sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Crítica: Rodin

Cinebiografia do famoso escultor cai em formatos tradicionais, mas encontra na arte um conduíte digno.

Por Pedro Strazza.

Auguste Rodin foi um artista que à sua maneira desafiou os valores de sua época. Ainda que nunca tenha sido classificado como transgressor, suas produções realísticas e dotadas de superfícies irregulares iam na contramão das buscas idílicas do ideal de seus contemporâneos, uma atitude que se por um lado o diferenciou a ponto de se tornar um dos escultores mais conhecidos da História também o tornou numa figura periférica do cenário artístico de seu tempo.

Esta contrapartida é um dos principais temas de Rodin, cinebiografia do autor escrita e dirigida por Jacques Doillon que fez passagem discreta na competição da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano. É a distância do escultor da comunidade parisiense que surge a princípio como elemento central do drama do longa, que opta por seguir um caminho seguro e trabalha o artista (vivido por Vincent Lindon) pelo viés universal do tormento de criação, um dilema recorrente em obras dedicadas a criadores e seus trabalhos.

A presença desta temática no centro de todas as coisas já é um indício de que a produção será convencional em muitos sentidos dentro daquilo entendido como filme de arte (ou, no mínimo, as obras que frequentam os festivais de cinema de prestígio). Situada no período no qual Rodin foi comissionado a produzir a Porta do Inferno e o monumento em homenagem ao escritor até então recém-falecido Honoré de Balzac, o longa faz o caminho tradicional no que consta a protagonistas dotados de imensa fúria interna, filmando em planos longos o artista enquanto produz no interior de seu ateliê para expor sua intensidade criativa. Rodin é, ao olhar de Doillon, tão atormentado quanto suas esculturas buscam se portar, e nesse sentido Lindon vive o escultor de maneira consideravelmente previsível, com o semblante quase sempre franzido e uma movimentação mais bruta.

Seguir lógicas conhecidas não é um problema no cinema, mas para o filme ela funciona quase como se acuasse a produção em alguns momentos, como se Doillon se forçasse a seguir um livro de regras imaginário ao invés de trilhar caminho próprio atrás do retrato de seu objeto de estudo. Quem acaba por sofrer mais neste processo é o próprio drama, que muitas vezes se encontra perdido e ineficiente quando para trabalhar o relacionamento extra-conjugal de Rodin com a também escultora Camille Claudel (Izïa Higelin). A situação logo se transforma em um triângulo amoroso de viradas e conflitos previsíveis, com direito a ultimato e amante e esposa se confrontando no ateliê, além de ter pouco a oferecer sobre o impacto emocional que o caso teve à carreira dos dois artistas - especialmente Claudel, que tem seu trágico fim suprimido da trama.

Ao diretor e roteirista, porém, interessa mesmo apenas o espírito em conflito de seu protagonista, e se no drama a obra emperra na arte ela encontra o espaço ideal para desovar tais angústias. Entre os corpos despidos, os diferentes materiais esculpidos e a pose atarracada do escultor, Rodin se faz num interessante filme de texturas, filmando essas diferentes superfícies de forma quase pornográfica afim de encontrar o ponto de fascínio da produção do autor e a evolução de seu processo criativo, movido pela aceitação inevitável de uma maior liberdade estilística. É uma maneira inesperada de enquadrar o personagem, de fato, mas a narrativa ganha força conforme o artista começa a improvisar e o longa (na medida do possível) se liberta de seu rigor formal pré-estabelecido - quando Rodin vai transar com duas modelos, por exemplo, a câmera se basta em filmar as preliminares sobre o filtro do vidro da porta, que forma um inesperado quadro abstrato à partir da situação.

Quando inscrito nesta abordagem, Doillon chega a se esquecer do cinema prestigiado que busca alçar seu trabalho e passa a atuar sob efeito das sensações que capta com a câmera, guiando-se por aquilo que seu personagem absorve do mundo - o choro na exposição de Claudel, o olhar obsessivo quando faz seus desenhos de observação, a mão na superfície irregular das estátuas - e põe em seus trabalhos. O filme nunca se desvencilha de seu formato tradicional, é verdade, mas esses pequenos momentos de fuga soam como suficientes à produção para dar ao seu retrato de Rodin um olhar menos contemplativo e mais tátil de sua persona, bem ao gosto do artista.

Nota: 6/10

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