sexta-feira, 1 de junho de 2018

Nos Cinemas #2: Esplendor, Tully, Gnomeu e Julieta 2 e mais

Nossos comentários sobre algumas das estreias das últimas semanas.

Por Pedro Strazza.

  • Esplendor

Naomi Kawase desde o início da carreira mostra uma filiação muito forte a um cinema dito sensorial, mas conforme a diretora foi se enveredando por narrativas mais tradicionais este traço de sua produção também passou por remodelações internas. Da fase experimental de Katatsumori e Carta de uma Cerejeira Amarela em Flor aos trabalhos recentes como Sabor da Vida, passando obviamente pela fase da descoberta de sua pessoa pelo Festival de Cannes, a cineasta japonesa ao longo dos anos foi descobrindo novas maneiras de enquadrar os pontos e temas característicos de sua direção a histórias mais tangíveis ao público, criando uma trajetória de experiências que em seus melhores dias encontrou obras muito fortes - como o A Floresta dos Lamentos, que lhe rendeu o Grande Prêmio do Júri na Croisette em 2007.

Por outro lado, há casos na filmografia de Kawase em que estas intersecções acabam desembocando em uma rota de reiterações temáticas nem tanto funcionais da diretora, e talvez o melhor exemplo desta tendência seja este Esplendor que rendeu a ela novos elogios em Cannes no ano passado. O longa, que conta a história de uma tradutora de filmes para deficientes visuais e sua relação com um fotógrafo à beira de ficar cego, a princípio se propõe como uma obra que vá reaproximar a cineasta às suas origens, usando de uma narrativa tátil para desenrolar os caminhos do romance proposto. Texturas não faltam à produção, que investe constantemente numa simbologia direta para revelar a camada de tragédia e aceitação que envolve os arcos de seus protagonistas - a exemplo dos "olhos nas chamas" que Kawase em determinado momento produz em uma lareira.

Seria um esforço admirável da parte da diretora se o filme estivesse um tanto disposto a criar novos caminhos em seu cinema, mas no fundo Esplendor está confortável demais em reproduzir as batidas emocionais conhecidas de sua autora para arriscar novas abordagens sobre os mesmos temas. A experiência sensorial então vai aos poucos se desfazendo perante a repetição banal de situações e tópicos, atrevendo-se até de revisitar as conhecidas relações fúnebres de Kawase com a natureza e a arte pelo mesmo prisma de Floresta dos Lamentos ou mesmo Carta de uma Cerejeira Amarela em Flor (a bem da verdade, este novo trabalho parte de uma premissa similar ao documentário sobre o crítico e fotógrafo Kazuo Niishi, mas no campo da ficção). É um desmonte que parece reforçar a opinião dos críticos de seus trabalhos recentes, cuja afirmação maior é a de que ela estaria confundindo uma maior sensibilidade cinematográfica com cafonice pura.

  • Os Fantasmas de Ismael

Tal qual os milhares de filmes metalinguísticos sobre a crise de seus respectivos autores, Os Fantasmas de Ismael trafega sempre muito próximo do caos incontrolável. O novo trabalho do francês Arnaud Desplechin soa como um gigantesco exercício de malabarismo ao tentar equilibrar na mesma história a crise de um casal (Mathieu Almaric e Charlotte Gainsbourg) com o retorno da ex-esposa do homem (Marion Cotillard), o drama desta própria ex-esposa ao voltar para casa depois de anos desaparecida e as aflições deste homem para finalizar seu novo longa, cuja premissa também é recontada nas telas.

O que soa como o princípio de um gigantesco desastre narrativo, porém, aos poucos vai se revelando na principal ferramenta de Desplechin para navegar pelos seus próprios dilemas, aproveitando da confusão de tantos arcos e linhas narrativas distintas para convertê-las em direção aos temas que efetivamente lhe interessam. O procedimento é exaustivo e não escapa de fazer algumas vítimas ao longo do caminho - toda a trama da personagem de Cotillard, por exemplo, termina um tanto deslocada do resto - mas consegue despertar todo tipo de reação ao longo de suas quase duas horas de projeção, ainda mais por estar ancorada em boas performances de seu elenco.

O mais fascinante de Os Fantasmas de Ismael, no entanto, é sua localização enquanto produto de tormento criativo e sua predisposição em brincar com a imagem de seu autor no processo, e neste sentido o diretor aproveita ao máximo da performance de Almaric para expor suas angústias e divagações na tela mesmo quando elas não passam da mais pura birutice. O contraponto a todo este processo estranhamente surge na personagem de Gainsbourg, cujos sentimentos conflitantes de repulsa e atração ao amado ajudam a nortear grande parte das atenções do espectador sobre os acontecimentos mostrados. 

  • Gnomeu e Julieta - O Mistério do Jardim

Embora continuações tardias de animações de sucesso tenha se tornado uma espécie de padrão na Hollywood atual, é um tanto curioso quando ocorre o caso como o de Gnomeo e Julieta, um típico exemplar da produção que não consegue se firmar o suficiente no imaginário do público para possibilitar este tipo retorno mas resolve passar pelo processo de qualquer forma para seguir a tendência do mercado. Assim, sete anos depois do original, a releitura da clássica peça de William Shakespeare com simpáticos gnomos de jardim ganha uma sequência que expande os conceitos da história o suficiente para embarcar em outra obra conhecida (e posta em domínio público), os livros de Sherlock Holmes.

Como em outros produtos deste verdadeiro exercício de repaginação, Gnomeu e Julieta - O Mistério do Jardim parte de uma condição de reinício muito clara ao qual o filme tentará se firmar ao longo de sua duração, não fazendo muita questão de forçar a memória sobre os fatos da aventura anterior para contar a nova (até porque ele não tem como exigir isso, já que seu público-alvo desta vez nem tinha idade para prestar atenção na época do lançamento do primeiro capítulo) e se dispondo a criar sua própria mitologia em torno das tramas que busca alinhar. Assumido pelo inglês John Stevenson - que tal qual o diretor do anterior, Kelly Asbury (curiosamente ainda presente no elenco de dublagem), chega ao projeto graças à sua experiência na Dreamworks - a sequência tem como meta principal encontrar paralelos entre as histórias escritas por Shakespeare e Arthur Conan Doyle pelas vias da releitura lúdica e altamente moldável da animação, criando conflitos entre os dois pares protagonistas enquanto Sherlock Gnomes (Johnny Depp) e Watson (Chiwetel Ejiofor) tentam salvar a comunidade de gnomos de jardim ao qual pertencem (e agora lideram) Gnomeo (James McAvoy) e Julieta (Emily Blunt).

Não demora muito para a continuação começar a cair nas tramas rotineiras e de soluções fáceis - que incluem uma sequência de reviravoltas esgotante no terceiro ato - mas apesar desta predisposição a se manter no simples a animação encontra algum espaço dentro da criatividade visual que tem para mergulhar na Londres de Conan Doyle sob as vias da docilidade de seu mundo - a sequência em Chinatown tem seus momentos, por exemplo. No mais, mesmo que sem a esperteza do segundo Paddington, este segundo Gnomeo e Julieta é outra produção infantil que encontra na óbvia contemplação dos itens da cultura inglesa um reflexo da necessidade do Reino Unido do pós-Brexit em tentar retornar culturalmente ao ícones de seu passado, um viés de análise que no cenário de hoje nunca deixa de ser interessante de se acompanhar.

  • Tully

A carreira de Jason Reitman é lembrada por muitos pelo viés do humanismo que seus filmes possuem por sempre circundarem temas contemporâneos com suposta sensibilidade, mas talvez seja pelas vias do cinismo com a classe média estadunidense que o cinema do diretor de fato funcione. Embora seus trabalhos mais celebrados - como Amor Sem Escalas e Juno - abordem pontos nervosos da sociedade atual, eles na verdade se destacam dentro de sua filmografia pela desconstrução que realizam por trás dos dramas encenados, usando de muitas cargas de hipocrisia para revelar o que de fato movimenta este conjunto de idiossincrasias destas camadas sociais na atualidade. É um sentido que explica em parte o porquê do cineasta trabalhar com frequência com Diablo Cody, roteirista cujo principal atrativo é justamente o comentário ácido sob a vida nos subúrbios e o dito american way.

O problema desta lógica empregada por Reitman em sua direção é que ela nem sempre parece reconhecer ou disassociar os diferentes níveis de auto-regulação por trás destas comunidades, uma medida que em seus piores momentos pode soar como uma crítica muito rasa e unidirecional ao conformismo desta classe. É o caso de Tully, terceiro projeto feito em parceria com Cody que tem no âmago de sua premissa a história de uma mulher (Charlize Theron) que, exausta pela rotina difícil de um casamento com dois filhos, encontra na gravidez do terceiro um ponto de crise impossível de ser superado. Rendida pela exaustão e com o marido (Ron Livingston) tomado pelo trabalho, ela resolve contratar uma babá noturna (Mackenzie Davis) para ajudá-la nos primeiros meses com o bebê.

A dinâmica entre as atuações de Theron e Davis, criada conforme mais informações sobre a babá são reveladas na história, é o único ponto mais forte de um filme que em muitos momentos mostra-se enclausurado pelo drama que retrata. Em outro cenário isso talvez bastasse ao filme em suas propensões, mas aqui esta decisão sabota a produção porque Reitman no fundo não tem o mínimo tato para tratar destas relações maternais fora do escopo social em que se enquadra habitualmente, algo por sua vez capaz de banalizar a maior parte da força do roteiro neste viés do desconforto com o conforto do subúrbio. Não que Cody também esteja em seu melhor jogo com o longa, a exemplo da reviravolta de inspiração bergmaniana que joga pela janela qualquer ângulo que a autora tenha tido no desenvolvimento da história, mas talvez esteja na hora dela procurar outra parceria para executar seus roteiros.

  • Verdade ou Desafio

A Blumhouse fez sua reputação como estúdio de sucesso nos terrores juvenis de baixo orçamento que produziu ao longo dos anos, então chega a ser uma surpresa que a produtora tenha pensado só agora na sua versão de Premonição. A proposta do Verdade ou Desafio de Jeff Wadlow, afinal, é exatamente a mesma da franquia de horror de sucesso dos anos 2000, colocando um grupo de jovens (liderados pela estrela adolescente Lucy Hale) para enfrentar uma força mística maligna que é impossível de ser superada e tendo como principal atrativo de início as consequências daqueles que não conseguem vencê-la - lá a morte irritada por ter sido enganada, aqui uma espécie de demônio latino que força adolescentes a jogar uma partida mortal de verdade e desafio.

O filme em si é uma grande bagunça por conta da inversão que Wadlow e seus três co-roteiristas tentam fazer aqui entre as estruturas do drama e terror adolescente, que não só esvazia o propósito sádico das mortes mas também torna a história num imenso novelão digno das séries da MTV. É uma jogada que não deixa de ter um fundo bem intencionado, conforme o longa demonstra estar atento à faixa do público atraída aos cinemas pela figura de Hale e joga nas convenções dramáticas que bem atendem esta porção, mas ao mesmo tempo este exercício se revela uma aposta furada à partir do momento que estas dinâmicas perdem o sentido dentro do campo do horror. Além inúmeras reviravoltas de escopo televisivo serem fracas, o banho de sangue nunca chega às vias do macabro para conseguir compensar esta limitação.

O que é mais interessante no longa, porém, é a maneira como ele lida com o seu personagem gay da história, interpretado por Hayden Szeto. Como no recente Com Amor, Simon, a narrativa de Wadlow parece deslocar todo o arco do garoto a uma esfera própria, mas se na comédia romântica esta abordagem era pelas vias centrais no terror ela se torna um núcleo coadjuvante quase independente, com suas dificuldades para se revelar para o pai policial constantemente se desenvolvendo fora do quadro e da trama principal - o próprio desafio proposto pela entidade ao jovem de sair do armário, inclusive, se dá separada dos amigos. É uma coincidência acidental, mas que muito possivelmente merece a atenção.

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