O melhor, o pior, o fantástico e o impensável de um ano que nos derrubou de assalto.
Por Pedro Strazza.
2018 é sem dúvida um ano que muitos gostariam de esquecer. Em meio ao caos de escândalos, tragédias, crimes horrendos e todo tipo de trauma avassalador, não foram poucos os que sentiram que os últimos 365 dias passaram como a sensação de 1095, tamanha a sensação de arrasto e peso que tendeu a afundar todos em direção aos níveis mais baixos - em todos os sentidos possíveis.
Como toda e qualquer arte, o cinema não deixou de refletir isso, seja no noticiário ou na leva de produções deste e do ano passado que atingiram as telonas do circuito e as telinhas do streaming - que mais que nunca parecem em pé de guerra uma com a outra mesmo não precisando. Além da sensação de temporada de vacas magras (uma que deve ser mais sentida no próximo Oscar, o tal do "pináculo" da indústria hollywoodiana), os filmes mais celebrados no meio este ano abarcaram temas mais difíceis quando não densos (para não dizer pesados), desde conflitos claros com visões de mundo padronizadas e ultrapassadas à depressão que foi repetida como tema de debate até se exaurir no humor das redes sociais. 2018 foi acima de tudo um ano para se lidar com traumas pelas vias mais excruciantes ou de resolução agridoce, sendo que esta última infelizmente pouco teve espaço no clima de confrontação.
Esta tendência a abordar o trauma é algo que querendo ou não grande parte das listas de melhores produções do ano segue de forma silenciosa, incluindo esta que você, caro leitor, está lendo neste exato momento.
Em 2018, o Melhores do Ano passou por algumas remodelações estruturais que provavelmente já tenham sido notadas. Vamos a elas:
1) Ao invés de três publicações dedicadas a cada um dos setores originais (Destaques, Piores e Melhores), todas as listas esta edição estão compiladas em uma mesma publicação - no caso, esta que você acessa neste momento;
2) O nome também passou por uma leve mudança: sai o pretensioso (para não dizer babaca) "O Cinema em 2018" e entra o "Melhores do Ano";
3) Junto das três listas originais e o ranking completo, também adicionei uma lista com produções do ano que assisti e ainda são inéditas ao nosso circuito ou acesso, ranqueados em um agrupamento de 20 títulos.
As regras também mudaram um pouco. Além de filmes lançados no circuito comercial de cinema e na Netflix, as listas contam com títulos de 2017 e 2018 lançados no restante do grande ecossistema de streamings que atualmente existe em nosso cenário; é uma forma sincera de tentar abarcar todo o volume de trabalhos que desembarcam em nossas praias digitais e físicas ao longo dos últimos doze meses.
O resto, porém, se mantém inalterado. São 25 filmes destacados no Melhores, 15 no Destaques e 10 no Piores, além do ranking completo e um prêmio hors-concours quando vejo necessidade (o que felizmente aconteceu de novo este ano).
Sobre a lista principal, alguns pontos:
- Foi sem dúvida o ano dos duos de diretores: dos 25 títulos elencados, nada menos que cinco foram comandados por duas pessoas;
- Também foi um ano em que mais filmes de diretoras aparecem na lista, pulando dos três nomes do ano passado para as 6 deste ano;
- Há alguns vários nomes que aparecem pela primeira vez no Melhores (incluindo vários que foram marcados no Destaques de anos anteriores, o que pessoalmente acho fantástico), incluindo um bom número de debutes: são seis projetos comandados por pessoas que estrearam na função de diretor.
Posto tudo isso, vamos às listas. Para começar:
Hors-Concours: La Flor, de Mariano Llinás
La Flor é um filme, vamos colocar assim, atípico. Com inacreditáveis 14 horas de duração e seis longas histórias para se contar à partir da presença de quatro atrizes (Elisa Carricajo, Valeria Correa, Pilar Gamboa e Laura Paredes), o projeto do argentino Mariano Llinás não exatamente se enquadra nos moldes ditos tradicionais de exibição, se adequando a um formato que não só exige que a produção seja dividida em dias mas que também pede que o espectador se submita a uma total imersão para compreender sua extensa narrativa - uma medida que talvez explique o porquê do diretor não querer que o longa seja lançado em versões físicas ou no streaming (onde talvez ganharia ares de minissérie capitular).
O que Llinás propõe dentro deste verdadeiro épico cinematográfico, porém, é algo que atende e supera todas as demandas esperadas por qualquer um que decida parar a vida para assistir o filme. Com tramas que vão do terror B à grande saga de espionagem, passando por histórias metalinguísticas e uma pequena homenagem ao Um Dia no Campo de Jean Renoir, La Flor é um gigantesco e fascinante estudo sobre a figura da mulher dentro do cinema que parece ir além da mera atestação dos jogos de poder intrínsecos na imagem, disposto a consertar e remendar relações para reconfigurar os signos que o público normalmente associa ao feminino dentro do audiovisual. Tudo isso dentro de uma estrutura que por incrível que pareça não exaure: a narrativa de Llinás realmente mostra precisar de cada um dos minutos usados para fazer valer os esforços de sua ambiciosa análise.
E é exatamente por esta complexidade temática e estrutural - além, óbvio, do fato da escala impedir qualquer possibilidade de lançamento nos cinemas fora dos festivais - que La Flor merece tamanha honraria do hors concours.
Sem mais delongas, vamos aos Melhores do Ano:
25) A Noite do Jogo, de John Francis Daley e Jonathan Goldstein
Francis Daley e Goldstein vem fazendo um caminho muito bonito dentro do circuito de produções menores de estúdio. Depois de comandarem um ótimo (mas tristemente ignorado) semi-reboot de Férias Frustradas e servirem de coautores no debute da versão Marvel Studios do Homem-Aranha, a dupla de roteirista e diretores ganharam em 2018 uma oportunidade fora do mercado de marcas cinematográficas com A Noite do Jogo, uma comédia que parte como espécie de paródia do Vidas em Jogo de David Fincher para se tornar mais um olhar apurado (e bastante engraçado) sobre as novas dinâmicas de relacionamento do século XXI. É um jogo de piadas e esquetes de comédia que prefere ganhar distância do improviso para trabalhar a temática dos adultos com síndrome de Peter Pan dentro de uma narrativa muito controlada e que aproveita o melhor da proposta lúdica e de cada um de seus atores no processo - em especial Rachel McAdams, que entrega aqui uma das grandes cenas do ano ao cantar Third Eye Blind em uma arma carregada. Com os dois diretores contratados pela Warner para comandar o filme solo do Flash, fica apenas o desejo de que ambos voltem a dirigir mais projetos do gênero no futuro.
24) Ponto Cego, de Carlos López Estrada
Um dos filmes mais interessantes da seleção do Festival de Sundance deste ano, Ponto Cego joga com provocações mordazes mesmo quando elas são expostas sob um prisma mais didático em alguns vários momentos. Dentro de uma dinâmica narrativa que soa como o encontro bizarro dos cinemas de Spike Lee e Kevin Smith, o longa de Carlos López Estrada trafega entre os temas da gentrificação e do racismo na cidade de Oakland pela compreensão da existência dos dois temas como problemas independentes e ao mesmo tempo profundamente conectados, algo que é muito bem transposto no trabalho dos protagonistas Daveed Riggs e Rafael Casal e no uso do roteiro escrito pelos dois para traçar um caminho ilustrativo dentro dos conflitos sociais que habitam (e dominam) a cidade. Ainda que o filme pareça muitas vezes estar mais interessado em um impacto imediato que num prolongamento do debate sobre suas questões, a urgência com o qual se desenvolve seus conflitos gera no mínimo um exercício narrativo muito forte.
23) Buscando..., de Aneesh Chaganty
2018 foi o ano em que o terror ambientado no meio digital ganhou força e até nome (o tal do "desktop horror"), mas é curioso que tenha sido justo um suspense extremamente bem comportado quem tenha promovido um olhar diferente dentro do gênero. Ainda que procedural em todos os seus movimentos e distante de quaisquer movimentos ousados que já não tenham sido testados antes na forma (o que inclui o Amizade Desfeita que é ainda o grande exemplar desta leva), o Buscando... de Aneesh Chaganty encanta por se aproveitar de uma estrutura contemporânea para trabalhar temas igualmente modernos, usando da procura desesperada de um pai pela filha desaparecida como base para a discussão dos novos gaps geracionais que se multiplicam no século XXI. Ajuda muito no processo que o filme conte com uma performance sólida de John Cho, que dá vazão a estas aflições do contraste entre as gerações X e Z na mesma intensidade em que segura a narrativa quando ela mais periga diluir-se.
22) Jogador N° 1, de Steven Spielberg
Alicerce fundamental da atual Hollywood e quase uma figura messiânica para a atual geração de cineastas que trabalham no circuito de estúdios, Steven Spielberg este ano teve a oportunidade de confrontar o próprio legado com Jogador N° 1. Antecipada por alguns como o novo "Santo Graal" da cultura pop, a adaptação do livro de Ernest Cline acabou pegando de surpresa (e portanto dividindo) a maioria ao mostrar que seu diretor estava menos interessado em celebrar a atual pluralidade de franquias e marcas do imaginário hollywoodiano que no exercício de enquadrar-se na imagem do misterioso bilionário falecido que é o centro de toda a narrativa da aventura passada no mundo fantástico de realidade virtual. Mas por ser uma produção de Spielberg estas duas partes não deixam de coexistir dentro da narrativa, que acalenta quem espera o máximo de cultura nostálgica com uma gigantesca montanha-russa de ação em CGI sem perder de vista este olhar semi-revisionista do cineasta, um que pelo menos ajuda o próprio em sua busca pela ressignificação de certos elementos da verdadeira indústria que fundou.
21) Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa
São poucos os filmes que sabem lidar tão bem com uma posição de importância histórica auto-instituída quanto este documentário em forma de colagem sobre as pornochanchadas dos anos 70. O recorte e o olhar de Fernanda Pessoa sobre uma produção considerada por muitos como irrelevante no processo histórico brasileiro serve à diretora como ponto de partida para evidenciar uma visão de Brasil despida de pudor, que dá conta de mostrar todo o mar de contradições que impera no país dentro de um jogo de humor baixo que queria acima de tudo agradar com a exibição do sexo feminino. E dado o atual estado de abandono da História do cinema nacional, esta é uma investigação que só ganha no resgate do passado.
20) Verão, de Kirill Serebrennikov
"Isto nunca aconteceu" é uma fala que se repete constantemente no musical russo de Kirill Serebrennikov sobre o cenário musical russo dos anos 80, quase como um mantra a definir o sentimento de revolução suprimida daqueles anos em que a censura instituída pela União Soviética impedia qualquer avanço de revolta da parte dos artistas. Dentro disto, o longa é sagaz ao conceber uma narrativa relativamente leve e que passeie entre arroubos de criatividade visual e um drama romântico mais tradicional, uma mistura que confere à história o tom de lamento necessário sem mantê-lo refém de um peso histórico que de tempos em tempos insiste em se manter preso ao cinema russo como um todo. Se Verão ora ou outra sofre com uma ou outra gordura, seu olhar sob o clima de frustração de uma geração musical inteira de uma nação nunca deixa de soar fora do lugar ou descabido à realidade vivida por aquelas pessoas na época, cuja busca eterna por brechas num sistema autoritário fomentava este tom de atração e repulsa por tudo e todos.
19) Um Pequeno Favor, de Paul Feig
Já há algum tempo numa sequência de comédias que contemplam o universo feminino enquanto tiram sarro do mundo masculino que oprime este último (o que inclui, claro, o fantástico e polêmico remake de Caça-Fantasmas), Paul Feig este ano voltou a trabalhar estes temas à partir de um gênero diferente - o suspense - sem esquecer deste tom paródico. O resultado é este Um Pequeno Favor, espécie de leve homenagem aos suspenses franceses do passado que aposta numa atualização irônica destas histórias e que volta a apostar no trabalho do elenco - em especial Anna Kendrick e Blake Lively - para funcionar. Se o longa em muitos momentos beira ao descartável, suas fundações resistem e fascinam porque a narrativa de seu diretor brinca exatamente com estas noções de seu espectador sobre um gênero menor, não esquecendo no processo de desenvolver uma narrativa maior que abarque as dores disfarçadas de ser mulher em um cotidiano machista.
18) Vingança, de Coralie Fargeat
Falando em revisionismo de gêneros mal falados, Vingança é um que faz deste exercício um mote de existência quase visceral. O terror da francesa Coralie Fargeat retoma as estruturas dos antigos filmes B e C de vingança para reinterpretar (e canibalizar) os signos misóginos deixados por grande parte desta produção, devolvendo na mesma moeda aos abusadores a violência que conferem às vítimas nestas obras. O lado altamente emocional que é imbuído ao projeto, porém, nunca chega a ser um obstáculo para a direção de Fargeat, que é esperta em reutilizar estruturas e se aproveitar de um tom quase lisérgico para pintar este retrato às avessas sem contradições ou deixar que seu discurso impere de forma exaustiva.
17) Roma, de Alfonso Cuarón
Alfonso Cuarón é um diretor que há anos mantém certa distância de sua terra natal, preferindo encontrar conforto em produções de narrativas cada vez mais mirabolantes, dominadas pela técnica e que pregam mensagens "universais" que para alguns podem se passar por auto-ajuda vazias. Com o tão celebrado Roma, porém, o cineasta mexicano enfim se obriga a conflitar a imensa maioria dos pontos característicos de seu cinema, uma medida que explica não só o "calor" das discussões feitas em cima do filme como também a força de seus momentos de maior catarse emocional. Distante ou próximo, vazio ou cheio, o longa sem dúvida carrega grande impacto em seu grande álbum de memórias familiar.
16) Visages, Villages, de Agnès Varda e JR
Muito provavelmente um dos filmes mais puros dos últimos anos, o projeto colaborativo entre a cineasta Agnès Varda e o artista plástico JR serve como um lembrete do quão transformador a arte pode ser ao indivíduo. Cada peça e imagem criadas pela dupla em sua viagem pelo interior da França reiteram esta potência de forma singela, num esforço que serve para valorizar as camadas "menos importantes" da sociedade francesa que no fundo constituem a parte mais fundamental da permanência da identidade nacional. Em tempos sombrios, este registro sem dúvida é um alívio muito bem vindo.
15) Homem-Formiga e a Vespa, de Peyton Reed
Em um ano em que o Marvel Studios arrecadou bilhões de bilheteria com o gigantismo de épicos como Pantera Negra e Vingadores - Guerra Infinita e que o gênero de super-heróis se arrisca mais em mais em produções de escala ambiciosa, o filme de Peyton Reed talvez tenha sido o projeto mais fundamental para a produção do tipo por lembrar do que faz estas obras tão tocantes ao público. Mas não foi só isso que tornou Homem-Formiga e a Vespa um projeto tão acertado: alinhado a uma história de proporções menores e focada em relações familiares, a comédia de tons hawksiano do diretor encontra aqui um ritmo rápido que sabe como organizar o humor de forma a alcançar os momentos mais emocionais com maior potência. É um essencialismo de atos que hoje soa até raro em sua centralidade, muito porque ele reitera a conciliação e o reencontro como forças fundamentais. Mais do que nunca, talvez esteja na hora de se reconsiderar Reed como diretor.
14) Lady Bird - É Hora de Voar, de Greta Gerwig
Dentre os registros particulares da safra 2017/2018, o Lady Bird de Greta Gerwig é daqueles que se destacou muito por conta do ineditismo do debute de sua diretora, mas ao mesmo tempo as fundações do filme estrelado por Saoirse Ronan e Laurie Metcalf são sólidos o suficiente para mantê-lo vivo na memória. Além de contrapor o cotidiano adocicado de sua protagonista com a crueza do cenário de Sacramento, o longa também dá conta de materializar na tela toda a miríade de sentimentos contraditórios que moram no ato do jovem de sair do ninho para desbravar o mundo, uma proposta que as duas atrizes só aumentam na dinâmica tempestuosa de mãe e filha.
13) A Câmera de Claire, de Hong Sang-soo
Depois de ter abordado as consequências do alarde de seu namoro com a atriz Kim Min-hee na imprensa sul-coreana com imensa acidez e arrependimento em Na Praia à Noite Sozinha e O Dia Depois, o sempre produtivo Hong Sang-soo retornou uma última vez ao tema em A Câmera de Claire para se reconciliar consigo mesmo de vez. Um tanto mais leve que seus "irmãos", o filme que por enquanto encerra esta "trilogia midiática" promove um sentimento de descarrego notável mesmo quando no jogo de comédia típico de Hong, que usa mais uma vez de sua narrativa de planos extensos e regidos por zooms que tiram o melhor de situações de desconforto e acerto de contas emocional.
12) As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas
Depois de se aventurarem em projetos solo nos últimos dois anos, Dutra e Rojas enfim retomaram sua parceria para este As Boas Maneiras, projeto que promove mais um destes intertextos de gêneros que marcam cada vez mais a dupla. Esta característica, afinal, domina as atenções na história de lobisomem que mistura o conto de fadas com o horror dentro da selva urbana de São Paulo, alimentando um olhar apurado sobre a distância e as diferenças das classes sociais brasileiras. Isabel Zuaá e Marjorie Estiano compõem uma das dinâmicas de atuação mais sensíveis deste ano, alimentando um amor que ressalta estas divisões sem maior alarde.
11) Projeto Flórida, de Sean Baker
Depois de surpreender muitos há três anos com Tangerine, Sean Baker ganhou ainda mais admiradores na última temporada do Oscar com este Projeto Flórida que carrega mais uma vez sua habilidade para tratar de populações marginalizadas. A história sobre as comunidades pobres que vivem próximos aos parques de diversão de Orlando encontra leveza em um mundo fadado à tragédia, tomando o ponto de vista de crianças para mostrar como elas sobrevivem neste cenário buscando o mesmo ar adocicado das atrações turísticas em tudo que tocam e passeiam.
10) A Balada de Buster Scruggs, de Ethan e Joel Coen
Depois de terem feito da Hollywood da era de ouro um palco para novas investigações sobre a fé, os irmãos Coen resolveram retornar ao Velho Oeste uma vez mais para encontrar e redefinir os signos do faroeste no momento anterior ao seu fim. Produzido como série de antologia e lançado como filme, A Balada de Buster Scruggs mostra a dupla de cineastas num momento mais reflexivo mesmo que eles não tenham perdido o faro para o humor, sendo um projeto onde eles confrontam a morte enquanto símbolo dentro das relações de um gênero que já há tempos viu seu auge passar. Com seis capítulos que revisitam arquétipos e tramas tradicionais da produção, o longa reforça a potência do faroeste pelo soerguimento de sua elegia, uma canção de despedida lamuriosa que não deixa de abarcar a falsidade do ato - seja pela fotografia digital ou mesmo as notas cômicas imbuídas em cada uma das histórias. E se todos os contos mantém entre si uma coesão distinta e seguram a barra cada um a seu jeito, o quinto episódio é o que mais marca por escancarar este raciocínio da mitologia que nunca morre mesmo quando abandonada.
9) A Melhor Escolha, de Richard Linklater
Depois de erguer arquétipos à uma merecida posição de consagração com Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, Linklater fez com A Melhor Escolha um retorno às referências que carrega em seu cinema. Continuação espiritual de A Última Missão de Hal Ashby, o novo filme do diretor reforça sua posição de cronista fadado a revisitar o passado recente de seu país ao retornar ao clima de conflitos e desesperança dos Estados Unidos nos anos imediatamente posteriores ao 11 de setembro, acompanhando militares veteranos enquanto viajam para enterrar o filho falecido de um deles. O viés geracional que o longa força ao incluir um jovem soldado entre o trio idoso dá um tom ainda mais trágico ao retrato que Linklater busca pintar do militarismo norte-americano da década, que se vê preso a ondas de guerras e convocações eternas. Um dos filmes mais dolorosos do cineasta, sem dúvida.
8) Infiltrado na Klan, de Spike Lee
A luta e a militância sempre foram temas caros a Spike Lee, que desde Faça a Coisa Certa mantém vigente a ideia de que o combate à opressão é vital mesmo quando se dando em frente diferentes. Com Infiltrado na Klan, este último ponto é reforçado continuamente graças à urgência da mensagem, em tempos onde o fascismo anuncia um perigoso retorno às principais instituições sociais - e o diretor sabe muito bem disso. A história do policial negro que virou membro da Ku Klux Klan serve a Lee como ponto de partida ideal para a discussão das diferentes perspectivas e significados dentro do ato natural de lutar pela igualdade, um debate cuja ausência de soluções imediatas e simples serve para o cineasta alimentar sua narrativa de choques e conflitos temáticos que só direcionam o espectador ao cerne da mensagem. Embora o diretor esteja para sempre amaldiçoado pelo brilhantismo da obra-prima que o lançou no mercado, este Infiltrado... felizmente mostra que seu cinema ainda se mantém atual e de grande valor.
7) Sem Rastros, de Debra Granik
Sem Rastros de certa forma é uma continuidade das questões que a diretora Debra Granik já tratava com Inverno da Alma (seu inacreditável trabalho anterior, dado a distância entre os dois trabalhos), filme que também abordava relações de trauma em núcleos familiares quebrados. Desta vez, porém, a cineasta conta com um terreno mais fértil para se aprofundar nos temas, dado que a tragédia em mãos é mais perniciosa e dá maior vazão à dinâmica de atração e repulsa entre sociedade e família que ela bem pretende, sem contar o fato de que o trabalho de Ben Foster e Thomasin McKenzie nutre uma dinâmica de personagens que dá vida às dores nos entornos deste processo. É um filme de muita dor para, paradoxalmente, ser muito curativo.
6) Asako I & II, de Ryûsuke Hamaguchi
Enquanto dramas coming of age e comédias românticas dão cabo de ilustrar seguidas vezes e com o mesmo olhar exaustivo as mesmas aflições e prazeres do primeiro amor, são poucas as obras que se interessam nas relações quase sempre intrínsecas entre a primeira paixão ardente e o relacionamentos estáveis que o seguem após seu fim. Um destes trabalhos que sabe muito bem o que faz é este Asako I & II do japonês Ryûsuke Hamaguchi, cuja história de uma moça que tenta levar a vida depois do fim abrupto de um namoro adolescente passa seguidas vezes por este caráter amaldiçoado deste primeiro momento de abertura para o amor.
5) Nasce Uma Estrela, de Bradley Cooper
Viver em um mundo de imagens. É curioso como o filme de Cooper destoa das outras versões de Nasce Uma Estrela em parte por este rearranjo temático que escapa do comentário ressentido sobre a indústria e enquadra o crescente quadro de depressão do protagonista. Não bastasse o assombro que é a qualidade da dinâmica entre o ator e Lady Gaga para viver o casal de músicos, o longa ainda traz este espelhamento entre o real e o falso que divide sua narrativa em dois momentos apenas para mergulhar o espectador na derrocada de Jackson Maine (uma que desta vez preserva a ascensão de Ally, vale acrescentar) à partir de sua perspectiva. É um ego project que de fato prefere a centralidade sobre a imagem do autor apenas para desconstruir sua visão de mundo e processar suas dores, um procedimento narrativo que rende momento genuínos em sua tristeza e beleza.
4) O Passageiro, de Jaume Collet-Serra
Collet-Serra é hoje um destes grandes diretores que ainda estão para ganhar o merecido reconhecimento, mas enquanto esta consagração moral não chega seu trabalho continua a fascinar dentro de gêneros e tipos de filmes considerados baixos, como este O Passageiro que retoma e reenergiza o tão exaurido suspense do trem. A quarta colaboração do cineasta de origem espanhola com o ator Liam Neeson rendeu em 2018 uma das analogias mais curiosas e intensas sobre a vida no capitalismo selvagem dos Estados Unidos do pós-crise, não só pela profundidade do arranjo temático que ele constrói aqui (a relação do protagonista com seu passado como policial deve render algumas discussões fascinantes sobre o status atual desta instituição social tão problemática) como pela forma como Collet-Serra executa isso dentro de experimentações arrojadas na narrativa, a exemplo do prólogo construído na rotina e o maravilhoso plano-sequência da luta no trem - sem contar a nova tecnologia de foco que o diretor usa e abusa aqui. Um filme tão potente quanto as engrenagens do trem que o impulsionam furioso para frente.
3) Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa
É apenas triste ironia do destino que Arábia seja lançado no começo de um ano marcado pela ascensão do bolsonarismo, pois a sensação de fim de ciclo político sugerida pelo filme de Dumans e Uchoa apenas fica mais nítida dentro do processo histórico do país. Ancorado por uma atuação desde já mitológica de Aristides de Sousa, o longa sobre um trabalhador que reconta sua vida no papel antes da morte é um dos melhores (se não melhor) retratos do clima de desencanto que toma o país nos anos posteriores ao lulismo, uma profunda reflexão sobre os rumos político-sociais que vê na derrocada econômica rumo à crise um fim de uma era de bonança rumo à tempestade. Se há uma cena que há de marcar o cinema brasileiro destes anos 10, esta com certeza é o monólogo final do protagonista Cristiano no longa.
2) Trama Fantasma, de Paul Thomas Anderson
O amor enquanto vício, enquanto jogo de poder. Tudo bem que é o último filme de Daniel Day-Lewis e que sua dinâmica com a performance magnífica de Vicky Krieps compõe uma maiores forças do filme, mas a condução de Paul Thomas Anderson sobre a relação central da história é o que faz Trama Fantasma ser um objeto de tamanho fascínio, magnitude e assombro. O relacionamento dos protagonistas aos poucos se desenrola como um jogo de gato e rato subjetivo que parece não ter (e nunca tem) um fim, como ciclos de dominação que se alternam entre dois jogadores sedentos pela submissão dos outros. É uma dinâmica doentia que sintetiza a alucinação ególatra por trás da ligação entre musa e artista, criação e criador, imagens que apenas servem de representações a um amor tão hostil e tenro em suas próprias maneiras.
Mas o que é o amor comparado a...
Mas o que é o amor comparado a...
1) O Outro Lado do Vento, de Orson Welles
Hollywood, a máquina e o monstro voraz. Faz muito sentido que seja Welles (mesmo do além túmulo) o único capaz de criar uma obra-prima deste nível de acidez, um comentário sobre a indústria que se estende muito além da época em que foi concebido a ponto de se manter atual para o cenário contemporâneo de hoje - troque a Nova Hollywood pelos herdeiros de Spielberg e você provavelmente chegará num mesmo cenário de destruição, caos e loucura materializados pelo diretor. Cineasta condenado a ser amaldiçoado pelo Cidadão Kane que o consagrou, ele redireciona no filme todo seu ressentimento para o cinema estadunidense que o alçou à posição de astro apenas para derrubá-lo sem nunca esquecer o fascínio que alimenta esta criatura de nome definido mas nunca intitulado, num retrato que como bem sugere o título promove um olhar desencontrado mas perspicaz e merecidamente caricato a todas as entranhas de um sistema maléfico.
Mas o fascinante de O Outro Lado do Vento é que ele vai além do mero ódio universalizado, ele também compreende a tragédia anunciada sobre a geração de cineastas da época. Seja a Nova Hollywood ou os diretores internacionais que abarcam nos Estados Unidos em busca de maior reconhecimento (coitados de Antonioni e seu Zabriskie Point), o filme de Welles ironiza e lamenta aqueles que o sucedem na posição de gênio, sabendo que serão esmagados pela máquina sem qualquer traço de piedade e até que a última gota de criatividade se esvaia. Não é à toa que o diretor parece nutrir tanto um desejo de devolver a região aos donos originais; Hollywood, ao seu ver, é uma terra maldita, amaldiçoada por natureza, algo que é sacramentado na última fala do personagem de John Huston que serve a Welles como seu receptáculo final:
"Todas aquelas garotas e garotos... filme-os até a morte."
Mas o fascinante de O Outro Lado do Vento é que ele vai além do mero ódio universalizado, ele também compreende a tragédia anunciada sobre a geração de cineastas da época. Seja a Nova Hollywood ou os diretores internacionais que abarcam nos Estados Unidos em busca de maior reconhecimento (coitados de Antonioni e seu Zabriskie Point), o filme de Welles ironiza e lamenta aqueles que o sucedem na posição de gênio, sabendo que serão esmagados pela máquina sem qualquer traço de piedade e até que a última gota de criatividade se esvaia. Não é à toa que o diretor parece nutrir tanto um desejo de devolver a região aos donos originais; Hollywood, ao seu ver, é uma terra maldita, amaldiçoada por natureza, algo que é sacramentado na última fala do personagem de John Huston que serve a Welles como seu receptáculo final:
"Todas aquelas garotas e garotos... filme-os até a morte."
Destaque, Piores, Inéditos e O Ranking
Destaques do Ano
Os filmes que não chegaram no Melhores do Ano, mas que por motivos particulares merecem algum reconhecimento:
- Zama
- Confronto no Pavilhão 99
- Paddington 2
- O Amante de Um Dia
- Hereditário
- Legítimo Rei
- Em Chamas
- Os Estranhos - Caçada Noturna
- Mais Uma Chance
- Vingadores - Guerra Infinita
- Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
- Aniquilação
- Museu
- O Animal Cordial
- Upgrade
Piores do Ano
As grandes bombas de 2018:
- Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
- Robin Hood - A Origem
- Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
- Vidas à Deriva
- O Insulto
- Círculo de Fogo - A Revolta
- Venom
- Submersão
- Happy End
- O Diabo e o Padre Amorth
Inéditos
Em 2019, fique de olho nestes filmes:
- No Coração da Escuridão, de Paul Schrader
- Ash Is Purest White, de Jia Zhangke
- A Valsa de Waldheim, de Ruth Beckermann
- Support the Girls, de Andrew Bujalski
- John McEnroe: In The Realm of Perfection, de Julien Faraut
- Homem-Aranha no Aranhaverso, de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman
- I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians, de Radu Jude
- Trem das Vidas ou A Viagem de Angélique, de Paul Vecchiali
- 3 Faces, de Jafar Panahi
- Assunto de Família, de Hirokazu Koreeda
- O Hotel às Margens do Rio, de Hong Sang-soo
- Vidas Duplas, de Olivier Assayas
- Uma Terra Imaginada, de Siew Hua Yeo
- Temporada, de André Novais Oliveira
- Imagem e Palavra, de Jean-Luc Godard
- Grass, de Hong Sang-soo
- Destination Wedding, de Victor Levin
- Vida Selvagem, de Paul Dano
- Oitava Série, de Bo Burnham
- Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski
Pra encerrar, o ranking completo do Melhores do Ano 2018:
- O Outro Lado do Vento (10/10)
- Trama Fantasma (9/10)
- Arábia (8/10)
- O Passageiro
- Nasce Uma Estrela
- Asako I & II
- Sem Rastros
- Infiltrado na Klan
- A Melhor Escolha
- A Balada de Buster Scruggs
- Projeto Flórida
- As Boas Maneiras
- A Câmera de Claire
- Lady Bird - É Hora de Voar
- Homem-Formiga e a Vespa
- Visages, Villages
- Roma
- Vingança
- Um Pequeno Favor (7/10)
- Verão
- Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava
- Jogador N° 1
- Buscando...
- Ponto Cego
- A Noite do Jogo
- Zama
- Confronto no Pavilhão 99
- O Dia Depois
- Missão: Impossível - Efeito Fallout
- The Post - A Guerra Secreta
- Paddington 2
- O Amante de Um Dia
- Upgrade
- Me Chame Pelo Seu Nome
- Apóstolo
- Hereditário
- Para Todos os Garotos que Já Amei
- Sicário - Dia do Soldado
- Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi
- A Primeira Noite de Crime
- Os Fantasmas de Ismael
- Os Incríveis 2
- Sem Fôlego
- Podres de Ricos
- A Festa
- Legítimo Rei
- Vende-se Esta Casa
- Em Chamas (6/10)
- Os Estranhos - Caçada Noturna
- Mais Uma Chance
- Antes que Tudo Desapareça
- Vingadores - Guerra Infinita
- Pantera Negra
- Popstar: Sem Parar, Sem Limites
- Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
- Aniquilação
- Museu
- Viva - A Vida é uma Festa
- O Animal Cordial
- O Plano Imperfeito
- Gente de Bem
- Halloween
- Operação Overlord
- Cam
- Arranha-Céu
- O Retorno de Mary Poppins
- A Forma da Água
- O Mistério do Relógio na Parede
- Oito Mulheres e Um Segredo
- Todo o Dinheiro do Mundo
- Serei Amado Quando Morrer
- 120 Batimentos Por Minuto
- O Artista do Desastre
- Sombras da Vida
- Roman J. Israel
- Cartas Para um Ladrão de Livros
- 7 Dias em Entebbe
- 78/52
- Sem Amor
- O Processo
- 15h17 - Trem Para Paris (5/10)
- Não Vai Dar
- Café com Canela
- Te Peguei!
- Medo Profundo
- Jumanji - Bem Vindo à Selva
- Marshall: Igualdade e Justiça
- Desejo de Matar
- Você Nunca Esteve Realmente Aqui
- Aquaman
- Djon África
- A Morte de Stálin
- Diamantino
- Bumblebee
- A Noite Devorou o Mundo
- Culpa
- Um Lugar Silencioso
- Estrelas de Cinema Nunca Morrem
- O Touro Ferdinando
- Distúrbio
- Desobediência
- Han Solo - Uma História Star Wars
- Gnomeu e Julieta - O Segredo do Jardim
- Fútil e Inútil
- Com Amor, Simon
- O Terceiro Assassinato
- O Destino de uma Nação
- O Segredo da Câmara Escura
- Maria Madalena
- De Encontro com a Vida
- Ella e John
- O Primeiro Homem (4/10)
- Quando Nos Conhecemos
- Meu Ex é Um Espião
- No Olho do Furacão
- Pequena Grande Vida
- Colette
- Uma Dobra no Tempo
- Tully
- Crônicas de Natal
- Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível
- As Viúvas
- Mogli: Entre Dois Mundos
- Esplendor
- Benzinho
- Crimes em Happytime
- Baseado em Fatos Reais
- Millennium: A Garota na Teia de Aranha
- A Freira
- Deadpool 2
- Cinquenta Tons de Liberdade
- Excelentíssimos
- Bohemian Rhapsody
- O Predador
- O Orgulho
- Tomb Raider
- Paradox
- Los Territorios
- Jurassic World - Reino Ameaçado
- Camocim
- Verdade ou Desafio
- Eu, Tonya
- Baronesa
- Perda Total
- The Square - A Arte da Discórdia
- Três Anúncios Para um Crime
- O Sacrifício do Cervo Sagrado
- Rampage - Destruição Total (3/10)
- Tinta Bruta
- Megatubarão
- Gringo - Vivo ou Morto
- The Cloverfield Paradox
- A Aparição
- A Grande Jogada
- Bird Box
- The Outsider
- O Diabo e o Padre Amorth
- Happy End
- Submersão
- Venom (2/10)
- Círculo de Fogo - A Revolta
- O Insulto
- Vidas à Deriva
- Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
- Robin Hood - A Origem (1/10)
- Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
Tenham um feliz 2019!
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