialmente adverso ao diagnóstico, Ron rapidamente toma consciência de sua condição crítica e começa então a buscar opções para melhorar seu quadro clínico - primeiro subornando um enfermeiro para obter o recém-aprovado medicamento AZT, depois indo até o México para encontrar um tratamento alternativo. E é justamente no país vizinho que ele encontrará uma solução para todos os seus problemas, retratado neste Clube de Compras Dallas.
O plano de Woodroof é deveras simples: Comprar os medicamentos contra AIDS não aprovados pelo governo americano, trazê-los para dentro do país e vendê-los aos portadores da síndrome. O problema é que, além de entrar em choque com a lei, ele precisa deixar seus preconceitos de lado para conseguir vender as drogas. Assim, inicia-se no interior de Ron um processo de reformulação de seus valores, que, apesar de não o transformar em um novo homem, fará dele uma pessoa mais tolerante.
O primeiro sinal desta metamorfose já é o contato que ele tem com Rayon (Jared Leto), um travesti também contaminado pelo vírus. Bastante tumultuosa no início, a relação entre os dois aos poucos deixa de ser apenas de negócios para constituir uma amizade das mais improváveis e interessantes, mas não menos importante. A atitude agressiva de Ron ao ver um ex-colega se recusando a cumprimentar Rayon no supermercado, por exemplo, pode ser a princípio pequena, mas já é um grande avanço cultural de sua pessoa que, há alguns meses, tomaria uma posição similar ao do conhecido cheio de preconceitos.
Nesse ponto, a escolha do elenco mostra-se extremamente competente. Enquanto McConaughey mais uma vez se prova um ator de primeiro escalão na Hollywood de hoje ao incorporar todos os trejeitos de Ron com uma profunda alteração corporal (e finalmente deixando de lado a estigma de "protagonista de comédias românticas clichês"), Leto traz simpatia e humor bem dosado a seu Rayon, criando em alguns momentos a sensação de deslocado que a personagem sofre - repare nos ombros claramente masculinos quando ele usa seus vestidos ou nas trocas regulares de peruca. Até Jennifer Garner acerta na sua atuação, compondo uma doutora Eve contida na sua indignação contra a burocracia.
A transformação de Ron como ser humano, porém, começa a sofrer problemas no desfecho da produção. Como mencionado anteriormente, o sulista nunca deixará de fato uma posição preconceituosa e trambiqueira, pois ela é parte das fundações de sua personalidade - sua linguagem, por exemplo, nunca deixa de usar a palavra "viado" na hora de xingar durante o longa todo. Entretanto, a direção de Jean-Marc Vallée procura ao final evidenciar no protagonista uma mudança completa de seu perfil, o que torna todo o procedimento construído no filme um pouco fora do tom da proposta. A crítica social de Clube de Compras Dallas à vagarosa burocracia médica americana no momento de aprovar a comercialização de medicamentos também perde força nesse propósito, sendo esvaziada no momento em que o diretor faz de Ron uma espécie de bastião contra o governo - algo completamente fora da linha de raciocínio estabelecida até ali.
Mas esse encerramento precário não tira da obra sua importância. Contando com atuações maravilhosas de seu elenco, Clube de Compras Dallas promove um importante debate sobre a AIDS sem deixar seu público em meio ao discurso burocrático e cansativo. Além disso, o longa traz em seu interior um estudo de personagem dos mais interessantes sobre um homem que, como o homem no rodeio, ficou em cima do touro que é a vida até onde conseguiu.
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