Por Pedro Strazza.
Eu admito que gostaria que este momento tivesse chegado um pouco mais tarde. Alguns meses mais tarde, pelo menos. Mas não há mais como postergar o inevitável.A verdade é que ando cansado. Já faz algum tempo que as palavras não parecem sair com a mesma facilidade de antes. As frases encurtaram.
Talvez seja o desgaste, uma dessas síndromes de burnout que agora estão tanto na moda no palavreado cotidiano. Ou mais um destes desencantos naturais com o meio. Uma perda de gana, de força de vontade?
O que precisa ser dito de fato, porém, é que o ciclo de vida deste blog enfim está chegando ao seu fim.
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É difícil se abrir desta forma a você, caro leitor. Quem me acompanha, por aqui ou pelo trabalho, muito provavelmente já percebeu que meu ponto de conforto na escrita mora numa visão mais distanciada; são raras as vezes em que assumo a primeira pessoa em meus textos, especialmente os críticos. E já que estamos nessa posição, acho válido fazer essa digressão e falar sobre o meu método alguns segundos.
Esse procedimento (ou se preferir, essa metodologia de escrita) não se dá por timidez, mas por opção. É verdade que a abordagem pessoal na crítica é um processo possível e que já rendeu milhões de maravilhas, como colegas já provaram de novo e de novo, mas no meu caso específico eu nunca consegui ver um retorno efetivo no ato de expor meu ponto de vista pessoal dentro do campo da análise. Talvez exista um pezinho de síndrome de impostor em meio a tudo isso (sempre há, por sinal), mas não vejo minha perspectiva em si adicionando muito ao debate que constantemente busco movimentar em minhas críticas.
Caso você esteja se perguntando, é claro que eu percebo as vantagens e desvantagens em tomar este caminho. Além de não serem poucas as vezes em que classificaram minha escrita como empolada, também sinto que a distância ajuda quem lê a criar uma imagem de mim que é diferente da verdadeira, de um "monstro" que não gosta de nada ao invés de alguém que efetivamente segue a piada do "meu pecado foi amar demais" um pouco à risca demais. Ao mesmo tempo, este método de escrita me permite criar o ambiente de respeito com todos a quem me dirijo: sempre creditei à crítica o esforço absurdo de tentar se direcionar simultaneamente ao espectador e ao realizador com honestidade, sem tentativas de acariciamento de ego ou de conforto de mundo; a análise crítica não é sobre certos e errados, mas sobre questionamentos, pontos de crise e, de vez em quando (e com um pouco de sorte), sobre traduzir a emoção, este conjunto tão complexo de reações.
Além disso, ao optar pela terceira pessoa eu pelo menos não uso tanto o possessivo "meu" e "minha" como faço agora, de forma tão desapercebida.
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Acho necessário esclarecer de novo que a decisão pelo fim se refere especificamente ao blog, não a minha escrita. Minha carreira continua, e até onde for possível continuarei a desenvolver a carreira de crítico, seja no B9 ou onde quer que a vida me leve.
Mas e o O Nerd Contra-Ataca? É engraçado, meu desejo com este site sempre foi de chegar à marca dos dez anos de vida, num esforço de provação meio banal, meio glorioso de se assistir. Aqui é o lugar onde tudo começou, afinal: foi neste blog que fiz minhas primeiras incursões pela escrita, foi ele quem me ajudou a definir a opção pela carreira do jornalismo (ao invés da medicina, um sonho que hoje é mais uma piada recorrente que um pesadelo de uma vida passada), foi nele que minha escrita se desenvolveu ao status de hoje, um tanto desengonçada mas decente o suficiente para ser acompanhada por outros.
(Deus, o exercício de ego desta última oração.)
Esta jornada, porém, tem mostrado seus sinais de esgotamento nos últimos meses. O leitor mais atento (e sedento, se é que ele existe?) deve ter percebido, mas já faz algum tempo que não retorno a estes cantos com a mesma empolgação de antes: as incursões diminuíram, os textos reduziram-se, as opiniões perderam o vigor afirmativo de outrora - e o engraçado é que apesar de estar chegando há tempos a constatação do fim só me veio ontem a noite, em mais uma destes casos de insônia que rondam meu descanso de vez em quando.
Eu poderia ter deixado este blog se esvair silenciosamente, é claro; seria a saída mais fácil e talvez respeitosa com todo o trabalho que foi feito aqui. Mas eu não tive coragem de fazer isso.
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Faço uma segunda interrupção porque acho necessário fazer o comentário sobre a entidade "nerd" que habita não apenas o nome como as fundações deste blog desde o início, até porque ele tenha algo a ver com o fim deste site. Este texto pede uma reflexão sobre o assunto, mesmo que uma muito breve.
A trajetória do nerd ao longo desta última década foi marcada por uma ascensão no cenário da cultura pop, mas ao mesmo tempo passou por uma crise evidente de valores que não passou desapercebida. Se sua figura popularizou-se e alcançou o mainstream como aspiração dominante graças à expansão da cultura de fã ao nível do culto nos circuitos de Hollywood, este deslocamento permitiu a quem antes era satirizado ocupar o centro das atenções e portanto desempenhar papel importante nos meios comerciais. É uma conquista de poder perigosa e que obviamente não foi bem lidada, a ver não apenas no boom de casos de ataques de ódio nas redes sociais dos anos 2010 mas no esvaziamento de relações que a suposta "cultura nerd" tinha com seus itens de grande admiração, um conservadorismo banal trajado de gatekeeping imbecilizado.
Este parágrafo anterior soa como (e é) uma grande bobagem analítica, mas tem um pouco a ver com a perda de significado deste blog. Não apenas porque o conceito de um "nerd contra-atacando" hoje não faz o menor sentido, mas na questão por trás deste ato: afinal, a quem este site hoje se dirige? Com certeza não à comunidade nerd, até porque este não busca nenhuma discussão além da permanência de "velhos valores" trajados de um sentimento nostálgico esvaziado.
É exatamente esta falta de direção que me afeta e me afasta não apenas do blog, mas da definição "nerd" nos dias de hoje. E é por estar despido deste manto que chegamos ao momento de agora.
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O que acontece a partir de agora é que o O Nerd Contra-Ataca como conhecemos deixa de existir definitivamente na atual configuração. O meu caminho e o caminho do blog estão se separando de vez em termos de uma rotina de escrita, de um repositório de textos onde as pessoas podem esperar que ora ou outra eu apareça para fazer novas contribuições.
Ok, minto: ainda será por este lugar que lançarei todo fim de dezembro o Melhores do Ano. Não porque a tradição precise ser respeitada ou coisa do tipo, mas porque me dá um pouco de vergonha abrir um outro sítio só pra fazer isso. Além do mais, eu sei que não vou conseguir parar tão cedo de escrever estes listões; por mais cansativo que seja, admito que me dá um prazer imenso parar no fim de ano para relembrar e refletir sobre tudo o que aconteceu ao longo dos últimos doze meses em termos de sétima arte.
Mas o resto, bem, o resto vai para outros lugares. Além do trabalho (que é onde já dedico e passo a dedicar todo meu trabalho de crítico de fato), quem ainda tiver interesse em ler minhas opiniões sobre cinema pode fazer como as crianças descoladas e acessar meu perfil no Letterboxd, local onde além dos lançamentos ora ou outra comento sobre os trabalhos de garimpo cinéfilo.
Admito que tinha pensado em palavras mais bonitas ontem a noite, quando decidi escrever este fim. Algo sobre agradecer todos que de alguma forma se envolveram com este blog ao longo da última década, desde quem contribuiu com textos e ajudou no layout do site até quem parou a vida em algum momentos dos últimos dez anos para ler qualquer publicação; algo sobre o fim dos blogs e como a permanência insistente deste veículo muito depois da queda serviu como homenagem tardia a toda uma comunidade que nunca integrei, mas sempre vi com admiração; e também algo sobre o primeiro post que escrevi aqui, há uma vida inteira atrás, e como o que começou com um local de respostas juvenis a questões impossíveis termina (como tudo na vã filosofia) sobre o embalo carinhoso da ausência de definições e amadurecido pelo alento da dúvida. Obviamente eu esqueci todos estes pormenores, mas acho que o que eu quero dizer no fim mesmo é:
Era uma vez um blog.