Primeiro capítulo não arrisca, mas tem contexto social promissor.
Por Pedro Strazza.
Existe um tanto de garantido na maneira como Vinyl, a nova série produzida por Martin Scorsese, estabelece no piloto a sua narrativa e trama. O primeiro ocorre pelo próprio modus operandi do cineasta, que assume a direção do episódio de quase duas horas de duração e impõe seu estilo conhecido e bastante celebrado; a segunda, por outro lado, se dá pelo próprio contexto da televisão estadunidense e sua atual era de ouro, em voga desde o sucesso de Os Sopranos nos anos noventa.
Porque apesar de se passar no início dos anos setenta e acompanhar uma realidade agora quase surrealista aos olhos de hoje com a disposição de evidenciar esse lado da época, o seriado criado por Scorsese, o roteirista Terence Winter, Rick Cohen e o cantor Mick Jagger não hesita em seguir as convenções para contar a história do rico empresário musical Richie Finestra (Bobby Cannavale), sejam estas de estilo ou roteiro. Não é muito difícil vir à cabeça memórias de outros seriados - para mim especificamente Mad Men - em meio à sucessão de cenas dominadas pelas drogas pesadas e a música, que encontram-se também interessadas em trazer ícones da cultura rock'n roll de maneira implícita (a configuração das cabeças de cervo na parede da sala de reunião, que remetem de imediato à capa de Queen II) ou explícita (as imagens do desastre do LZ 129 Hindenburg intercalado com a capa do primeiro disco do Led Zeppelin). Se tudo isso ocorre por medo de arriscar o sucesso de uma grande produção gerada pelos nomes envolvidos ou apenas por pura ingenuidade, é uma pergunta que o primeiro episódio não responde.
O que Vinyl está mais a fim aqui, na verdade, é de compor sob o viés da insanidade o contexto social e musical ao qual sua história se insere, algo que Scorsese provou inúmeras vezes em sua filmografia. E os anos setenta não poderiam ser mais férteis para tal objetivo, sendo uma década marcada pelo conflito em constante ebulição e transformação em todos os campos possíveis de análise. O piloto se concentra, claro, na música, mas no subtexto da comparação dos lugares visitados pelo protagonista com seus flashbacks - centrados no começo de sua carreira no ramo e de sua amizade com o cantor negro Lester Grimes (Ato Essandoh) - já se percebe um fundo político aliado ao tema, da ascensão marginal do hip-hop como manifestação da discriminação racial e a tensão crescente derivada do processo.
E se há uma coisa que o diretor sabe fazer é atiçar a raiva a ponto de implosão, e pelo piloto Cannavale demonstra bastante habilidade em executar essa fúria pelo overacting.
A grande questão é: pode a vibe efervescente da série funcionar repetindo estruturas e noções conhecidas do público? Temos mais uma vez o protagonista de moral duvidosa e dotado de dilema de identidade, a coadjuvante feminina em ascensão profissional (Juno Temple, ótima) e os escritórios organizados (ainda que sob domínio da cocaína) derivados da TV, combinado à estética cômica e acelerada do cinema de Scorsese. Se Vinyl quer buscar seu lugar ao Sol, ela terá que buscar maneiras de se diferenciar do resto.
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