Filme explora escravidão sob nova perspectiva
Por Pedro Strazza
Baseando-se no livro autobiográfico homônimo de 1853, McQueen volta seus olhos para a história da população negra nos tempos da escravidão - momento não só o mais humilhante desse povo, como também da humanidade - pelos olhos de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem livre que acabou sendo enganado, afastado de sua família e escravizado por longos doze anos. Nesse período sofrível, Solomon perde tudo (inclusive o nome) e sofre das mais variadas torturas, físicas e psicológicas, dos mais variados senhores, se apegando apenas à esperança de um dia voltar a ver sua mulher e filhos.
A trama de 12 Anos já é sozinha um palco perfeito para que um melodrama óbvio e desinteressante sobre os escravos se inicie, mas a mão de seu diretor transforma o filme num retrato de época emocionalmente pesado das condições opressivas enfrentadas por esse povo. O objetivo de McQueen, entretanto, não é o de apontar quem são os culpados de inventar esse sistema tão deplorável, mas sim de apresentar o lado dos negros e suas dores e perdas no meio desse processo, centrando, claro, na figura de Solomon. O protagonista, inclusive, passa a perceber que não é o único a ser privado de viver, e ele passa a enxergar isso nos seus companheiros de trabalho, como a mãe Eliza (Adepero Oduye) ou a colhedora de algodão Patsey (Lupita Nyong'o, fazendo uma estréia brilhante no mundo cinematográfico) - a primeira é separada de seus próprios filhos, e a segunda, de sua liberdade de amar.
Para criar esse ambiente de aprisionamento e devastação humana, McQueen utiliza de planos quase sempre fechados na hora de filmar seus personagens, evocando no espectador assim a clausura vivida pelo protagonista, e alterna logo em seguida para as belas paisagens da região na qual a história se passa, geralmente visualizando alguma forma de submissão a um homem branco. Esse sentimento só se intensifica nas cenas noturnas, onde as velas são a única referência visual para o público ver mesmo o que acontece - quando um dos escravos é assassinado no navio, por exemplo, só se entende a ação ocorrida no momento em que vemos a faca à luz de uma lanterna. A técnica de McQueen na hora de filmar, por sinal, é um dos pontos fortes de 12 Anos, a exemplo do espetacular plano-sequência de cinco minutos envolvendo as personagens de Chiwetel, Michael Fassbender e de Lupita.
O elenco escolhido pelo diretor é outro diferencial. Recheado de atores conhecidos do grande público, como Brad Pitt, Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti e Quvenzhané Wallis, McQueen vai utilizando o seu vasto casting em pequenas e cruciais pontas, conseguindo extrair de cada um o ponto mais forte de sua atuação - A participação de Pitt, por exemplo, é ridiculamente mínima, mas sua performance não deixa de ser muito boa.
Mas se nos coadjuvantes McQueen soube dosar muito bem, com o protagonista e o elenco de apoio principal ele acerta em cheio. Os desempenhos de Ejiofor, Nyong'o e Fassbender são felizes pois não polarizam suas personagens em figuras caricatas de bem ou mal: Enquanto o último constrói ao cruel senhor de terra Edwin Epps uma crença de que o que ele faz é certo, Chiwetel e Lupita trazem em Solomon e Patsy todo o sofrimento causado neles - principalmente ela, cuja dor em ser um objeto de desejo do mestre é sentido a todo momento.
Marcado pelo sentimento da dor e da perda, 12 Anos de Escravidão é um triste relato de uma situação ainda (e infelizmente) atual - o próprio filme sofreu desse mal na Itália. A sofrida história de Solomon Northup não só não pode ser esquecida como deve ser lembrada e refletida pelo público na hora de abordar assuntos como o preconceito, o racismo ou a escravidão em seu cotidiano. E Steve McQueen soube como ninguém trazer esse tema com respeito e sem cair no clichê ou no exagero.
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