Presa aos valores originais, novo capítulo busca renovação sem se reinventar.
Por Pedro Strazza.
Dentro da série Piratas do Caribe, o mar sempre representou uma espécie de paraíso perigoso aos oficiais e piratas que por ele navegam. Se por um lado o oceano que serve de palco aos grandes espetáculos pirotécnicos da franquia carrega um ideal de desprendimento anárquico antagônico às normas e o conforto da terra firme (afinal, nenhum capitão está a salvo de um motim), esta libertação da vida de fora-da-lei marítimo também acaba levando seus indivíduos a caminhos traiçoeiros pelo excesso de selvageria que esta condição acaba por trazer a eles. Não à toa, o cenário da série sempre possui uma maldição nova a ser revelada, que atinge tripulações inteiras em sua ambição de manter-se constantemente pilhando, saqueando e aterrorizando outras embarcações e os descaracteriza de sua humanidade para torná-los em mais uma das lendas do alto-mar.
Este viés de certa forma manteve-se intocado nos quatro primeiros capítulos da série, com os duelos entre piratas e oficiais presumindo estes riscos como parte do processo e do charme da mitologia dos filmes, mas em A Vingança de Salazar esta ideia é posta em cheque. Dirigido pela dupla norueguesa Joachim Rønning e Espen Sandberg, o longa - que serve como uma segunda tentativa de recomeço à saga - busca questionar este eixo primordial da franquia tornando o mar efetivamente em um espaço amaldiçoado no qual seus personagens estão condenados a tentar escapar. É algo a ser notado no MacGuffin da vez: no lugar do tesouro amaldiçoado ou da fonte da vida temos agora o Tridente de Poseidon, um artefato lendário capaz de quebrar todas as maldições do oceano - e, por consequência, trazer a humanidade de volta aos condenados.
É a busca pelo objeto que une as jornadas dos mocinhos e bandidos na trama, com o jovem Henry Turner (Brenton Thwaites) embarcando na procura para tirar de seu pai, Will (Orlando Bloom), a imposição de comandar o Holandês Voador para a eternidade, o vilão Salazar (Javier Bardem, surpreendentemente apagado no papel) querendo se libertar de seu purgatório de estar vivo e morto ao mesmo tempo e Jack Sparrow (Johnny Depp) atrás de um modo de se livrar da má sorte que sempre o persegue. Diferente dos outros capítulos, Rønning e Sandberg optam por trabalhar a história pela dramaturgia pura e simples, abandonando a tendência a sets de ação arrojados para focar no desenvolvimento de seus personagens como elemento central da aventura. Assim, com a exceção de uma situação de roubo de banco logo no início da história - que mais parece um Velozes e Furiosos à base de cavalos - e outra (hilária) envolvendo uma guilhotina, a dinâmica de ação proposta e aprimorada por Gore Verbinski na primeira trilogia e emulada sem qualquer inspiração por Rob Marshall em Navegando em Águas Misteriosas aos poucos desaparece neste quinto filme para ser substituído por um drama de forte inclinação ao trauma familiar.
A decisão por esta mudança termina por condenar o longa em suas próprias ambições, mas o piripaque que se segue promove ramificações interessantes na abordagem da dupla norueguesa à fórmula consagrada em Piratas do Caribe. Presos à obrigação de atualizar a franquia aos moldes atuais das grandes produções de sucesso de Hollywood, os diretores em parceria com o roteirista Jeff Nathanson agem o tempo todo como verdadeiros malabaristas em A Vingança de Salazar ao terem de equilibrar a tendência dos blockbusters estadunidenses de hoje de pasteurizar todas as tramas ao ideal familiar (a referência mais imediata, claro, sendo Velozes e Furiosos) com a proposta da série de ter a liberdade como modo de vida, dois pólos que sem surpresa se manifestam antônimos um ao outro. Os esforços para conciliar as duas partes se fazem quase como um atrativo à parte do filme, conforme o elemento familiar se torna mais presente na narrativa e seu choque com o próprio ambiente no qual ele se propõe se inserir fica claro.
O resultado, porém, não chega a ser dos mais agradáveis, até porque muitos dos elementos acabam periféricos ou são desperdiçados no abandono da ação decidido pelos diretores. A bem da verdade, este novo Piratas do Caribe segue também na contramão dos antecessores no tocante a expandir o eixo da história, preferindo reciclar elementos que deram certo no passado e fazer somente apostas seguras - o exemplo maior talvez esteja na personagem interpretada por Kaya Scodelario, que se a princípio parece trazer algo novo na sua rebeldia logo se revela (e por consequência se esgota) como mais um aparato de adaptação da série aos novos tempos, e na dispensável cena pós-créditos. Neste meio tempo, o roteiro de Nathanson faz pouco proveito da figura de Salazar, primeiro oficial amaldiçoado da franquia, na mesma medida que torna o oficial vivido por David Wenham (bem como a participação de Paul McCartney) em mais um item de uma aparente forçada checklist de elementos obrigatórios.
Mas todos estes problemas derivam, no fim, do choque de narrativas que acomete A Vingança de Salazar, cujas dificuldades sinceras em conciliar propostas inconciliáveis terminam por remeter a franquia por acidente às suas próprias origens como envelhecida atração de parque de diversões, que buscava na época apenas a renovação para manter o interesse de seu público. As tentativas de adaptação propostas por Rønning e Sandberg são bem intencionadas, mas a imagem do carrossel permanece neste quinto Piratas do Caribe em toda a sua duração, condenando-o a girar e girar sem ir a lugar nenhum e com os mesmos navios de sempre. E para o capitão Jack Sparrow, protagonista maior desta aventura em eterna continuidade (e único personagem deste novo episódio que ao contrário dos outros evita o casamento e encontra no mar um lar), esta maldição pode representar um conforto solitário e perigoso.
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