Nova versão do monstro serve ao Dark Universe como teste de audiência.
Por Pedro Strazza.
Se este movimento de inchaço soa a princípio como um reajuste de escala honesto - seria difícil assumir o tom grandioso que a produção propõe para o futuro se não houvesse esta disposição logo do início - ele no fim é o elemento central da implosão que ocorre na produção comandada por Alex Kurtzman, cuja demanda por múltiplas histórias de propósitos muito diferentes termina por fragmentar o projeto em cacos incompreensíveis. Na falta de um termo melhor, a nova Múmia se comporta como o típico filme de produtor, onde sobram ideias e falta uma execução capaz de conciliar todas estas em prol de um eixo que as verbalize e as ordene, resultando por sua vez em uma obra que mira todas as vertentes para ver se qualquer uma destas agrada o público.
Assim, não chega a ser uma surpresa que a produção soe como um grande (e ensurdecedor) teste de audiência, com o agravante de um déficit de atenção nítido que o impeça de esboçar um tom mínimo para os acontecimentos em cena. Kurtzman mira aqui uma espécie de grande colagem de elementos que deram certo na franquia no passado com outros que funcionam no cenário atual, alinhando sob uma mesma trama o horror da Múmia original de 1932, o clima de aventura despretensiosa dos longas dirigidos por Stephen Sommers e a fórmula cada vez mais rígida dos filmes de ação estrelados por Tom Cruise - que aqui parece disputar espaço ao invés de compartilhar o protagonismo com a múmia da vez, a amaldiçoada princesa Ahmanet (Sofia Boutella). O resultado, porém, está longe de ser um caldeirão efervescente de referências pop e se aproxima do pastiche mal planejado, com a narrativa se alternando entre humores muito distintos - todas as cenas envolvendo o personagem de Jake Johnson, por exemplo, soam deslocadíssimas - e sendo incapaz de assumir à trama um próprio.
Essa incapacidade da produção também parte do roteiro escrito por David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman, cujo malabarismo entre uma história localizada e outra maior imprisiona o longa em uma premissa grandiloquente, simples e ao mesmo tempo genérica de ação. Se esta nova versão passa grande parte do tempo inoperante, é porque o filme não consegue entender o funcionamento (e, portanto, o potencial) da própria obra que constrói, optando por priorizar o aumento do escopo para depois pensar a lógica da narrativa. Quem mais sofre neste processo é o embate central entre Ahmanet e o mercenário vivido por Cruise, cuja dinâmica de maldição e amaldiçoado aos poucos se deturpa a uma versão risível onde o soldado destinado a incorporar uma criatura maligna precisa decidir entre usar os poderes para bem ou mal, representados respectivamente por Ahmanet e a personagem de Annabelle Wallis - uma trama típica de super-heróis, outro ingrediente perdido neste rocambole de referências sem qualquer consistência. Tudo isso ocorre enquanto o Dr. Jekyll de Russell Crowe vive a anunciar e reanunciar o seu mundo de "deuses e monstros" ao espectador, como se isso fosse suficiente para normalizar tudo e anular todas as contradições emergentes.
Sobram ainda mais elementos nessa tentativa energúmena de ativar uma grande narrativa que envolva todos os monstros do estúdio - temos os acenos típicos às outras franquias no laboratório de Jekyll, as infames múmias zumbis e a estranha sensação de que tudo possa ser uma gigantesca emulação mal executada de Missão: Impossível -, mas a bem da verdade tudo não passa de uma farsa sem disfarces. Pois ainda que busque um ambicioso futuro e tente trazer sua criatura ao presente, o que esta A Múmia realiza, presa aos instintos flutuantes do mercado, é justamente o contrário.
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