quinta-feira, 22 de março de 2018

Crítica: A Melhor Escolha

Richard Linklater canaliza Hal Ashby em filme sobre a crise patriótica americana do pós-11 de setembro.

Por Pedro Strazza.

Como grande parte da produção recente de Richard Linklater (como Boyhood ou Jovens, Loucos e Mais Rebeldes), a premissa de A Melhor Escolha parte de um retorno ao passado que pode ser facilmente confundido com o gesto nostálgico ou de reverencialismo. Além de estar situado em um Estados Unidos do início dos anos 2000 e tratar de militares aposentados, o filme também é baseado em um livro que serve de continuação a A Última Missão, filme de Hal Ashby que rendeu uma Palma de Melhor Ator a Jack Nicholson em 1973 - e como Ashby é uma das influências do cinema de Linklater, é de se esperar um grau de homenagem implícito à obra.

Esta crença inicial de que o novo trabalho do cineasta será feito apenas por mero capricho, porém, aos poucos se dissipa na história, que acompanha os mesmos três soldados do filme original - ainda que com os nomes mudados - em uma nova jornada de carga emocional ainda maior. Se antes a missão do título se referia à tarefa dos soldados Buddusky (Nicholson) e Mulhall (Otis Young) em escoltar o cadete Meadows (Randy Quaid) à prisão, agora é Meadows - apelidado aqui de Doc (Steve Carell) - quem vai procurar os agora amigos Sal (Bryan Cranston, que assume o papel de Nicholson sob a mesma performance expansiva) e Mueller (Laurence Fishburne) para ajudá-lo a enterrar o filho, morto pelo inimigo enquanto servia na Guerra do Iraque.

Tanto A Melhor Escolha quanto A Última Missão são concebidos na mesma jornada de travessia e compartilham a temática maior do patriotismo americano, mas as dinâmicas por trás de seus três personagens não poderiam ser mais diferentes. Lançado próximo ao fim do conflito no Vietnã e com a ressaca moral da derrota militarista estadunidense já anunciada, o longa de Ashby usava muito da crise de identidade nacional e belicista para impulsionar sua desconstrução sobre o personagem de Meadows, que condenado à prisão por um crime bobo no fim mostrava estar aceitando o longo tempo na cadeia apenas por não saber o que era viver de verdade. A produção no fundo era outra das comédias do cineasta dotadas de forte peso dramático e pautadas em um protagonista fechado no próprio mundo, só que impulsionada pela conexão direta ao cenário no qual se situava.

Já esta sequência não-oficial está muito mais ligada às questões de revisionismo de contextos muito específicos ao qual seu diretor anda atrelado nos últimos anos (como os jocks de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes), embora reaproveite muito deste equilíbrio entre comédia e drama para sua narrativa pelo viés da sátira - os superiores da hierarquia militar que surgem na tela, por exemplo, estão sempre gritando e sendo inflexíveis apenas porque podem. O longa volta a utilizar a figura de Meadows/Doc como protagonista maior da história (o que não deixa de ser natural, dado a premissa), mas sua atenção recai um pouco mais na dicotomia entre Sal e Mueller, cujos destinos na aposentadoria da vida militar geram dois opostos: enquanto o personagem de Cranston carrega o desencanto nacionalista americano na forma do proprietário de bar que tira sarro de tudo à sua volta, o Mueller de Fishburne traz a continuidade literal de uma crença convicta no sistema sob os trajes de padre que escolheu como profissão. Entre os dois há o Doc de Carell, cuja atuação conduzida na interiorização repercute de maneira silenciosa o dilema de fé instaurado pelo roteiro escrito por Linklater e o autor do livro, Darryl Ponicsan.

Mas por que um dilema de fé? Como em outros trabalhos do diretor, a resposta está intrínseca ao cenário, desta vez no espectro da invasão ao Iraque que paira como um fantasma invisível enquanto os três protagonistas fazem sua jornada para enterrar o filho de Doc no cemitério de sua cidade natal. Há uma crise de valores do patriotismo americano em A Melhor Escolha que nunca chega a ser escancarada como tema maior, uma abordagem que é preterida em prol de um olhar histórico distanciado ao qual a produção tem direito a pertencer - entre o fim do conflito no Iraque e a realização do longa são pelo menos seis anos de distância, afinal. Junto de Ponicsan, Linklater não se interessa muito de tratar ou purgar feridas deixada pelo 11 de setembro pelo filme, mas sim de usá-lo como veículo para enxergar pelos olhos da comunidade militar os sentimentos contraditórios criados pela tragédia e a decisão pela guerra novamente.

Neste viés, a grande tacada de gênio do diretor é a de colocar a história sob uma perspectiva geracional, inserindo à partir da metade um antigo amigo do morto (J. Quinton Johnson) para escoltar o caixão levado pelos três amigos. Longe de deslegitimar o drama da história e junto do tom de "comédia de idosos" e de camaradagem masculina ao qual o filme é intrinsecamente ligado, esta decisão ajuda a sobressair o caráter cíclico e ritualístico da história que é contada e frisar o valor familiar em torno de todas estas questões. É como se Linklater apontasse que a inexistência de uma resolução definitiva a este processo de dor e questionamento não por conta das falhas inerentes ao patriotismo como conceito (uma resolução que talvez fosse muito mais atraente a Ashby no contexto do Vietnã), mas porque estes altos e baixos do nacionalismo do país estão fadados a se repetirem continuamente como verdadeiros ciclos históricos - e nada explicita tanto esta afirmação do diretor quanto o momento em que os três veteranos visitam a casa da mãe do colega há muito tempo morto para contar a verdade sobre o passado distante e descobrem como a realidade já se dissolveu de novo no orgulho patriótico.

Nota: 8/10

0 comentários :

Postar um comentário